Internacional: Rússia A potência intervém na Guerra da Síria e volta a se contrapor militarmente ao Ocidente
A volta de Moscou à arena geopolítica
Ao intervir diretamente na guerra da Síria, a Rússia pretende assegurar seus interesses no Oriente Médio e mostrar que ainda exerce papel fundamental nas crises mundiais.
A Rússia nunca negou sua proximidade com o regime do ditador sírio Bashar al-Assad, que há cinco anos tenta se manter no poder às custas de uma brutal guerra civil. No entanto, Moscou evitava realizar uma intervenção militar direta no conflito para defender seu aliado histórico. Essa estratégia começou a mudar em setembro de 2015, quando as forças russas iniciaram uma série de ataques aéreos em defesa de Assad. Entre os alvos estavam bases do grupo extremista Estado Islâmico (EI), mas não só. Os caças russos também atingiram outros grupos anti-Assad que são apoiados pelos Estados Unidos (EUA) e pelo Ocidente, o que gerou críticas por parte dos norte-americanos.
A intervenção da Rússia torna ainda mais complexo o equilíbrio de forças no conflito e pode mudar a disputa em favor do regime sírio. O presidente russo Vladimir Putin defende os ataques sob a justificativa de que o fortalecimento de Assad é a única forma de derrotar o EI. Já o Ocidente patina na definição de uma estratégia: quer derrubar o ditador sírio, mas a prioridade passou a ser o combate à organização extremista. Desde 2014, os Estados Unidos lideram uma coalizão de mais de 40 países e vêm realizando bombardeios às bases do EI, mas os resultados têm sido limitados.
O envolvimento das forças russas na guerra da Síria é mais uma aposta ousada de Putin para assegurar seus interesses estratégicos e posicionar o país novamente no centro do tabuleiro geopolítico. Em 2014, a Rússia já havia desafiado o Ocidente ao interferir na tentativa da União Europeia de atrair a Ucrânia para sua zona de influência – o resultado foi a anexação da Crimeia por Moscou e a desestabilização do leste ucraniano. Agora, a Rússia mostra que pode preencher o vácuo deixado pela inação ocidental e apresentar-se como um ator decisivo para a resolução da crise na Síria.
O pós-Guerra Fria
A retomada do protagonismo internacional é um objetivo que a Rússia vem buscando desde a queda do comunismo e o desmembramento da União Soviética (URSS), em 1991. Sem o status de super potência, o país deu início a um engajamento com o Ocidente e se integrou à nova ordem mundial, a globalização. Foi aceita em diversas instituições, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o G-7 (grupo que reunia os sete países ocidentais mais ricos do mundo), que se tornou G-8. Nesse processo, a Rússia atraiu investimentos estrangeiros e estreitou laços comerciais com a UE.
Porém, a transição para o capitalismo foi conturbada. Imersa em um caos político e econômico durante os anos 1990, a Rússia assistiu passivamente à expansão da Otan, a aliança militar ocidental, e da União Europeia (UE) rumo ao leste europeu. Dessa forma, países como Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, Hungria e República Tcheca, que tradicionalmente gravitavam sob a órbita de influência de Moscou, se alinharam com o Ocidente.
Desde que assumiu a presidência da Rússia pela primeira vez, em 2000, Putin iniciou uma ação para tentar restaurar a força internacional do país. Sua estratégia econômica passou a privilegiar a exportação de recursos naturais – o país é um dos grandes produtores mundiais de petróleo e gás. Para isso, o governo recuperou o controle de empresas estratégicas que haviam sido privatizadas na gestão anterior. Como vários países do leste europeu dependem do gás russo, Putin passou a utilizar os recursos como fonte de pressão econômica e política – cortando o fornecimento ou oferecendo descontos, dependendo do grau de alinhamento com Moscou.
Na crise da Ucrânia, Putin bateu de frente com o Ocidente e criticou o expansionismo da Otan.
A crise na Ucrânia
A perda da influência sobre as antigas repúblicas do período soviético sempre causou ressentimento entre a elite política russa. Por isso, quando a Ucrânia passou a negociar um acordo comercial com a UE no final de 2013, Putin achou que os europeus haviam ido longe demais. afinal, a Ucrânia é um país estratégico para a geopolítica russa, considerado chave para a sua segurança nacional. O alinhamento da Ucrânia com os europeus poderia facilitar o ingresso do país na Otan e a consequente instalação de bases em seu território. A ideia de ver as forças militares ocidentais em sua fronteira sudoeste é algo inconcebível para Putin.
Logo, quando o presidente ucraniano Viktor Yanukovich estava prestes a assinar um acordo de associação comercial com a UE, Putin atravessou o negócio e ofereceu uma ajuda de 15 bilhões de dólares mais a promessa de um acordo econômico com a Rússia. Yanukovich aceitou a oferta e virou as costas para a UE. Mas a decisão provocou uma onda de revoltas que culminou com a renúncia do presidente em fevereiro de 2014.
Diante da ameaça de perder um governo aliado e ver aumentar as perspectivas de a Ucrânia se alinhar com os europeus, Putin agiu rapidamente. Uma rebelião na península da Crimeia – uma república autônoma da Ucrânia, mas de população majoritariamente russa – terminou com a declaração de independência e sua anexação à Rússia. A Crimeia também é estratégica por abrigar uma importante base naval russa em Sebastopol, o que garante a Moscou acesso ao Mar Negro. Logo na sequência, irromperam revoltas separatistas em importantes províncias do leste ucraniano, como Donetsk e Lugansk, onde também vive um grande contingente de russos.
Europeus e norte-americanos acusaram a Rússia de violar a integridade territorial da Ucrânia e desrespeitar o direito internacional. Em represália, as potências ocidentais expulsaram a Rússia do G-8 e aplicaram sanções contra o sistema financeiro, as indústrias de defesa e de tecnologia e o estratégico setor de energia. Nos meses seguintes, as medidas começaram a afetar gravemente a economia russa. Além das sanções, o país também foi prejudicado pela desvalorização acentuada das commodities de energia que exporta, e que são a sua principal fonte de receita (veja mais na pág. 108). Em 2015, o país mergulhou na recessão.
A intervenção na Síria
Desde o início do conflito, a Rússia, como membro permanente do Conselho de segurança da ONU, vem usando seu poder de veto para impedir a adoção de resoluções contra a Síria. Para Putin, a defesa de Assad significa a manutenção de uma longa aliança com a Síria, que vem desde o período soviético. A Rússia é uma antiga fornecedora de armamentos e inteligência militar para os sírios.
Essa parceria rende a Moscou o controle da base naval de Tartus no litoral da Síria. O porto é o principal acesso da Rússia ao Mediterrâneo e representa o ponto mais estratégico da Rússia no Oriente Médio.
Agora, isolada internacionalmente e mergulhada em uma séria crise econômica, a Rússia decidiu intervir diretamente no conflito da Síria para tentar alterar o jogo a seu favor. Para muitos analistas, o objetivo é embaralhar a crise para tentar extrair vantagens geopolíticas. Devido à falta de iniciativa das potências ocidentais, a Rússia quer se posicionar como um ator capaz de interferir nos rumos do Oriente Médio – e, portanto, aumentar seu peso na comunidade internacional.
A ação do país também coincide com o momento em que a Europa mostra-se mais vulnerável diante das consequências do conflito – mais notadamente devido ao avanço do terrorismo do EI para as cidades europeias e ao incessante êxodo de refugiados em direção ao continente. Apesar de atingir alvos do EI, o foco da operação russa na Síria é claramente proteger Assad, tanto que os principais afetados pelos bombardeios são outros grupos rebeldes, que, inclusive, recebem apoio militar das potências ocidentais.
Ao insistir que o fortalecimento de Assad é a única forma de derrotar o EI, Putin trabalha em uma engenharia diplomática bastante complicada: sua estratégia é chegar a um alinhamento das potências mundiais com o regime de Assad para vencer os fundamentalistas. Posteriormente, uma negociação política para a solução da crise síria se tornaria mais viável. Nesse aspecto, algumas declarações da diplomacia russa sinalizam até que a prioridade não é manter Assad no poder, desde que ele seja substituído por forças políticas que garantam a influência russa na região.
Por ora, o discurso da diplomacia russa ainda não encontrou eco entre as lideranças ocidentais. Mas é com essa cartada que Putin pretende resgatar o prestígio internacional da Rússia e conservar seus interesses geopolíticos no Oriente Médio. Um alinhamento desse tipo também tornaria mais viável uma reaproximação com o Ocidente, necessária para a suspensão das sanções econômicas e um entendimento sobre a crise na Ucrânia. Ainda que sua estratégia para resolver a crise na Síria envolva um intrincado conflito de interesses, Putin ao menos já conseguiu elevar a estatura política nesta crise: uma saída negociada para o conflito na Síria agora parece pouco provável sem o consentimento e a participação ativa da Rússia.
ACORDO O presidente russo Vladimir Putin (à dir.) recebe Bashar al-Assad, presidente da Síria, no Kremlin, em Moscou, em 2015.
FIQUE DE OLHO A Rússia realizará eleições parlamentares no dia 18 de setembro. Além de definir os membros da Duma federal, o pleito será um teste de fogo para o atual primeiro ministro, Dmitri Medvedev, aliado de Putin, que tentará reeleição.
Saiu na Imprensa
PUTIN APROVA USO DA FORÇA PARA DEFESA DE INTERESSE NACIONAL
da EFE
O presidente russo, Vladimir Putin, aprovou nesta quinta-feira uma nova estratégia de segurança nacional até 2020 que permite, caso a diplomacia não surta efeito, o uso da força para a defesa dos interesses nacionais, embora estenda a mão aos EUA para garantir a estabilidade internacional. (…) A principal ameaça para a segurança nacional continua sendo a Otan, e a Rússia insiste em apontar como “inaceitável” a expansão da Aliança Atlântica para suas fronteiras e o desdobramento de um escudo antimísseis. Além disso, o texto acusa o Ocidente de preparar as condições para a aparição de organizações terroristas como o Estado Islâmico com sua política de derrubar governos legítimos, o que causa instabilidade e é origem de conflitos, especialmente no Oriente Médio e o norte da África. (…).
Exame.com, 31/12/2015
DESACORDO O presidente russo Vladimir Putin e o presidente dos EUA, Barack Obama, em Nova York, em setembro de 2015
RESUMO
UNIÃO EUROPEIA E OTAN Após o final a Guerra Fria, a União Europeia (UE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar ocidental, expandem-se rumo ao Leste Europeu. O objetivo é atrair os países que faziam parte da União Soviética (URSS) e de sua zona de influência. Essa estratégia preocupa o governo da Rússia, que vê esse processo como uma ofensiva que ameaça suas fronteiras e a hegemonia regional.
VLADIMIR PUTIN O atual presidente da Rússia assumiu o comando do país pela primeira vez em 2000 com o objetivo de recuperar a economia e restaurar o prestígio internacional do país. Para isso, retomou o controle de empresas estratégicas do setor de petróleo e gás e tenta reagrupar as antigas repúblicas soviéticas para sua esfera de influência. A Ucrânia é um desses países considerados estratégicos para a segurança e a economia russa.
CRISE NA UCRÂNIA A tentativa da UE de atrair a Ucrânia para sua zona de influência esbarrou na objeção da Rússia. Em 2014, após as revoltas que destituíram o presidente ucraniano, a Ucrânia entrou em grave crise. O país perdeu a Crimeia, que foi anexada pela Rússia, e viu o surgimento de movimentos separatistas em importantes cidades do leste, que contam com o apoio de Moscou.
CRISE ECONÔMICA A UE e os EUA impuseram sanções econômicas à Rússia, em represália à intervenção na Ucrânia. Essas medidas se somam à queda nos preços mundiais do petróleo e do gás natural, dois dos principais produtos de exportação da Rússia, o que tem provocado uma grave crise econômica no país.
GUERRA NA SÍRIA A Rússia mantém uma base naval em Tartus, no litoral da Síria, e é um antigo aliado do ditador Bashar al-Assad. Em 2015, Moscou decidiu intervir no conflito da Síria, bombardeando bases do Estado Islâmico (EI) e de grupos rebeldes. Essa ação visa a preservar os interesses russos no Oriente Médio e elevar o status político do país.