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Brasil tem mais de 1,3 milhão de quilombolas

Pela primeira vez, a população quilombola é contada no Censo do IBGE, e metade dela está na Bahia e no Maranhão

por Fábio Soares

Pela primeira vez, em 150 anos de Censo demográfico, o Brasil contou sua população quilombola. De acordo com o Censo 2022, são 1.327.802 pessoas (0,65% do total da população), um conjunto expressivo de brasileiros, morando em quase 474 mil domicílios espalhados em todos os Estados.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo Censo, contou quilombolas em mais de 30% dos municípios brasileiros. O Nordeste – que abrigou por mais de um século o Quilombo dos Palmares, o mais importante da história nacional – é a região em que se encontra a maior parte da população quilombola, com 905 mil pessoas, 68% do total no país. A Bahia abriga o maior número de quilombolas, com 397 mil pessoas, seguida do Maranhão, com 269 mil. Os dois estados juntos concentram metade da população quilombola do Brasil, com pouco mais de 50%. Os dois são também os Estados com a maior porcentagem de população negra no Brasil.

Políticas públicas

O levantamento oficial pelo IBGE dá as dimensões dos números, das condições de vida e de como os quilombolas estão distribuídos no país. Isso contribui para uma maior visibilidade dessa população e para uma maior conscientização sobre a história e a cultura dessas comunidades. Esses são pontos de partida para a formulação de políticas públicas voltadas para geração de renda, habitação, ocupação, trabalho e regularização fundiária, de modo a atender às necessidades específicas dessas populações.

A apuração do Censo também estimula entidades da sociedade civil, públicas ou privadas, a desenvolverem políticas de ação afirmativa. No entanto, é preciso reconhecer que o processo de superar séculos de discriminação e marginalização é complexo e exige esforços contínuos em várias áreas, incluindo política, economia, educação, emprego, igualdade de oportunidades e justiça social.

Reconhecimento

A Constituição de 1988 é um marco no reconhecimento dessa população ao integrar, em seu artigo 68, a seguinte formulação: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Entende-se por quilombolas grupos étnico-raciais considerados remanescentes das comunidades dos quilombos – espaços de resistência à opressão e exploração escravagistas, estabelecidos por escravizados nos períodos colonial e imperial –, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra. Seu conceito está descrito no artigo 2º do decreto nº 4.887, de 20 novembro de 2003, que regulamenta os procedimentos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.

A inclusão tardia da população quilombola no Censo 2022, por outro lado, é uma expressão da discriminação racial no Brasil. Por que tanta demora? Mapear este grupo étnico, que integra os povos e comunidades tradicionais que deram origem ao país que temos hoje, pode representar uma tentativa de reparação histórica, mas evidencia que houve uma tentativa de “apagamento” da importância da população negra no Brasil, que compõe uma maioria crescente do povo brasileiro.

Comunidade quilombola Sacopã, na região da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro (foto de 16/8/2016) (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

População negra

Quando apura a cor e raça da população brasileira, o Censo apresenta as alternativas branca, preta, parda, indígena amarela. Para a maior parte dos especialistas, considera-se a população negra como a soma de pretos e pardos – abordagem adotada pelo Guia do Estudante nesta matéria. Pelos últimos números do IBGE, essa soma chega a 55,9% da população – 10,6% de pretos e 45,3% de pardos. Esses são os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2022, divulgada em junho de 2023 (no fechamento desta matéria, os números do Censo a este respeito ainda não haviam sido divulgados).

É importante notar o crescimento sistemático da população que se declara preta no país: 7,6% em 2012; 8,6% em 2017; 10,6% em 2022.

Ao longo da história brasileira, houve um esforço sistemático para apagar ou minimizar a importância das comunidades quilombolas e da população negra e sua contribuição para a cultura nacional. Isso aconteceu por meio de políticas de segregação, discriminação e marginalização, manifestadas de várias formas, como a falta de reconhecimento oficial das comunidades quilombolas, a invasão de suas terras, a escassez de recursos para essas áreas e a perpetuação de estereótipos negativos sobre a população negra.

A marginalização da população negra no Brasil, além do relativo aos quilombolas, abrange uma ampla gama de questões, que englobam o racismo e suas manifestações, o acesso desigual à educação de qualidade, a discriminação no mercado de trabalho e a violência policial, entre outras.

Indicadores da diferença

Desde a Abolição da Escravatura no Brasil, em 1888, passaram-se 135 anos. Com o fim da escravidão, entretanto, os negros foram entregues à própria sorte, sem acesso a escolas, a terra, nem a serviços básicos. Assim, a pobreza dessa população continuou nas gerações seguintes.

Hoje, sabe-se que o conceito de raça entre os seres humanos é totalmente errado, pois a ciência comprovou que as diferenças genéticas entre pessoas distintas, como um negro e um branco, por exemplo, são mínimas. Em lugar de raça, a antropologia e a sociologia costumam adotar o conceito de etnia. Um grupo étnico é um conjunto de pessoas que habitam uma região e compartilham a mesma cultura e língua. A palavra raça permanece como sendo de uso comum na linguagem popular como sinônimo de cor, e, por isso, integra o questionário do Censo (cor e/ou raça).

No Brasil, a cor da pele persiste como base do preconceito contra indivíduos que tiveram menos oportunidades no decorrer da história. A população negra, apesar de ser majoritária no Brasil, é sub-representada e tem condições de vida muito inferiores às da população branca, com menos chance de ascensão econômica e maior vulnerabilidade social. Veja o que mostram os indicadores a seguir.

Saúde

Mulheres negras têm mais filhos que as brancas. A taxa de fecundidade delas é, em média, 32% superior à das brancas. Quanto maior o número de filhos, menor o rendimento per capita. A dificuldade de acesso aos serviços de saúde e as piores condições de vida também reduzem a longevidade dos negros. Da população com mais de 65 anos de idade, 56% são brancos e apenas 43%, negros.

O risco de suicídio em adolescentes e jovens negros é maior. A cada 10 jovens que se suicidam no Brasil, 6 são negros.

desnutrição é maior e mais grave entre negros de 0 a 19 anos. De acordo com o Panorama da Obesidade de Crianças e Adolescentes, entre 2015 e 2021, a desnutrição entre meninos negros ficou dois pontos percentuais acima do valor observado entre meninos brancos. O ápice foi observado em 2019, de 7,5% entre a população infantil negra.

Violência

Segundo o Atlas da Violência 2021, o risco de um negro ser assassinado no Brasil é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra. Em 2019, os negros representaram 77% das vítimas de homicídios no Brasil, com uma taxa de 29,2 por 100 mil habitantes. Entre os não negros, a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil. O mais grave é que a situação piora: entre 2009 e 2019, o número de negros assassinados cresceu 1,6% (34,5 mil em 2019), enquanto os homicídios entre a população não negra caíram 33% no mesmo período (10,2 mil em 2019).

A população negra sofre uma violência cotidiana, que se expressou, em 2021, em 13.830 casos de injúria racial e 6.003 casos de racismo em todo o Brasil. São mais de 50 casos por dia, e podemos considerar que são apenas a ponta de um iceberg, pois são as agressões registradas oficialmente. Há uma quantidade enorme de situações que não chegam à polícia nem à Justiça.

O risco de violência para mulheres pretas e pardas é 60% maior do que para mulheres não negras. Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde revelam que, enquanto a taxa de homicídios de mulheres brancas em 2015 foi de 3 para cada 100 mil mulheres, a de mulheres negras foi de 5,2.

Mulheres negras sofrem mais violência obstétrica do que as brancas. De acordo com a Fiocruz, em artigo baseado no estudo “Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento”, a chance de uma mulher negra não receber anestesia durante o parto é 50% maior do que uma mulher branca. Puérperas negras também têm maior risco de terem um pré-natal inadequado.

Gestantes e puérperas pretas apresentam os piores indicadores de mortalidade materna, segundo levantamento do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e do Instituto Çarê.

Representação política

Os negros possuem muito menos representantes no Congresso Nacional. No Senado, de acordo com o Observatório Equidade no Legislativo, na atual legislatura, apenas 18 (22%) parlamentares se autodeclaram negros, sendo 2 mulheres negras. Na Câmara Federal, são 124 (24%) parlamentares negros. Brancos somam 75%, e menos de 1% são indígenas e descendentes de povos orientais.

Educação

Atualmente, 61% dos negros concluem o Ensino Médio. Entre os brancos, o número é de 75%, segundo levantamento da ONG Todos Pela Educação. Já no Ensino Superior, o número de alunos negros e pardos saltou de 41% do total de matrículas na rede federal, em 2010, para 52%, em 2020. A presença de negros avançou a partir da implantação nacional das cotas no vestibular (veja adiante).

Renda

renda média do trabalhador branco é 75,7% superior à do preto. A média de ganhos de pretos e pardos equivale a 57,7% da renda de brancos. De acordo com levantamento do IBGE de 2020, os brancos ganham R$ 3.099 em média, quase o dobro da média recebida pelos pretos, R$ 1.764. Também supera em 70,8% a renda média de R$ 1.814 dos trabalhadores pardos. Independentemente do grau de instrução, os brancos recebem mais que os pretos e pardos. Entre os que concluíram a faculdade, os brancos ganham 44% a mais. Os dados são base da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) 2020.

Contra diferenças estruturais como essas, resultado de uma herança histórica de discriminação, foram propostas as ações afirmativas – medidas institucionais, públicas ou privadas, que visam diminuir desigualdades, garantir a igualdade de oportunidades e de tratamento e compensar perdas advindas da discriminação e marginalização de qualquer grupo social. O sentido da expressão “ação afirmativa” é mostrar à sociedade que existe determinada diferença social que merece uma ação específica que possa superá-la. São exemplos de ações afirmativas a preferência no atendimento aos idosos e gestantes em serviços públicos e privados, a reserva de vagas de estacionamento e as melhorias de acesso para deficientes físicos. No Brasil, a reserva de cotas raciais é uma ação afirmativa em favor dos negros, indígenas e quilombolas, grupos étnicos discriminados e sub-representados historicamente.

Segregação histórica

As diferenças socioeconômicas entre brancos e negros constituem uma terrível herança da história brasileira. Desde meados do século 16, quando aportaram aqui os primeiros navios negreiros, houve 350 anos de escravidão. Estima-se que tenham sido trazidos para o Brasil em torno de 4 milhões de africanos.

No início da colonização, a Coroa portuguesa incentivou o emprego de africanos nas plantações de açúcar e nos engenhos para substituir, no trabalho, os indígenas escravizados. Nos canaviais e nos engenhos, nas minas, nas casas-grandes e, mais tarde, nos cafezais, os negros escravizados foram usados como a mão de obra básica das atividades produtivas.

No fim do período colonial, os negros e os mestiços representavam 79% da população na Bahia, 75% em Minas Gerais, 68% em Pernambuco e 64% no Rio de Janeiro. No decorrer de quase todo o período imperial (1822-1889), o trabalho escravo foi a base da produção econômica no Brasil.

Quando a princesa Isabel promulgou a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, o Brasil vivia a fase final do Império (que terminaria em 15 de novembro de 1889). Eram tempos de uma realidade econômica mundial diferente da época do Brasil colônia (1500-1822), com reflexos na organização da sociedade e do trabalho.

No período do Mercantilismo (séculos 15 a 18), os negros africanos escravizados tinham papel fundamental, pois eram mão de obra barata e constituíam, eles próprios, do ponto de vista dos traficantes de escravizados e dos fazendeiros, “mercadoria” a ser comercializada.

Com a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no século 18, as máquinas ampliaram a fabricação de produtos e passaram a ocupar menos força de trabalho. O capitalismo ascendente precisava criar massas de consumidores – o que exigia um contingente cada vez maior de trabalhadores remunerados. Os escravos não tinham remuneração e, portanto, não davam base a um mercado consumidor. Além disso, o Iluminismo, pregando liberdade, igualdade e fraternidade, dava uma base filosófica e social para convencer a sociedade da justeza das novas ideias. O sistema escravagista deixou de interessar à nova ordem mundial.

Nesse processo de mudança, as antigas colônias assumiam, simultaneamente, a posição de fornecedoras de matérias-primas e importadoras dos produtos industriais. No Brasil, por volta de 1850, o regime de escravidão já havia sofrido golpes. Pressionado pela Inglaterra, o governo imperial assinara tratados e editara leis que tornavam ilegal o tráfico negreiro. A substituição de mão de obra se deu pelo incentivo à imigração de europeus, inicialmente para as lavouras de café, a partir do fim do século 19 (incluindo também uma política de “branqueamento” da população conduzida pela elite brasileira). O fato é que, aos poucos, os movimentos abolicionistas ganharam fôlego. Em 1871, foi assinada a Lei do Ventre Livre, que tornava livres os filhos de escravos nascidos no Brasil. Em 1885, a lei Saraiva-Cotegipe (ou dos Sexagenários) libertou os escravos com mais de 60 anos de idade. Até que, em maio de 1888, a Lei Áurea acabou com a escravatura no país.

Abolição e abandono

A abolição da escravidão, porém, não melhorou significativamente as condições de vida dos negros brasileiros. No campo, os grandes empregadores – como a elite cafeeira – preferiram trazer imigrantes europeus para as lavouras. No Sudeste e no Sul, boa parte dos antigos escravos instalou-se em terras sem registro ou virou peão para cuidar do gado dos criadores. No Nordeste, parte dos negros se instalou em terras desocupadas, como posseiros, ou permaneceu dependente dos grandes fazendeiros. Em todo o país, famílias negras instalaram-se em áreas remotas e deram origem a boa parte das atuais comunidades quilombolas.

As oportunidades eram poucas também nos centros urbanos. No Rio de Janeiro, apenas um terço da mão de obra fabril era composta por antigos escravos. Em São Paulo, mais de 80% dos empregados da indústria eram imigrantes europeus. Como consequência, grupos de negros sem ocupação vagavam pelas cidades, realizando pequenos serviços. Não havia escolas para as crianças pobres. A situação só reforçou o preconceito contra os negros, bloqueando suas condições de ascensão social.

A desigualdade social baseada na cor da pele estava profundamente marcada na cultura brasileira. Segundo o historiador Boris Fausto, autor de História do Brasil, “a escravidão foi uma instituição nacional. Penetrou por toda a sociedade, condicionando o seu modo de agir e de pensar. (…) Até pelo menos a introdução em massa de trabalhadores europeus no centro-sul do Brasil, o trabalho manual foi socialmente desprezado como ‘coisa de negro’.”

Outros países

O sistema escravagista e a consequente discriminação racial decorrente dele não são exclusividade da história do Brasil, mas marcaram as Américas a partir do século 16. Nos Estados Unidos, a população de africanos escravizados era de cerca de 4 milhões em 1863, quando o presidente Abraham Lincoln assinou o Ato de Emancipação, abolindo a escravatura no país. Mas houve uma reação, na forma da guerra civil (opondo os Estados do sul, escravagistas, aos do norte, de 1861 a 1865), e, na prática, a igualdade de direitos permaneceu distante por muito tempo. Em meados dos anos 1960, em vários estados norte-americanos ainda havia leis que vetavam os casamentos inter-raciais, e os negros eram proibidos de frequentar o mesmo espaço que os brancos em restaurantes, escritórios, casas de espetáculos e no transporte público.

Em 1963, um século após o Ato de Emancipação e 15 anos depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o pastor Martin Luther King Jr. (1929-1968) liderou o movimento pela igualdade de direitos civis entre brancos e negros (veja a matéria sobre a HQ King, na aba Arte e Cultura). Em agosto daquele ano – há cinco décadas –, cerca de 300 mil pessoas realizaram a Marcha sobre Washington, reivindicando emprego e liberdade. A liderança do movimento rendeu a Martin Luther King o Prêmio Nobel da Paz em 1964, o mesmo ano em que os legisladores norte-americanos promulgaram o Ato dos Direitos Civis, que tornou ilegal qualquer tipo de discriminação contra minorias raciais, étnicas ou religiosas e contra as mulheres no país. Martin Luther King morreu assassinado quatro anos depois.

Cotas, polêmica e resultados

O modelo de cotas para ingresso de estudantes nas universidades federais brasileiras implica um sistema em que os candidatos selecionados para cada cota não concorrem com os demais no vestibular tradicional, mas apenas entre si. No momento de sua implantação, o sistema rendeu polêmica e críticas. Uma delas é que a reserva de vagas contornaria o verdadeiro problema: a baixa qualidade da Educação Fundamental e do Ensino Médio nas escolas públicas brasileiras. Ou seja, se a qualidade do ensino fosse boa, os alunos teriam plenas condições de concorrer. Outra crítica é que as cotas aumentariam o número de alunos mal preparados no Ensino Superior, e resultariam em uma queda no rendimento universitário e na qualidade do ensino.

Passados alguns anos, não é isso o que os estudos mostram. Segundo um levantamento feito em 59 instituições de Ensino Superior pelo Ministério da Educação (MEC), em 2009, os cotistas até começavam com desempenho abaixo dos demais estudantes. Mas, no decorrer dos cursos, o rendimento tornava-se igual ou até melhor que o dos não cotistas; além disso, os alunos cotistas registravam uma taxa de evasão menor.

Incontestavelmente, a Lei de Cotas mudou o perfil dos estudantes nas universidades e institutos federais. De 2013 a 2019, aumentou em 205% o contingente de estudantes provenientes de escolas públicas, pretos, pardos, indígenas e de baixa renda. Antes da Lei de Cotas, em 2010, apenas 6% dos alunos ingressaram na universidade por alguma política de reserva de vagas. Em 2019, este percentual subiu para 35% (veja o gráfico abaixo). Atualmente, mais de um terço dos alunos em universidades federais ingressaram por meio de cotas.

CRESCIMENTO DAS COTAS NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS 

Esse sucesso não apaga a existência de problemas a serem corrigidos no uso das cotas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou irregularidades na aplicação do sistema em concursos para docentes em universidades federais, por falta de regulamentação para a reserva de vagas a candidatos negros. O levantamento identificou que, dos 2.391 editais analisados entre 2014 e 2017, apenas 374 vagas foram reservadas a candidatos negros para o cargo de docente. O número representa apenas 3,18% das vagas. Porém, a Lei nº 12.990/14 estabelece percentual mínimo de 20% das vagas destinadas aos candidatos autodeclarados negros.

Já no Poder Executivo federal, é reduzida a presença de negros. De acordo com o IBGE, 68% dos servidores são brancos, e apenas 32,3% negros e pardos. Novos concursos públicos devem reduzir esta discrepância.

Pouco mais de meio século após serem concebidos, sistemas de cotas atualmente são comuns em diversos países como forma de corrigir heranças de exclusão do passado. Fazem parte, por exemplo, das ações afirmativas adotadas nos Estados Unidos, onde a primeira proposta de iniciativas desse tipo foi feita em 1961, pelo presidente John F. Kennedy (1917-1963).

Com peso internacional, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, da ONU (Organização das Nações Unidas), foi promulgada como lei no Brasil em 1969. Ela estabelece que programas de ações afirmativas – especialmente nas áreas de educação e trabalho – devem ser implementados pelo governo dos países que ratificaram o documento. Houve uma demora de várias décadas, mas a implantação gradativa de cotas nas últimas duas décadas muda aos poucos o cenário, ampliando a diversidade de cor e raça nos espaços de educação e trabalho na sociedade brasileira.

 

Para ir além

O filme Jornada pela Liberdade (Amazing Grace, 2006), de Michael Apted, mostra o embate político e econômico dentro do Parlamento britânico para aprovar o fim do tráfico negreiro, no século 18.

 

UMA HISTÓRIA DE LUTA POR IGUALDADE RACIAL

Datas de referência sobre a escravidão no Brasil e os avanços em relação à igualdade de direitos no país e no cenário mundial

1538

Primeiro registro do tráfico de africanos escravizados no Brasil, por Jorge Lopes Bixorda, arrendatário de pau-brasil, para a Bahia.

1597

A formação do Quilombo dos Palmares é reportada em uma carta do padre Pero Lopes, jesuíta sediado em Pernambuco. Neste momento, o quilombo poderia já ter cerca de duas décadas de existência.

1695

Após resistir a ataques por anos, o Quilombo dos Palmares é destruído, e seu líder, Zumbi, morto. O quilombo teve mais de um século de existência.

4/9/1850

Promulgação da Lei Eusébio de Queirós, pondo fim oficial ao tráfico negreiro para o Brasil.

28/11/1871

Promulgação da Lei Rio Branco, ou Lei do Ventre Livre, que estabelece a liberdade para os filhos de escravas nascidos depois dessa data.

1872

Recenseamento Geral do Império, primeiro Censo demográfico no Brasil (veja a matéria sobre o Censo).

13/5/1888

Assinatura da Lei nº 3.353 (Lei Áurea), pela princesa Isabel, declarando extinta a escravidão no Brasil.

2/5/1948

A Organização dos Estados Americanos (OEA) adota a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que reafirma a igualdade de todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou credo.

7/3/1951

A Lei Afonso Arinos define a discriminação racial como infração penal e institui pena de prisão ou multa de acordo com a modalidade de preconceito.

21/12/1961

Na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, a ONU adota um tratado amplo sobre os direitos das minorias étnicas e raciais.

20/12/1985

O Brasil atualiza a Lei Afonso Arinos com a Lei nº 7.437/85, conhecida como Lei Caó, que inclui os preconceitos de sexo e de estado civil no rol das contravenções.

10/5/1988

A Constituição de 1988 proíbe a discriminação de sexo, idade, estado civil, convicções filosóficas ou políticas, tipo de trabalho, deficiência física ou mental, religião e raça ou cor.

18/12/1992

A ONU adota a Declaração dos Direitos de Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais, Étnicas, Religiosas e Linguísticas.

31/8/2001

A ONU realiza a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância. O Brasil assina a declaração e o plano de ação que recomenda a criação de ações afirmativas que favoreçam vítimas de discriminação racial. Em 2002, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) torna-se a primeira escola pública a adotar cotas de ingresso em seu vestibular.

21/3/2003

Criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, instituída pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com o objetivo de promover a igualdade e a proteção de grupos raciais e étnicos afetados por discriminação e demais formas de intolerância, com ênfase na população negra.

7/6/2005

A OEA aprova a Resolução 2126, de Prevenção ao Racismo e a Toda Forma de Discriminação e Intolerância.

8/6/2010

A OEA declara 2010 o Ano Internacional dos Afrodescendentes e reafirma o seu direito a participar da vida pública, econômica, social e cultural dos países das Américas.

20/7/2010

O Brasil aprova o Estatuto da Igualdade Racial, que define como dever do Estado garantir a igualdade de oportunidades, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional.

10/11/2011

É instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, comemorado anualmente em 20 de novembro, considerada a data da morte do líder negro Zumbi dos Palmares, símbolo da luta e da resistência dos negros ao regime escravocrata e ao racismo.

26/4/2012

Em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) configura por unanimidade a constitucionalidade das ações afirmativas raciais.

13/7/2013

Criação do Black Lives Matter, movimento ativista estadunidense que denuncia a violência e o racismo policial contra pessoas negras. O movimento fica conhecido e se internacionaliza após a morte de Eric Garner, em 2014, e de George Floyd, em 2020, ambos assassinados pela violência policial.

19/11/2021

O advogado e jornalista negro Luiz Gama (1830-1882) recebe título de Doutor Honoris Causa da USP. Gama é o 121º homenageado e primeiro brasileiro negro a receber o título concedido pela universidade.

1º/1/2023

Criação do Ministério da Igualdade Racial, cuja atribuição é elaborar políticas e diretrizes destinadas à promoção da igualdade racial e étnica; políticas de ações afirmativas e combate e superação do racismo; políticas para quilombolas, povos e comunidades tradicionais. Assume a pasta a ministra Anielle Franco, mulher negra.

3/1/2023

Toma posse, no Ministério dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, jurista e intelectual negro com grande contribuição para a luta antirracista.

5/1/2023

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sanciona a inclusão do nome de Antonieta de Barros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Antonieta foi a primeira mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil, de deputada estadual em Santa Catarina, em 1935.

4/7/2023

O Senado Federal aprova a posse de Ailton de Aquino Santos, primeiro negro a assumir posse como diretor do Banco Central.

8/8/2023

O Tribunal Superior Eleitoral empossa Edilene Lobo, a primeira mulher negra a assumir uma cadeira no tribunal.

9/8/2023

A Câmara dos Deputados aprova o projeto de lei com a revisão da Lei de Cotas, que garante a reserva de vagas nas universidades e institutos federais para estudantes negros, pardos, indígenas, com deficiência e de baixa renda da escola pública.

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