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Entenda a polarização política na América Latina

Região passa por período de instabilidade que tem origem na formação histórica da elite política e no antagonismo entre conservadores e progressistas

Por Fabio Sasaki
21 dez 2017, 16h17

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Nesta semana, alguns acontecimentos na América Latina agitaram o noticiário internacional. Na Argentina, a Câmara dos Deputados aprovou a reforma da Previdência, o que gerou violentos protestos na capital, Buenos Aires. No Peru, o Parlamento decide sobre a deposição do presidente Pedro Pablo Kuczynski, acusado de receber propina da construtora brasileira Odebrecht. No domingo, o Chile elegeu o empresário e ex-presidente Sebastián Piñera para governar o país novamente. Isso sem falar na crise sem fim da Venezuela, que sempre ocupa papel de destaque nas manchetes internacionais.

A América Latina é uma região geopolítica que reúne 33 países, ao sul dos Estados Unidos, que inclui o México e as Américas Central e do Sul. São nações que compartilham economias em desenvolvimento, cujas mazelas acumulam-se desde a época colonial. Mas para entender as atuais turbulências e a origem das desigualdades sociais que persistem na região, é importante conhecer um pouco mais sobre o seu contexto histórico e as forças que disputam o poder nos principais países. Veja a seguir, alguns fatores que ajudaram a definir a atual situação da América Latina:

Oligarquia e nacionalismo

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Durante os três primeiros séculos da presença europeia na América Latina, a economia baseava-se, essencialmente, na extração de riquezas minerais e na exploração intensiva da terra em benefício das metrópoles, com a formação de oligarquias ligadas às cortes europeias, que recebiam a posse de largas extensões de terra e o domínio político das estruturas coloniais.

Mesmo após os movimentos de independência no século XIX, a renda e a propriedade permaneceram concentradas nas mãos de uma pequena elite. Esse processo condenou as grandes maiorias – descendentes dos povos indígenas e dos escravos – a ficarem às margens das estruturas produtivas, sem acesso à terra, à educação e ao incipiente serviço público. Como herança dessa estrutura, a desigualdade social é uma marca distintiva dos países da América Latina ainda hoje: todas as nações da região estão abaixo da média mundial de igualdade na distribuição de renda.

Nas primeiras décadas do século XX, o poder político de grandes proprietários de terra passa a ser compartilhado com a nascente elite industrial e financeira. Essa nova configuração traz o fenômeno do nacionalismo – por vezes com a ascensão de governos que veem no estado o indutor dos investimentos para dar suporte à indústria de base, como a metalurgia, e a setores estratégicos, como a produção de energia. É característica da América Latina, também, a figura dos “caudilhos”, líderes políticos carismáticos, com amplo apoio popular, nacionalistas e modernizadores, mas protagonistas de regimes autoritários, como o argentino Juan Perón (1895-1974) e o brasileiro Getúlio Vargas (1882-1954).

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Guerra Fria e ditaduras

A América Latina não passou imune à polarização mundial durante a Guerra Fria (1948-1991), no qual o bloco capitalista (liderado pelos EUA) enfrentava-se com o bloco comunista (liderado pela União Soviética). Neste período, em 1959, a Revolução Cubana abriu um processo de ruptura com a dominação dos norte-americanos sobre Cuba, o que desembocou na constituição de um regime comunista nas Américas.

Como reação a um possível avanço comunista na região, os militares latino-americanos, com o apoio direto dos EUA, tomaram o poder por meio de golpes militares. O período das ditaduras é marcado pela supressão da democracia e pela colaboração ativa dos militares com setores empresariais beneficiados pelos regimes. Externamente, a cúpula militar recebe uma ajuda estreita do governo dos EUA, tanto de seus serviços de inteligência como em ramos de negócios, como montadoras e instituições financeiras.

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No período, há uma grande oferta de capitais a baixo custo nos países centrais, e os regimes ditatoriais endividam os países para a realização de obras de infraestrutura. Sem controles democráticos, parte dos recursos é desviada para a corrupção. Nos anos 1980, o declínio das ditaduras coincide com um colapso do endividamento externo, o que leva México (1982) e Brasil (1986) a declarar moratória, ou seja, suspender os pagamentos da dívida externa por certo período.

O neoliberalismo

A partir do processo de redemocratização, na década de 1980, os governos civis que sucedem as ditaduras militares herdam, em geral, situações de profunda desordem econômica, com inflação alta, desemprego e, em muitos casos, recessões severas.

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Com o fim da Guerra Fria em 1991 e a emergência dos EUA como potência hegemônica, os norte-americanos consolidam sua força na região ao impor o chamado Consenso de Washington. Este é o nome dado a um conjunto de diretrizes neoliberais para que a América Latina superasse a crise econômica em curso e voltasse a crescer. O receituário previa principalmente a abertura da economia aos capitais e mercadorias estrangeiras; a eliminação de barreiras aos investimentos externos; amplas privatizações; e redução dos gastos sociais pelos governos.

Polarização regional

A chegada à Presidência da Venezuela do coronel Hugo Chávez, em 1998, é a principal expressão da reação às políticas neoliberais, ao retomar o papel de protagonismo do Estado e desenvolver programas sociais focados na redução da pobreza. O nome “bolivarianismo” faz referência a Símon Bolívar (1783-1830), herói da independência de vários países da América espanhola, e diz respeito ao combate à influência dominante dos EUA sobre os países do continente.

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Sua influência se estende para outras nações da região, como Bolívia, Equador e Nicarágua, que passam a compartilhar um conjunto de políticas públicas, baseado em programas de reforma agrária, ampliação da rede de proteção social e controle estatal sobre recursos estratégicos como petróleo e gás. Em 2004, Chávez funda a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), que inclui essas quatro nações, além de Cuba e outros países da América Central.

Mas a resposta ao neoliberalismo não ficou restrita ao bolivarianismo. Os anos 2000 viram a chegada ao poder de líderes de uma esquerda moderada em países como o Brasil (Lula, em 2003), Argentina (Néstor Kirchner, em 2003), Uruguai (Tabaré Vázquez, em 2005) e Chile (Ricardo Lagos, em 2000). Eram governos de tendência progressista, com ênfase em políticas sociais, mas mantiveram boas relações com os EUA e adotaram políticas econômicas alinhadas ao mercado global. Em termos diplomáticos, faziam o papel de intermediários com todas as forças políticas do continente.

Durante todo o período, os governos do México e da Colômbia mantiveram uma aliança estreita com os Estados Unidos. O México por força do Nafta, tratado de livre-comércio incluindo também o Canadá, desde 1994, que integrou sua economia à do vizinho do norte. A Colômbia como resultado de uma aliança militar com eixo no combate ao narcotráfico: o país abriga sete bases militares norte-americanas em seu território. Em 2012, México e Colômbia impulsionaram com Chile e Peru a formação da Aliança do Pacífico, um bloco comercial entre os quatro países que mantém tratados de livre-comércio com os EUA.

Nos anos 2000, os governos latino-americanos – em sua maioria, exportadores de matérias-primas agrícolas ou minerais – têm suas economias impulsionadas por uma forte demanda dos países industrializados. É o chamado “boom das commodities”, ou seja, a alta na cotação dos produtos primários. Esse período de prosperidade acaba sendo curto, encerrado pela crise financeira global iniciada em 2008, que atingiu inicialmente os países desenvolvidos, mas que se espraia para o resto do mundo nos anos seguintes. A escassez de recursos resultante dos problemas econômicos estreita a margem para a manutenção dos programas sociais e das políticas de elevação de renda. Essa acaba sendo a base econômica para o cenário atual de recuo da esquerda na América Latina.

>> Veja também: entenda as razões econômicas da crise na Venezuela

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