Radioativo, a cinebiografia de Marie Curie, lançada nesta quinta-feira (15), pode até dividir a crítica. Romantizado demais? Talvez. Um pouco errático ao tentar incluir informações demais no roteiro? Pode ser. Mas uma coisa é indiscutível é a relevância de sua personagem principal. A polonesa Maria Skłodowska (Curie é o sobrenome do marido) – interpretada pela excelente Rosamund Pike – foi a primeira mulher a receber um Nobel e a primeira pessoa a receber o prêmio em áreas distintas (Física e Química).
Nesse sentido, o filme cumpre a função necessária de dar destaque a uma das mulheres mais extraordinárias da história, nem sempre reconhecidas na literatura e no cinema. E ainda traz discussões do início do século 20 que continuam muito atuais e a inspiração para continuar estudando. Serve para o vestibular, talvez. Mas serve, muito, para a vida!
A importância da ciência
Madame Curie, como era chamada, dedicou sua vida a entender as engrenagens do universo e acreditava que o conhecimento científico era uma maneira de promover o bem-estar das pessoas, como ressalta nessa palestra de 1911. Sua paixão pela descoberta e sua persistência no estudo são lições para todo cientista, e para todos que querem se aproximar da verdade.
Em sua busca, Marie e o marido descobriram dois novos elementos químicos (rádio e polônio) e um comportamento, que ela batizou de radioatividade, que mudou para sempre a percepção do que era o átomo. Nesse processo, porém, ela e Pierre Curie expuseram-se a altas doses de radiação e acabaram ficando doentes.
Mas os riscos de lidar com algo desconhecido não impediram que a filha mais velha do casal, Irène Joliot-Curie seguisse na pesquisa e, também ao lado do marido, Frédéric Joliot-Curie, ganhasse um Nobel de Química com a descoberta da radioatividade artificial.
O uso ético do conhecimento
O casal Curie sonhava com usos nobres para a própria descoberta. De fato, a radioatividade deu origem ao raio-X, que preveniu a amputação sem critério de soldados feridos na Primeira Guerra Mundial e auxilia no diagnóstico médico até hoje; e também à radioterapia, importante no tratamento do câncer. Mas a tecnologia oriunda de seus estudos também permitiu a construção da bomba atômica e usinas nucleares, com episódios trágicos como o acidente de Chernobyl, ambos mencionados no filme. Radioativo nos lembra de que a ciência é capaz de produzir conhecimento, mas cabe às pessoas decidir eticamente sobre suas aplicações.
O machismo na ciência
Não são poucas as circunstâncias em que Marie sofre por ser mulher. O filme não mostra, mas ela não conseguiu entrar numa universidade tradicional na Polônia porque não aceitavam mulheres. Já em Paris, tinha menos espaço e verba do que seus pares homens para desenvolver suas pesquisas e só foi promovida a professora na Sorbonne (a primeira mulher) quando da morte do marido.
Aliás, o marido foi o único nomeado ao primeiro prêmio Nobel e foi ele o responsável por reconhecer o crédito de Marie na pesquisa e incluir seu nome. Anos depois, mesmo aclamada pelos seus feitos, ela teve que lidar com a discriminação dentro de fora da universidade quando se envolveu com um homem casado após a morte de Pierre. O affair levou a uma campanha de difamação que quase lhe tirou o segundo Nobel – e aqui é interessante se perguntar quantos homens receberiam honrarias se o mesmo critério fosse aplicado às suas vidas privadas.
Outro ponto importante da história de Marie Curie é como ela supera esse “teto de vidro” sem abrir mão de uma parceria masculina, da maternidade e de seu jeito tido por muitos como arrogante – será que um homem com a mesma postura não seria chamado apenas de “teimoso”?
Sua confiança no próprio trabalho – xô, síndrome da impostora – parece ter sido fundamental para fazê-la superar as dificuldades e seguir em frente. E essa determinação é inspiradora para todas nós. E, só por isso eu já diria que vale ver o filme. Ver a agradecer à trajetória de tantas que nos abriram os caminhos.
Onde ver: Netflix