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Desafios da educação no Brasil

Um balanço da Educação Básica no Brasil mostra que ainda temos muito a caminhar para um ensino de qualidade

por Thereza Venturoli

O Ensino Médio brasileiro chegou a 2023 abalado por um impasse imposto por uma reforma educacional que, mal iniciada, levanta polêmica e está travada. Estabelecida em lei de 2018, a reforma para o chamado Novo Ensino Médio define um modelo pedagógico inédito, que altera currículos, cargas horárias e o foco desse ciclo de ensino.

A reforma começou a vigorar em 2022, nas turmas do 1º ano do Ensino Médio. Mas, em 2023, diante de críticas generalizadas da comunidade acadêmica, de instituições de ensino, organizações da sociedade civil e movimentos estudantis, o recém-empossado governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT) suspendeu seu cronograma de implantação e abriu uma consulta pública para avaliação e eventuais ajustes nas diretrizes.

No momento de conclusão desta matéria (primeira semana de setembro de 2023), ainda não havia sido definida qualquer alteração na reforma. Enquanto isso, cerca de 8 milhões de estudantes do Ensino Médio ficam a meio caminho entre a antiga e a nova estrutura curricular e seguem em rumo incerto. Elaborar um roteiro que melhore a qualidade desse ciclo de ensino é fundamental para a formação de cidadãos e de profissionais capazes de atuar num mundo de economia globalizada e trabalho cada vez mais automatizado. Mas este é apenas um dos desafios da educação no Brasil, que não depende só de currículos atualizados, mas também de um aumento nos investimentos, de formação e valorização salarial da carreira dos professores e da redução das desigualdades por região e classe social.

 

A polêmica

Pela reforma aprovada, o Ensino Médio deixaria de ser uma preparação para o Ensino Superior e se voltaria, na teoria, para as “demandas da vida em sociedade” no século 21. As mudanças têm como fundamento a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define as aprendizagens essenciais ao longo de todas as etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio). A ideia seria promover uma “formação integral” que associe conteúdos, valores éticos e ações de cidadania.

Do ponto de vista prático, os defensores do novo modelo de Ensino Médio esperam que ele aumente o interesse do aluno pelos estudos e o mantenha na escola ao menos até a conclusão deste ciclo. O Ensino Médio é a etapa de educação que apresenta a maior taxa de abandono escolar – 57% do total de 1,1 milhão de crianças e adolescentes que estão fora da escola. E a falta de adequação dos estudos à “vida como ela é” é apontada como uma das principais causas do alto número de jovens de 15 e 17 anos que abandonam a escola. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do total de cerca de 630 mil adolescentes que não frequentavam a escola em 2019, a maior parte, 38%, declarava falta de interesse em estudar.

A principal mudança trazida pela reforma é a flexibilização da grade curricular. O estudante continua com aulas das disciplinas básicas obrigatórias, que já integram o currículo tradicional, como Língua Portuguesa, Matemática, Biologia, História, Educação Física e Artes, mas apenas duas delas são obrigatórias nos três anos, Matemática e Língua Portuguesa.

Além disso, o aluno deve definir, conforme sua vontade, uma disciplina extra para aprofundar conhecimentos em um dos quatro campos – Matemática, Ciências da Natureza (Biologia, Química e Física), Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (História, Geografia, Sociologia e Filosofia) ou Linguagens (Arte, Educação Física, Línguas Portuguesa e Inglesa).

Essas disciplinas optativas devem ser cursadas nos chamados itinerários formativos, cuja proposta seria associar a matéria prevista no currículo a situações do dia a dia e a diferentes áreas profissionais. Aqui vai a primeira crítica à reforma: segundo secretarias de educação de vários estados, essa maneira de aprender aumenta a desigualdade entre alunos. Escolas menores e de regiões mais pobres têm menos infraestrutura e menos professores capazes de conduzir o aprendizado em itinerários. Também se questiona como esses itinerários serão definidos e monitorados. Para alguns críticos, na prática, a reforma reduz a carga de ensino formal, sobretudo nas regiões mais pobres.

Formalmente, a reforma propõe o aumento da carga horária, de 2,4 mil para 3 mil horas ao ano. No entanto, os críticos rebatem: para encaixar as disciplinas optativas, o número de horas-aula das obrigatórias foi reduzido das antigas 2,4 mil para 1,8 mil ao ano. Além de comprometer a formação básica, isso interfere na elaboração das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o mais importante instrumento para a avaliação e o monitoramento da qualidade do Ensino Médio e para o ingresso em universidades brasileiras. O debate sobre esse assunto está em curso e sua evolução pode ser acompanhada pelo noticiário.

 

Avaliação nacional

O Ensino Médio brasileiro vem oscilando nas últimas décadas, com alguma melhora pontual. É o que demonstra o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que define metas e acompanha a evolução da Educação Básica. O Ideb analisa todos os ciclos da Educação Básica, levando em conta as notas em provas padronizadas de Língua Portuguesa e Matemática, obtidas por alunos das redes pública e privada. É considerada também a taxa de aprovação apurada pelo Censo Escolar. Além do Ideb total para o Brasil, existem medições e metas específicas para cada rede, pública ou privada, para cada estado e cada município. O objetivo único era atingir média nacional de 6 pontos até 2022, valor correspondente ao nível educacional dos países desenvolvidos.

A última avaliação do Ideb foi realizada em 2021. Mas o Ministério da Educação (MEC) considera que, devido à pandemia, estes resultados recentes não devem ser comparados com os de anos anteriores (veja matéria abaixo). A fim de manter a consistência na análise, vamos trabalhar com dados do período de 2007 (primeiro ano com meta do Ideb) a 2019.

Entre 2007 e 2011, o Ideb total para o Ensino Médio se manteve acima da meta fixada para o período. Mas, a partir de 2013, esse bom desempenho não se repetiu: em 2019, o Ideb para esse ciclo ficou quase um ponto abaixo da meta de 5 pontos. Apenas as redes de Goiás alcançaram o esperado para aquele ano. Considerando somente as escolas estaduais, que reúnem 84% dos estudantes do Ensino Médio no país, só Pernambuco e Goiás cumpriram a meta específica para a rede pública. As escolas privadas, que têm metas superiores ao Ideb total, também ficaram devendo, com desempenho 0,8 ponto abaixo do esperado (6,8) em 2019.

Para os anos iniciais do Ensino Fundamental (crianças de 6 a 10 anos, matriculadas do 1º ao 5º ano), o Ideb total (redes pública e privada) subiu de 4,2 pontos em 2007 para 5,9 em 2019, mantendo-se acima da meta estipulada para cada um desses anos. Mas há grandes desigualdades regionais e entre as redes. Em 2019, apenas 13% das redes municipais do Amapá obtiveram Ideb acima da meta. Em São Paulo, essa proporção ficou em 66% e no Ceará, em 99%. Os anos iniciais do Ensino Fundamental, frequentados por crianças de 6 a 10 anos, são especialmente importantes, entre outras razões, por incluírem o período de alfabetização.

Já para os anos finais do Ensino Fundamental (crianças de 11 a 14 anos, do 6º ao 9º ano), os resultados ficam abaixo do esperado desde 2013. Apenas sete estados alcançaram as metas definidas para 2019. Dos 5,3 mil municípios brasileiros que tinham metas definidas para as escolas públicas, apenas 23% cumpriram o pretendido para esse ciclo de ensino. E aparecem novamente as discrepâncias. Em Roraima e no Amapá, nenhum município chegou lá. Em São Paulo, essa proporção foi de 13%, e no Ceará, de 84%.

Desafios da educação no Brasil

Nós e o mundo

Avaliações internacionais apontam para um Brasil em grande dívida com a educação. Um desses termômetros da qualidade do ensino são as provas do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizadas com estudantes de 15 anos de 78 países para avaliar o domínio de conhecimentos básicos para a faixa etária. Segundo a última edição, de 2018, 43% dos alunos brasileiros não atingiram o mínimo esperado nas três áreas avaliadas – matemática, ciências e leitura. E apenas 2% alcançaram os níveis mais altos de proficiência em pelo menos uma das três áreas. Na média, apenas 13% dos estudantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ficaram abaixo do mínimo, e 16% deles alcançaram os patamares mais altos.

Segundo o relatório final do Pisa, as desigualdades socioeconômicas pesam no desempenho dos estudantes brasileiros. Aqueles em situação de maior vulnerabilidade, em 2018, obtiveram nas provas de leitura 97 pontos a menos do que que os mais favorecidos (a referência de excelência são 500 pontos). Entre os mais pobres, 10% afirmaram que não acreditavam poder completar um curso superior, contra 4% com a mesma ideia entre os mais favorecidos.  

A educação é fundamental para o crescimento econômico e, portanto, para a prosperidade do país e o bem-estar da população. A Fundação Getúlio Vargas analisou e comparou diversos estudos e avaliações internacionais e concluiu que, se os estudantes brasileiros aumentassem a nota no Pisa em cerca de 50 pontos, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceria um ponto percentual. Além de aumentar a riqueza, uma educação de qualidade afeta diretamente a vida do cidadão, ampliando a renda per capita, reduzindo as taxas de violência e promovendo as condições de saúde.

O Centro Mundial de Competitividade (IMD) compara as condições que tornam uma economia competitiva e próspera, analisando o cenário social e econômico de 64 nações. Considerando fatores econômicos (como a participação no comércio internacional), a eficiência do governo (como políticas fiscais), a produtividade empresarial e mercado de trabalho e a infraestrutura básica em saúde, tecnologia, pesquisa científica e educação, o Brasil ficou em 2023 na 60ª posição do ranking. No quesito educação, estamos na última posição entre os países analisados.

Desafios da educação no Brasil

Alunos em sala de aula em escola de Ensino Fundamental em São Paulo, em junho de 2023 (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Desafios

O Brasil é terra fértil em planos para melhorar a educação. Já tivemos vários, desde a década de 1960. O último é o atual Plano Nacional de Educação (PNE), que lista metas bem específicas e mensuráveis a serem cumpridas ao longo do decênio 2014-2024, com o objetivo de aumentar o acesso à educação e elevar a escolaridade do brasileiro a padrões de países desenvolvidos. Mas, às vésperas de expirar o prazo, a maioria das metas está bem longe de ser cumprida. É verdade que a pandemia de Covid-19 freou a evolução de vários indicadores. No entanto, muitos deles jamais se aproximaram do esperado, e alguns até sofreram retrocesso. Veja um balanço de algumas dessas metas e a situação atual:

+ Para a Educação Infantil, o PNE determinava que 100% das crianças com idade entre 4 e 5 anos e 50% daquelas de até 3 anos deveriam estar matriculadas na pré-escola até 2016. Passados seis anos do vencimento do prazo, em 2022, apenas 37% das crianças de até 3 anos frequentavam creches; na faixa dos 4 a 5 anos, essa proporção era de 93%;

+ Para o Ensino Fundamental, a pretensão era matricular toda a população de 6 a 14 anos e garantir que pelo menos 95% desses alunos concluíssem essa etapa na idade recomendada (16 anos), até 2024. Em 2022, a proporção de crianças que frequentavam ou já haviam concluído os 9 anos do Ensino Fundamental era de 96%, abaixo do registrado em 2014, ano de implantação do PNE. Apenas 83% da população de 16 anos havia concluído essa etapa na idade adequada;

+ Até 2016, 85% da população com idade entre 15 e 17 anos deveria estar cursando ou já ter concluído o Ensino Médio, ciclo compatível com essa faixa etária. Em 2022, essa taxa era de cerca de 76,5%. O mesmo valor foi registrado em 2020;

+ Implantação da educação em tempo integral em pelo menos 50% das escolas públicas, de modo a atender, no mínimo, 25% de estudantes da Educação Básica. Em vez de melhorar, os dois indicadores vêm caindo desde o início do PNE. Entre 2014 e 2021, 12 mil escolas e 1 milhão de alunos deixaram de oferecer e receber educação em período integral;

Elevação da escolaridade média da população de 18 a 29 anos, alcançando, no mínimo, 12 anos de estudo até 2024, com especial atenção às populações do campo, às regiões de menor escolaridade, aos 25% mais pobres da população e aos negros. A taxa de escolaridade cresce lentamente, mas nenhuma destas metas será atingida no prazo. A população negra, por exemplo, chegou a 2022 com escolaridade quase 9 pontos percentuais abaixo da população não negra. E os 25% mais pobres estudam pouco mais de 10 anos;

+ Subir, até 2024, o número de matrículas na Educação Superior para 33% da população de 18 a 24 anos (idade compatível com essa etapa). Em 2022, pouco mais de 25% dessa faixa da população cursava ou já tinha concluído uma graduação;

+ Ampliação do investimento público nas redes públicas de ensino para, no mínimo, 10% do PIB, em 2024. Desde 2015, os gastos da União, de estados e municípios com educação não superam os 5% do PIB. O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), por exemplo, destinado a estudantes do Ensino Superior, teve uma redução, em valores absolutos, de 61% entre 2015 e 2020.

O PNE impõe, ainda, desafios na formação dos 2,3 milhões de professores que atuam em mais de 178 mil escolas de Educação Básica. Segundo o Censo Escolar de 2022, é grande a proporção de professores que não têm formação superior específica. Nos anos finais do Ensino Fundamental, por exemplo, mais de 40% professores de língua estrangeira têm diploma universitário em área diferente daquela em que atuam em sala de aula; 7,5% sequer têm alguma graduação. No Ensino Médio, quase metade dos professores de Sociologia têm diploma universitário em outra área; em Língua Estrangeira e Física, a proporção é de cerca de 40%. Faltam também critérios na seleção de gestores escolares. Nas redes estaduais, mais de 23% dos diretores de escola assumiram o cargo por indicação, sem prestar nenhum concurso e sem a participação da comunidade escolar; nas redes municipais, essa proporção sobe para mais de 66%.

Para avançar, segundo muitos especialistas, o essencial é ampliar o investimento público na educação, adotando políticas para ampliar o número de professores qualificados e melhor remunerados, de modo que se possa estender as escolas de tempo integral, atraindo o conjunto das crianças e adolescentes para um ensino forte e interessante, que abra às novas gerações as portas de um futuro melhor.

 

AS ESCOLAS NA PANDEMIA

Fechamento de instituições de ensino e isolamento social prejudicaram o aprendizado de estudantes em todos os níveis escolares

No ano passado, o MEC apresentou os resultados do Ideb 2021. Todos os ciclos registraram queda no índice em relação a 2019, e nenhum cumpriu a meta. O pior desempenho ficou com o Ensino Médio, que registrou um Ideb de 4,2 pontos contra os 5,2 objetivados para 2021. No entanto, esses resultados são atípicos devido à situação excepcional criada pelo período de isolamento e a interrupção das aulas presenciais durante a pandemia de Covid-19.

Segundo o MEC, 92% das escolas da Educação Básica adotaram o ensino remoto entre 2020 e 2021. Em 2020, 43% delas alteraram a data de término do ano letivo e 67% reorganizaram os currículos. A maior parte das redes também seguiu a estratégia proposta pelo Conselho Nacional de Educação de não reter os alunos, o que elevou significativamente a taxa de aprovação. No Ensino Fundamental, a porcentagem de aprovados subiu de 92% em 2019 para 98,5%, aproximadamente, em 2020. No Ensino Médio de rede pública, esse percentual passou de cerca de 85% para mais de 94% entre os dois anos. A taxa de aprovação é um dos componentes para o cálculo do Ideb.

Os dados de 2021 sofreram então distorções e, portanto, o Ideb de 2021 provavelmente não traça um retrato fiel da educação no país. No entanto, o recuo no aprendizado, medido pelas notas obtidas nas provas no Saeb, é real e compromete as metas daqui para frente. Quem sofreu o maior impacto foram as crianças em fase de alfabetização. A porcentagem de estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental que não sabia ler e escrever palavras simples mais do que dobrou entre 2019 e 2021. E a proporção das que ainda não tinham aprendido a somar e a subtrair subiu de 16% para 22%.

Pelos resultados de 2021, o nível de aprendizado em Língua Portuguesa entre alunos do 5º ano do Ensino Fundamental retornou ao patamar de 2015. O mesmo aconteceu com o desempenho em Matemática entre os alunos do 9º ano. E no Ensino Médio, os estudantes não sabiam identificar a finalidade e a informação principal de uma notícia.

A pandemia também deixou ainda mais explícitas as desigualdades socioeconômicas. Na média, as escolas públicas e privadas suspenderam as atividades presenciais por 287 dias em 2020. Pouco mais de 53% das escolas públicas conseguiram manter o calendário original; entre as privadas, essa proporção foi de 70%. Mais de 2,6 mil escolas da rede pública não adotaram estratégias de ensino remoto pela falta de infraestrutura escolar ou no domicílio dos estudantes (por exemplo, existência de computador e internet). Dos estabelecimentos que não adotaram aulas on line, quase 90% estão no Norte e Nordeste.

Estas são desigualdades históricas. Segundo o Censo Escolar de 2022, pouco menos de 13% das escolas da Educação Básica brasileiras não têm acesso à internet. Em São Paulo, essa proporção é de 2%, enquanto no Maranhão supera os 36%, e no Acre, 57%. Pior: 1,7% dos estabelecimentos de ensino brasileiros não têm sequer acesso a energia elétrica. De novo, a desigualdade: em São Paulo, o problema afeta 0,7% das escolas. Mas em Roraima, 21%, e, no Acre, 35% aproximadamente.

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