Quando Lygia Fagundes Telles lançou As Meninas em 1973, seu nome se inscrevia entre os mais expressivos da prosa brasileira lançados nas décadas de 1940 e 1950. Até então mais dedicada aos contos, Lygia atingia no terceiro romance um alto nível técnico.
No livro, três narradoras se alternam, produzindo a polifonia de vozes: Lorena, Lião e Ana Clara. São estudantes universitárias que moram em uma pensão. Lorena, aluna de direito e de família de classe média, sonha ter um romance com um homem mais velho e casado, sempre insegura e desiludida com a vida sentimental. Lião estuda sociologia e, politicamente engajada, tem ligações com organizações de esquerda. Ana Clara faz psicologia, mas abandona a faculdade: tem problemas com a família e envolve-se com drogas. A obra explora o universo dessas jovens durante uma greve estudantil.
Sobre As Meninas, Lygia disse certa vez ao jornal O Globo: “Quis dar meu depoimento sobre a ditadura militar. Cada uma das meninas era testemunha da situação a partir de um ponto de vista: a drogada, a guerrilheira e a burguesinha. Mas as personalidades iam se misturando. É o inesperado da natureza humana. Me deu muito trabalho”. De fato, essa “mistura” se expressa nas vertiginosas alternâncias dos monólogos interiores das três personagens. O “inesperado” se dá também na interferência de outras vozes – além das meninas – que compõem a narrativa.
Trata-se de uma leitura que exige atenção e fôlego, já que nem sempre é possível identificar o narrador, que pode simplesmente mudar no meio de um parágrafo. Lygia lograva atar vários conteúdos com esse encadeamento: as relações afetivas e familiares da juventude com que tomava contato; as tensões políticas daquele tempo; a análise psicológica fina.
“Jogo de espelhos”, como já assinalou a crítica, o romance desdobra-se continuamente em três visões de um mesmo tempo e lugar. Lygia construiu magistralmente estilos e ritmos de narração para cada personagem. Como a de Lorena e seu homem idealizado: “Fiquei olhando o pêssego maduro que ele rodava e apalpava com os dedos […]. Tinha traços duros e a barba por fazer acentuava seus vincos como riscos de carvão, mas toda a dureza se diluía quando cheirava o pêssego. Fiquei fascinada”. A de Ana Clara e suas aflições: “Por que nunca posso dormir o quanto eu quero? Por que tem sempre alguém me cutucando vamos fazer um amorzinho vamos fazer um amorzinho? Mas que amorzinho que nada. Max eu te amo”. Ou os planos de Lião: “Vontade de recomeçar a escrever, mas quem decide se tenho ou não vocação? Lorena e Miguel não se entusiasmaram muito. Não se entusiasmaram nada. Mas não podem se enganar? Não devia ter rasgado, precipitação, histeria”.
Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo, em 1923. Formou-se em direito e atuou como advogada e procuradora do Estado. Sua primeira obra significativa foi o romance Ciranda de Pedra (1954). Em 1970, lançou o livro de contos Antes do Baile Verde. É também autora, entre outros, de Seminário dos Ratos (1977) e Invenção e Memória (2001).
Título: As Meninas
Autor: Lygia Fagundes Telles
Esse texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira”, publicado em 2009 pela revista Bravo!
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