STF torna inconstitucional argumento de “defesa da honra” em feminicídio
Proibição de argumento que já foi usado para reduzir penas e livrar homicidas é mais um marco na luta contra a violência contra a mulher
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que não é possível usar a justificativa de “legítima defesa da honra” para casos de feminicídio. O julgamento terminou na noite de sexta (12) e, segundo os 11 ministros da Corte, a tese viola a Constituição, por opor-se a princípios como o direito à integridade física e a proteção à vida.
O ministro Dias Toffoli, relator do processo, afirmou que usar esse tipo de argumento é “odioso, desumano e cruel”, pois tenta “imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões”. É bom lembrar que já houve época no Brasil em que um homem era autorizado a assassinar uma mulher adúltera – e que crimes de honra continuam sendo uma realidade em alguns lugares do mundo, notadamente em países islâmicos.
A decisão do STF vem num momento em que os casos de feminicídio têm crescido no Brasil. A alta dos casos fora verificada em 2020, durante o período de confinamento. Não se deve, porém, atribuir isso ao isolamento – porque não há argumento para justificar um crime. Além disso, a alta já era verificada antes mesmo do início da pandemia do novo coronavírus.
Além de bastante oportuna, por causa do aumento do assassinato de mulheres, a decisão do STF deve se tornar mais um marco legal na luta contra a violência doméstica e o feminicídio no Brasil. Uma luta que já tem mais de 40 anos. Saiba mais sobre ela com o GUIA.
O caso Ângela Diniz e a “defesa da honra”
A socialite Ângela Diniz era uma das mulheres mais bonitas e exuberantes do Brasil nos anos 1970. Uma mulher livre, que simbolizava a busca pela liberdade em plena ditadura civil-militar (1964-85), e foi assassinada pelo namorado, o empresário Doca Street, que morreu em dezembro de 2020. O motivo alegado pela defesa de Doca perante os tribunais foi a legítima defesa da honra – que quase o fez ser absolvido. Após uma primeira sentença favorável, em 1979, três anos após o crime na Praia dos Ossos, em Búzios, Doca foi condenado. A sentença, dada em 1981 muito por causa da pressão de grupos feministas, foi considerada um marco histórico e, desde então, a tese de legítima defesa da honra deixou de ser considerada nos tribunais. E, agora, passa a ser inconstitucional.
O surgimento da delegacia da mulher
Foi também nos anos 1980, enquanto o Brasil vivia a chamada “abertura democrática”, que foram criadas as primeiras unidades de delegacia voltadas à defesa da mulher. A primeira surgiu em 1985, em São Paulo, durante o governo de Franco Montoro. Em 2019, havia 417 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher pelo país. Infelizmente, o cenário já foi melhor: em 2014, eram 441. E um problema persiste: a má distribuição de delegacias pelo país: 93% dos mais de 5.500 municípios brasileiros não contam com esse serviço especializado.
Aprovada em 2006, durante o primeiro governo Lula, a Lei Maria da Penha é a primeira voltada a combater a violência doméstica no Brasil. A lei leva o nome de uma farmacêutica e ativista brasileira que ficou tetraplégica em 1983 em decorrência de um tiro disparado por um ex-companheiro enquanto dormia. Mãe de três filhas, Maria da Penha lutou por anos para colocar o marido na cadeia. Ele de fato foi condenado, mas não chegou a cumprir pena. Hoje, ela comanda um instituto que leva seu nome em Fortaleza (CE), onde vive. Um balanço publicado em 2016 mostra que a Lei, se não significou o fim da violência doméstica e do feminícidio, trouxe avanços no Brasil. Um deles é a desaceleração dos casos de feminicídio, de 7,6% para 2,6% de crescimento no ano.
A Lei do Feminicídio
Para a nova geração, “feminicídio” faz parte do vocabulário. Mas o léxico é uma novidade. O termo passou a fazer parte da realidade brasileira somente na década passada, sobretudo após a sanção da Lei do Feminicídio, em 2015, que tipificou como crime o assassinato de uma mulher por ser mulher.
Quer saber mais?
“Mapeamento das delegacias da mulher no Brasil”, de Wânia Pasinato e Cecília MacDowell Santos