A estilista que usou os desfiles para denunciar a ditadura
Conheça a história de Zuzu Angel, artista uniu a moda e a luta pela memória de seu filho
Engana-se quem pensa que a moda é apenas sobre o que se veste ou deixa de vestir. Zuleika Angel Jones (1921-1976), mais conhecida como Zuzu Angel, foi uma potente estilista brasileira, que fez das suas criações uma ferramenta de resistência contra a ditadura militar (1964-1985). A “mãe coragem” tornou-se um incômodo para o regime. Em sua busca pelos restos mortais do filho guerrilheiro, Stuart Angel Jones, ela chegou a montar um desfile-protesto nos Estados Unidos.
Entretanto, o fim da vida da artista também foi atravessado pelo clima político da época. A certidão de óbito de Zuzu foi retificada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania apenas em 2025. Agora, o documento reconhece que a circunstância da morte foi violenta, causada pelo Estado brasileiro.
Conheça a seguir mais sobre Zuzu Angel, modelo de artista e inspiração na luta em prol da democracia.
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Início da carreira
Zuleika de Souza Netto nasceu na cidade mineira de Curvelo, no dia 5 de junho de 1921. Começou a costurar ainda na infância, por habilidade e costume. Já na adolescência, passou a usar sua arte para ajudar nas despesas da casa — e desenvolveu sua técnica de forma autodidata.
Alguns anos depois, a família mudou-se para a Bahia, onde a estilista adquiriu referências do sincretismo religioso e das cores da região, fundamentais para a criação de uma identidade artística com a cara do Brasil. Já em 1939, foi viver sozinha no Rio de Janeiro, em busca de independência financeira. No local, também costurou para a vizinhança.
Em uma passagem por Minas Gerais, Zuzu conheceu o norte-americano Norman Angel Jones, com quem se casou em 1943. Três anos depois, o casal partiu rumo a Salvador. É na capital do estado que nasceu Stuart, o primogênito, em 1946. Pouco tempo depois, Zuzu fez outra mudança de estado e voltou para o meio carioca, no onde nasceu seus filhos mais novos Hildegard (1949) e Ana Cristina (1966).
A carreira profissional da estilista no mundo da moda teve início apenas na década de 1950, quando começou a costurar saias para suas vizinhas em Ipanema. A qualidade do trabalho logo chamou a atenção de mais clientes, entre elas, as primeiras-damas Sarah Kubitschek e Yolanda Costa e Silva, e as celebridades Elke Maravilha, Liza Minnelli, Joan Crawford e Kim Novak.
O casal Zuzu e Norman se separou na década de 1960, mas ela continuou com o sobrenome de casada, visto que fazia parte de sua identidade artística. Na época, adotou um visual mais jovem em suas produções, com comprimentos mini, midi e máxi.
É considerada uma pioneira no movimento que deu fim à dependência da moda nacional em relação à europeia. Suas criações uniam cores vibrantes, tecidos simples e importados e elementos da cultura brasileira, como rendas nordestinas, chitas floridas, bordados feitos à mão e estampas inspiradas na fauna e flora. Os “anjos” de Zuzu também são ícones da identidade visual da estilista.
A luta do filho e da mãe
Stuart Angel Jones era um jovem engajado politicamente. Estudava Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fez parte do movimento estudantil contra a repressão militar.
O universitário também se engajou com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e posteriormente com o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), ambos grupos que usavam a luta armada como forma de resistir à ditadura.
Em 1971, aos 25 anos, Stuart foi preso por agentes do extinto Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) e levado para a Base Aérea do Galeão. Relatos de ex-presos políticos, como Sônia Maria de Moraes Angel Jones (nora de Zuzu) e Alex Polari de Alverga, indicam que o jovem foi torturado brutalmente até a morte no mesmo dia. Conta-se que o filho da artista foi amarrado com a boca no cano de descarga de um jipe ligado e obrigado a respirar gases tóxicos. Também teria sido fuzilado.
O corpo foi considerado desaparecido e nunca devolvido à família. Enquanto convivia com dúvidas sobre o paradeiro do primogênito e a dor da perda, Zuzu buscava todos os dias por respostas. Sua força foi motivo do apelido “mãe coragem”, dado pelo jornalista Zuenir Ventura. A mulher coletou depoimentos e passou a denunciar, no Brasil e no exterior, o caso que envolveu sua família.
No Dia das Mães de 1973, ela fez uma visita ao apartamento do general Ernesto Geisel, então presidente da Petrobras, e pediu ajuda para encontrar os restos mortais do filho. Dois anos depois, quando o homem chefiava o país, a artista o enviou uma carta, lembrando de seu pedido e agonia.
Moda também é resistência
A revolta da artista se refletiu nas passarelas. Uma de suas coleções apresentava manchas vermelhas, pássaros engaiolado e a violência bélica. O anjo de Zuzu passou a apresentar ferimentos e mordaças, símbolo da memória de Stuart.
Nos cinco anos seguintes ao desaparecimento, usou sua projeção no exterior como ferramenta de denúncia. O ápice de sua ousadia aconteceu em 1971, com “International Dateline Collection III”, apresentada em Nova York.
O presidente do Brasil na época era Emílio Médici e, em meio aos Anos de Chumbo do regime, era proibido falar mal do país em território estrangeiro. O desfile-protesto aconteceu na casa do cônsul brasileiro (que não sabia das críticas embutidas nas peças), com vestidos de bordados delicados, anjos chorando e palhaços. No final, Zuzu distribuiu fotos do filho às pessoas, enquanto usava um vestido de luto preto, com rendas e crucifixos.
As ações da estilista fizeram a ponte entre as críticas e a imprensa estrangeira, o que contribuiu para o desgaste da imagem internacional da ditadura militar. Ela passou a ser vista como uma mulher perigosa para o regime e, com isso, as viagens começaram a ser monitoradas. Em 1975, começaram as ameaças de morte.
O receio de que algo acontecesse fez com que Zuzu deixasse cartas como testamento. Entre as pessoas que receberam os manuscritos estavam Zuenir Ventura, o dramaturgo Paulo Pontes e o cantor Chico Buarque.
O atentado
Eram 2h15 da manhã de 14 de abril de 1976 quando a estilista entrou em seu carro, um Volkswaggen Karmann-Ghia, após a festa de uma amiga. Devido ao horário, esperava-se que Zuzu chegasse rápido à sua casa, na Tijuca. Entretanto, ao sair do Túnel Dois Irmãos, ela sofreu um grave acidente de carro, que provocou a sua morte.
Na época, a versão que chegou ao público foi de quem o Karmann-Ghia havia saído da estrada, batido na mureta do viaduto Mestre Manuel e despencado em um barranco. O médico Higino de Carvalho Hércules confirmou que o acidente teria ocorrido da forma citada e atestou que a causa do falecimento era uma “fratura do crânio com hemorragia subdural e laceração cervical”. Também se especulava que a motorista tivesse ingerido bebida alcoólica ou dormido no volante.
O funeral de Zuzu reuniu cerca de 200 pessoas — entre amigos e familiares — no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Pessoas próximas à costureira não acreditavam na suposta causa de morte, em especial os três amigos que receberam as cartas.
Apenas em 1998, quando o advogado Marcos Pires disse ter visto o carro de Zuzu sendo encurralado por outro veículo, que as investigações mudaram de rumo. Na época, o então estudante morava em um prédio próximo e recebia amigos em sua casa. Ao verem o acidente, chegaram até a descer para ajudar no que fosse necessário, mas foram barrados por policiais.
Com isso, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos fez o pedido de uma perícia do caso, que contrariou o laudo emitido em 1976. Em março de 1998, o Brasil reconheceu que a estilista foi vítima de um atentado. Uma das homenagens feitas no mesmo ano foi a mudança do nome do Túnel Dois Irmãos para Túnel Zuzu Angel.
Comissão Nacional da Verdade (CNV)
A Comissão Nacional da Verdade foi um órgão temporário criado em 2011 e encerrado em 2014, durante o governo de Dilma Roussef. O objetivo era investigar violações dos Direitos Humanos cometidas durante a ditadura militar.
Uma das informações coletadas pela iniciativa sobre o atentado contra Zuzu Angel está no depoimento de Cláudio Guerra, ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DOPS-ES). O homem identificou em uma fotografia, tirada após o acidente de carro, a presença do coronel do Exército Freddie Perdigão Pereira próximo ao Karmann-Ghia. Guerra também afirmou ter ouvido do próprio militar que ele tinha participação no assassinato.
Em 2019, Hildegard conseguiu as certidões de óbito do irmão e da mãe. Nelas, o Estado brasileiro consta como causador das mortes, no contexto de regime ditatorial. Mas somente em 2025 que os documentos foram retificados e atualizados. Vinte e uma famílias receberam as novas versões, incluindo a de Zuzu Angel.
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