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Educação: O grito dos estudantes

“A  escola é nossa!! Ocupamos ela”, dizia a faixa estendida na entrada da Escola Estadual Diadema, na Grande São Paulo, que foi tomada por um grupo de 20 alunos secundaristas na noite da segunda-feira, 9 de novembro de 2015. Eles protestavam contra a reorganização da rede estadual paulista e o fechamento de escolas, anunciado cerca de um mês antes pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Tornaram-se pioneiros de um movimento que se estendeu por outras 200 escolas de São Paulo, levou a protestos de rua e inspirou manifestações semelhantes por melhorias no ensino público em pelo menos outros oito estados do país. Em comum, a apropriação do espaço escolar, o uso da internet e das redes sociais para articular o movimento e a ausência de uma liderança centralizada ou de vínculos formais com partidos políticos e entidades estudantis.

Proposta de reestruturação

Em São Paulo, o projeto apresentado pela Secretaria Estadual de Educação previa uma nova forma de organização das escolas, de modo que cada unidade passasse a oferecer apenas um ciclo da Educação Básica a partir de 2016 – Ensino Fundamental I (que vai do 1º ao 5º ano); Ensino Fundamental II (do 6º ao 9º ano); ou Ensino Médio. A mudança afetaria cerca de 750 colégios, dos quais 92 seriam fechados, e 331 mil alunos, que precisariam ser transferidos.

De acordo com o governo, um dos motivos que levou à ideia da reformulação seria a diminuição do número de matrículas na Educação Básica, que teria caído de 5,6 milhões para 3,8 milhões nos últimos quinze anos. Desta maneira, ainda segundo o governo, a reorganização traria benefícios, pois permitiria uma melhor gestão, com a redução das vagas ociosas; liberaria espaço para ampliar o ensino em tempo integral; e ajudaria a adequar as unidades às necessidades específicas de cada faixa etária. A secretaria estadual também citava um estudo indicando que as escolas de ciclo único tinham melhor desempenho em avaliações pedagógicas.

PROTESTO. Secundaristas ocupam a escola Fernão Dias Paes, em São Paulo, em novembro de 2015 ()

Reações e resultados

Estudantes, professores e gestores, no entanto, reclamaram da falta de diálogo e de transparência para a tomada de decisão. Afirmaram que o vínculo dos alunos com a escola tinha sido desprezado e criticaram o que chamaram de simples redução de custos.

Pesquisadores e pedagogos que se posicionaram contra a reorganização também questionam a relação entre escolas de apenas um ciclo e melhor aprendizado. Segundo eles, a educação possui muitas variáveis que não devem ser ignoradas, como o nível socioeconômico dos estudantes e de suas famílias e a qualificação dos professores das escolas em questão. Além disso, dizem que no ensino público do país há uma quantidade de alunos em sala de aula maior do que deveria e que essa seria uma oportunidade de resolver essa questão.

Com as ocupações e as várias críticas recebidas – o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo chegaram a entrar na Justiça com uma ação civil pública contra a mudança –, o governador Geraldo Alckmin recuou e anunciou a suspensão da reorganização, afirmando que o ano de 2016 seria dedicado ao debate sobre a proposta de reformulação. O então secretário estadual de educação, Herman Voorwald, renunciou ao cargo na mesma data. Os alunos, no entanto, mantiveram as ocupações até meados de janeiro de 2016, argumentando que ficariam até a revogação oficial do plano.

O movimento se espalha

Antes mesmo de as ocupações das escolas paulistas terminarem, o exemplo de São Paulo já estava produzindo seguidores em vários estados brasileiros, como Espírito Santo. Em Goiás, secundaristas ocuparam 28 escolas no final de 2015 para protestar, entre outras coisas, contra o repasse da administração de algumas instituições para as chamadas Organizações Sociais, entidades privadas sem fins lucrativos. Em janeiro de 2015 foi a vez de Minas Gerais e, em março, Rio de Janeiro (80 escolas), seguido por Ceará (mais de 50 escolas) e Rio Grande do Sul (mais de 150 escolas). Nesses três últimos estados, os estudantes também apoiavam as greves dos professores estaduais. Em maio, escolas do Paraná e Mato Grosso registraram ocupações. De modo geral, os estudantes reivindicavam melhorias na infraestrutura das escolas, além de maior participação nas decisões.

Máfia da merenda

Paralelamente às ocupações Brasil afora, os estudantes secundaristas de São Paulo, desta vez os alunos das escolas técnicas estaduais (Etecs), voltaram a se mobilizar. Eles protestavam contra o corte no investimento das Etecs, o baixo salário dos professores e a falta de qualidade da merenda – em algumas escolas, os alunos recebem apenas a comida seca (bolachas, barra de cereal e bebida láctea) e, em outras, não há o fornecimento de nenhum alimento.

Entre o fim de abril e meados de maio de 2016, houve manifestações nas ruas e a ocupação de cerca de 15 Etecs, além da sede do Centro Paula Souza, autarquia responsável pela administração das escolas técnicas. Os estudantes também invadiram a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para pressionar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a chamada máfia da merenda – um esquema de desvio de recursos públicos e superfaturamento na compra de alimentos para as escolas do Estado, envolvendo parlamentares, o governo de São Paulo e prefeituras do interior paulista.

Uma questão muito discutida e noticiada foi a truculência e a violência da polícia militar contra os manifestantes. A polícia e a administração do Centro Paula Souza, por sua vez, acusam os estudantes de terem depredado instalações físicas do local e furtado equipamentos.

O legado das ocupações

A organização dos estudantes e a articulação entre eles foram fatores que contribuíram para a expansão do movimento. Nas escolas ocupadas, os alunos dividiram as tarefas, como programação cultural, cozinha e limpeza. Conquistaram o apoio de artistas, entidades e movimentos sociais. Tudo isso contribuiu para dar maior visibilidade ao movimento, que ganhou repercussão internacional. As ocupações paulistas foram tema de um artigo do jornal norte-americano The New York Times e ganharam a solidariedade de uma escola ocupada em Roma.

Um aspecto importante trazido pelas ocupações nas escolas foi a experiência que os estudantes tiveram – e que foi acompanhada pela população, em geral – de que a mobilização política e a ação organizada podem produzir resultados positivos. Exemplos disso foram a instalação da CPI da Merenda em São Paulo, em maio de 2016, e o anúncio de que os estudantes das Etecs paulistas de período integral vão contar com refeição (marmita) a partir do segundo semestre de 2016.

POR UMA CPI. Em junho de 2016, estudantes invadem a Assembleia Legislativa de São Paulo ()

Desafios a enfrentar

Em uma das desocupações, os estudantes afirmaram que a luta não tinha acabado e que a batalha agora era por uma educação de qualidade. Embora o Brasil tenha avançado bastante nos últimos anos na inclusão de crianças e jovens no sistema educacional e na implantação de avaliações oficiais, os desafios ainda são muitos. Baixo desempenho, altos índices de evasão, infraestrutura precária e a formação insuficiente dos professores são alguns dos principais problemas. Para enfrentar essas questões, o atual Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece 20 metas que devem ser atingidas até 2024.


PROTAGONISMO ESTUDANTIL

Do surgimento das primeiras manifestações aos dias de hoje, passando pelo regime militar, quando teve forte atuação, alguns dos principais momentos do movimento estudantil no Brasil:

  • 1901 – No início do século XX, o crescimento da industrialização e das cidades propicia a criação da primeira entidade, a Federação dos Estudantes Brasileiros.
  • 1937 – Fundação da União Nacional dos Estudantes (UNE). Anos depois, eclode a II Guerra Mundial (1939-1945), e os jovens pressionam o governo Vargas a se posicionar contra o nazi-fascismo.
  • 1948 – Surge a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).
  • Anos 1950 – UNE participa da campanha “O petróleo é nosso”, em defesa do monopólio nacional.
  • 1961 – Estudantes integram a chamada Campanha da Legalidade, pedindo a posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros.
  • 1964 – Com o Golpe Militar, a sede da UNE é incendiada e a entidade é colocada na ilegalidade. Durante a ditadura, estudantes são reprimidos, perseguidos, torturados e executados
  • 1968 – Estudantes participam da Passeata dos Cem Mil, considerada a mais importante manifestação de resistência ao regime militar.
  • 1973 – O aluno de Geologia da USP Alexandre Vannucchi Leme é preso e assassinado pelos militares. A missa em sua memória, que reúne milhares de pessoas, é considerada a primeira grande manifestação após o AI-5, que instaura a fase mais dura da repressão.
  • 1979 – O 31º Congresso de reconstrução da UNE marca o fim de 15 anos de ilegalidade da entidade.
  • 1984 – Por eleições diretas para presidente, os estudantes se envolvem na Campanha das Diretas Já.
  • 1992 – Movimento dos caras-pintadas: com o rosto pintado de verde e amarelo, estudantes se mobilizam pelo impeachment do presidente Fernando Collor, envolvido em escândalos de corrupção.
  • 2013 – Nas chamadas Jornadas de Junho, os estudantes têm participação ativa nos protestos populares que levaram mais de 1 milhão de pessoas às ruas do Brasil, com múltiplas reivindicações.

O Brasil avançou em inclusão e em sistemas de avaliação, mas os problemas a resolver ainda são muitos


Confira, a seguir, as principais questões que afetam a educação no país, em cada nível de ensino – do básico, que compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, ao superior.

Educação Infantil

Considerada uma etapa fundamental para o desenvolvimento da criança, a Educação Infantil compreende o ensino oferecido nas pré-escolas (4 e 5 anos de idade) e o atendimento nas creches (até os 3 anos de idade). Quase 90% das crianças de 4 e 5 anos estavam na escola em 2014. Em relação à faixa etária de 0 a 3 anos, a meta do PNE é ter 50% das crianças atendidas em 2014 – em 2014, eram pouco menos de 30%.

Ampliar o número de vagas é apenas um dos desafios. Readequar as faixas etárias nos grupos que misturam alunos de diferentes idades, garantir o atendimento em período integral nas creches e investir na formação dos profissionais constituem outras necessidades.

AUTONOMIA. Alunos em colégio ocupado na Ilha do Governador, no Rio, em abril de 2016 ()

Ensino Fundamental

Os últimos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que considera desempenho escolar e aprovação, confirmam a persistência de uma triste realidade: boa parte dos alunos do Ensino Fundamental não aprende o que seria esperado para a série em que estão. A lacuna é maior em matemática (apenas 42,9% dos alunos do 3º ano, por exemplo, tinham aprendizagem adequada), mas também é importante em leitura (77,8%) e em escrita (65,5%).

Nos anos finais do Ensino Fundamental, esse problema ainda se agrava frente à exigência de conteúdos cada vez mais complexos e um número maior de disciplinas. A falta de um currículo mais conectado com a realidade do adolescente e a infraestrutura precária das escolas também contribuem para a dificuldade e o desinteresse.

Ensino Médio

É considerado o grande gargalo da educação brasileira – apenas metade dos alunos que ingressam no Ensino Médio conclui o curso. As razões são muitas, entre elas a necessidade de trabalhar e a gravidez precoce. Mas as principais são da própria organização do ensino, como os conteúdos extensos e em descompasso com as necessidades e os interesses dos estudantes, as deficiências pedagógicas trazidas dos anos anteriores, os métodos pedagógicos ultrapassados e a má formação dos professores.

Assim, jovens pouco estimulados pelos estudos, muitas vezes em situação de atraso escolar e para quem o Ensino Superior é apenas uma possibilidade remota, tendem a abandonar a escola. Entre os que conseguem se formar, o desempenho é fraco. Essa etapa apresenta os piores resultados entre os ciclos avaliados pelo MEC. Um estudo da organização Todos Pela Educação aponta que apenas 9,3% dos alunos do último ano do Ensino Médio aprenderam o conteúdo considerado adequado em matemática, em 2013. E o índice vem piorando – em 2011, eram 10,3% e, em 2009, 11%

O Ensino Médio técnico (profissionalizante), que em vários países apresenta-se como uma alternativa à preparação para o Ensino Superior, ainda engatinha no Brasil, apesar do crescimento nos últimos anos, impulsionado pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

Ensino Superior

Os avanços na Educação Superior foram muitos nos últimos anos. A expansão das universidades federais e da oferta de bolsas e financiamentos públicos nas universidades privadas, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), permitiram que o número de universitários aumentasse de 4,2 milhões em 2004 para 7,8 milhões em 2014. Paralelamente, cresceu a quantidade de cursos. Os desafios são garantir um ensino de qualidade em meio ao crescimento da oferta e conter a evasão.

Outra grande trava para a qualidade da Educação Superior é sua porta de entrada, ou seja, o Ensino Médio. Sem resolver os problemas da formação dos alunos nesse nível de ensino, dificilmente haverá uma boa formação superior.

Mesmo com a expansão, a participação de alunos de 18 a 24 anos matriculados na Educação Superior (idade considerada adequada para cursar esse nível de ensino) é de apenas 17,7% dos jovens brasileiros nessa faixa etária. O Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece uma meta de 33% para 2024, a qual, segundo os especialistas, dificilmente será alcançada. Parte disso deve-se ao insuficiente fluxo de chegada de estudantes do próprio Ensino Médio.


PARA IR ALÉM. O documentário Acabou a Paz, Isto Aqui Vai Virar o Chile! (2016, de Carlos Pronzato) acompanhou as ocupações em São Paulo. O filme está disponível no youtube.com.


EDUCAÇÃO

OCUPAÇÃO DAS ESCOLAS Frente ao anúncio do governo de São Paulo de promover uma reestruturação na rede estadual de educação – que implicaria no fechamento de mais de 90 escolas e na transferência de 331 mil alunos – estudantes secundaristas iniciaram protestos que culminaram na ocupação de 200 escolas, entre novembro de 2015 e janeiro de 2016. A mobilização inspirou manifestações parecidas em, pelo menos, oito estados brasileiros. Além de melhorias no ensino, a pauta continha reivindicações variadas, como maior participação nas decisões das escolas.

CARACTERÍSTICAS A organização no estabelecimento de uma rotina nos colégios ocupados e a articulação entre os alunos, sobretudo por meio da internet e das redes sociais, contribuíram para a expansão do movimento, que ganhou o apoio de artistas e de movimentos sociais. Reivindicações foram atendidas, como a suspensão da reestruturação em São Paulo. A ausência de uma liderança centralizada e de vínculos formais com partidos políticos e com entidades estudantis também deram o tom das ocupações

QUALIDADE DO ENSINO As manifestações dos estudantes chamaram a atenção para os grandes entraves da educação brasileira: a infraestrutura precária das escolas públicas (que compromete as condições de ensino), as deficiências na formação dos professores e os currículos, desconectados da realidade do aluno. Esses fatores contribuem para as dificuldades de aprendizagem que levam ao mau desempenho e à evasão escolar.

DESAFIOS No Ensino Fundamental, boa parte dos alunos não aprende o que seria esperado para a sua série.O Ensino Médio constitui o grande obstáculo da educação no país: apenas metade dos alunos que ingressam conseguem se formar. Como resultado, os estudantes de 18 a 24 anos matriculados no Ensino Superior somam apenas 17,7% dos jovens brasileiros nessa faixa etária – o Plano Nacional de Educação estabelece uma meta de 33% para 2024, o que dificilmente será cumprido.

Educação: O grito dos estudantes
Educação: O grito dos estudantes
“A  escola é nossa!! Ocupamos ela”, dizia a faixa estendida na entrada da Escola Estadual Diadema, na Grande São Paulo, que foi tomada por um grupo de 20 alunos secundaristas na noite da segunda-feira, 9 de novembro de 2015. Eles protestavam contra a reorganização da rede estadual paulista e o fechamento de escolas, anunciado cerca […]

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