DJ e estudante de Medicina, ele tirou mil na redação do Enem citando BaianaSystem; leia o texto
Rafael também referenciou a ministra dos Direitos Humanos Macaé Evaristo e a deputada Duda Salabert na dissertação

Rafael Santana Assunção 27 anos, é estudante de Medicina. O jovem, de Belo Horizonte, também foi um dos 12 candidatos de todo o país que atingiram a nota mil na redação do Enem 2024. Mas não foi a partir destes feitos que ele se apresentou no início da entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE. “Sou apaixonado por futebol. Pelo Cruzeiro, pelo carnaval, pela música e cultura afro-brasileira”. A apresentação não poderia fazer mais sentido: não foram apenas horas infindáveis de prática, leitura e estudo que levaram Rafael à nota máxima no texto, mas o balaio de gostos e hobbies que cultiva há anos.
Autointitulado um “grande fã de BaianaSystem, talvez um dos maiores do Brasil”, ele citou a banda soteropolitana em sua redação, além do cantor Chico César, da ministra dos Direitos Humanos Macaé Evaristo e da deputada federal Duda Salabert – que, inclusive, foi sua professora de literatura na escola. Em 2024, o tema da redação do Enem foi ‘Desafios para valorização da cultura africana no Brasil’.
Rafael compartilhou com o GUIA que sonha em ingressar na universidade pública, o que o levou a fazer o Enem enquanto cursa Medicina em uma faculdade particular. Contou também de seu trabalho como DJ, que dialoga muito com sua redação, e sobre o gosto por política que o levou a citar uma ministra de estado e uma deputada no exame.
Leia alguns trechos da entrevista abaixo e, em seguida, a redação nota mil do estudante.
GUIA: Você já está na graduação, certo? Conte um pouco mais sobre o porquê seguiu fazendo o Enem.
Já estudo numa universidade privada, mas por influência da minha querida mãe, que por meio da universidade pública e da sua aplicação aos estudos, possibilitou uma transformação social em nossa família, eu sempre acreditei na universidade pública, principalmente na Medicina. Eu acredito que uma formação médica de excelência é aquela que não prega o dinheiro acima da vida humana. Que, pelo contrário, compreende a formação médica como um princípio de humanidade, de empatia, de preocupação social com os menos favorecidos.
GUIA: Como foi quando viu sua nota e soube que havia sido uma das poucas redações nota mil no Enem 2024?
Eu lembro de estar na rua e minha vontade era de gritar ali mesmo (risos). Embora já imaginasse que fosse tirar uma boa nota, porque eu sempre obtive boas notas em edições passadas e já estava tirando mil em redações do cursinho online, não acreditei na hora. Até fiz questão de olhar novamente, o site do Inep estava travando então foi uma dificuldade para acessar. Aí depois já fui falar com a minha namorada, que me incentivou muito nessa trajetória. É muito difícil não cometer erros a ponto de não ser penalizado na nota da redação. Ainda mais em um ano que se falou muito dessa nova rigidez.
GUIA: Você acredita que a correção do Inep foi mais severa nessa edição?
Eu acho que na verdade o Inep só aplicou com mais rigor as competências que já estão previstas nos critérios de correção da prova. Tinham vários modelos prontos com repertórios genéricos, sem contextualização com o tema, sem coesão. Então acho que a questão principal da redação de 2024 foi avaliar melhor esses repertórios. Não à toa que apenas eu e mais 11 queridos e queridas fomos agraciados com essa nota mil.
GUIA: De que forma seu trabalho como DJ influenciou e segue influenciando seus estudos?
A música é transformadora, ela é terapêutica. Costumo dizer que a música é meu antidepressivo e ansiolítico diário. Então meu trabalho como DJ, minha paixão por música, por política, foram determinantes para meu ótimo desempenho na redação, e foi por meio da utilização de repertórios da música popular brasileira como BaianaSystem e Chico César, e da política, como Macaé Evaristo e Duda Salabert, que eu consegui escrever um texto tão coeso e pertinente ao tema.
GUIA: O que te levou a escolher cada um destes repertórios?
Macaé Evaristo, cruzeirense como eu, hoje é ministra dos Direitos Humanos. Sempre foi ligada ao povo, aos movimentos populares, ao carnaval de rua e à educação brasileira. Acompanhei de perto a trajetória dela na educação pública de Belo Horizonte e sempre ouvi ela dizer sobre a importância de se ter um estudo mais aprofundado da herança afro-brasileira nas escolas. Afinal, nossa história é completamente atrelada à cultura africana, a cultura afro-brasileira nos diz respeito. O ensino mais engessado e conservador que tem nas escolas mostra uma visão da história, da literatura e da cultura de uma forma mais eurocêntrica. E isso tudo tem que mudar.
Já a Duda foi minha professora de literatura, e hoje eu tenho o maior orgulho de dizer que fui aluno dela ao ouvir seus discursos e projetos de lei no Congresso Nacional em defesa dos trabalhadores, das minorias, do meio ambiente. Suas aulas de literatura também sempre se relacionaram com a música e cultura afro-brasileira.
Por fim, sou um grande fã de BaianaSystem, talvez um dos maiores do Brasil. Eu escuto todos os dias, Chico César também, e sempre toco nos meus sets. Até brinco que escrever uma boa redação para mim é como preparar um set para tocar numa festa, você precisa escolher referências pertinentes ao tema, nada é improvisado, tudo é planejado. O DJ organiza uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, assim como quem escreve um texto dissertativo-argumentativo.
GUIA: Que dica você daria aos estudantes que farão o Enem este ano?
A principal dica que eu posso dar aos estudantes é: faça um bom projeto de texto antes de começar a escrever a redação, para você ter uma argumentação bem coesa e não sair escrevendo ao acaso. Outra dica é utilizar repertórios do seu cotidiano, da sua vida. Não vai citar filósofo dos tempos antigos, traz repertório do seu dia-a-dia! Vamos usar repertório que tenha a ver com o Brasil e o povo brasileiro, o Enem é sobre o Brasil, afinal. E por fim, diria também para jamais desistirem de seus sonhos.

O álbum musical “Duas Cidades”, da banda brasileira BaianaSystem, aborda, em algumas de suas canções, o apagamento da influência histórica africana no Brasil. Inegavelmente, em dias atuais, é possível constatar uma relação direta entre a composição artística citada e a desvalorização da herança africana no país. Isso é explicado devido à falta de política pública de ensino e à ausência de lei específica. Logo, é essencial analisar e intervir sobre essa problemática.
A princípio, deve-se observar que o pouco fomento governamental em ações de gestão educacional é um problema a ser combatido. Sob a perspectiva de Macaé Evaristo, ministra dos Direitos Humanos, é urgente a necessidade de iniciativas para a inclusão da história e da cultura afro-brasileira nas escolas. Para entender melhor tal posicionamento, é importante compreender que o atual ensino sobre os povos africanos é apenas relatado em aulas específicas de algumas disciplinas, como história e literatura, sem se aprofundar na grande influência cultural que a África possui no Brasil. Dessa forma, de acordo com Chico César, cantor e compositor de músicas afro-brasileiras, as crianças e os adolescentes necessitam ter uma formação ampla sobre a temática, com aulas multidisciplinares, por exemplo, de música e de capoeira, bem como as tradicionais aulas já existentes, porém integradas à herança africana presente na sociedade. Nesse sentido, é substancial modificar esse contexto e desenvolver uma forte política pública de ensino.
Ademais, é imperativo pontuar que atitude insuficiente do Poder Legislativo Federal em atuar no tema é um problema a ser combatido. Sob a ótica de Duda Salabert, deputada federal e professora de literatura, é imprescindível a alteração da lei que orienta a educação básica brasileira. Isso pode ser explicado pelo entendimento de que apenas com empenho legislativo é possível transformar o mecanismo legal que define as matrizes de referência do ensino nacional. Dessa maneira, com a união de parlamentares para o reconhecimento da importância da herança africana na formação educacional, poderá ocorrer a consolidação de políticas públicas, como o investimento da capacitação de professores e de profissionais especializados em cultura afro-brasileira. Assim, o crescimento do fomento estatal no setor, garantido por aparato legal, contribuirá para a efetivação de uma forte identidade nacional. Em suma, se o Congresso Nacional se omite de enfrentar tal cenário danoso, entende-se o porquê de sua perpetuação.
Portanto, com o intuito de solucionar esses desafios, o Poder Executivo Federal, por meio do aumento de ações governamentais, deve estimular iniciativas educacionais relacionadas à herança africana, a fim de valorizar a temática. Além disso, o Poder Legislativo Federal, por intermédio da criação de um projeto de lei, necessita elaborar uma nova política nacional de ensino, com a obrigatoriedade de investimento público na área, com a definição de medidas de gestão pública capazes de instituir aulas multidisciplinares, como de música e de cultura afro-brasileira nas escolas, com o objetivo de reconhecer a importância do tema na formação da sociedade. Feito isso, o apagamento da influência africana abordado na obra da banda BaianaSystem será, enfim, combatido.
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