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“A Relíquia” – Resumo e Análise do livro de Eça de Queirós

Entenda o enredo e os principais aspectos da obra

Por da Redação
Atualizado em 5 jul 2019, 11h30 - Publicado em 13 abr 2018, 14h08
 (Rui Campos Matos/Lucas silva/Pixabay/Guia Do Estudante/Reprodução)
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Trata-se de uma obra que associa à narrativa de viagem um olhar bem-humorado sobre a condição de adaptação humana, em seus interesses de posse e em suas ilusões sociais e afetivas, por meio de negociações íntimas, por vezes conflitivas, entre o sacrifício e a recompensa. Do mesmo modo, o autor desenvolve as reflexões do protagonista em um constante diálogo entre a verdade e a fantasia, como anuncia em uma famosa epígrafe editada junto ao título: “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”.

Romance realista de 1887 publicado na cidade do Porto, em Portugal, A RELÍQUIA chegou para o leitor brasileiro por meio de folhetins publicados na Gazeta de Notícias, periódico que circulou no Rio de Janeiro, de 1875 a 1942. Em seu formato atual está distribuído em cinco capítulos, antecedidos por um prólogo explicativo do narrador-personagem. Carrega todas as características do Realismo de um Eça de Queirós severo e sarcástico, em relação aos moldes sociais determinados por valores católicos, em seu tempo.

FOCO NARRATIVO

O romance é narrado em primeira pessoa. Teodorico Raposo, o “Raposão”, assume a empreitada da escrita com o seguinte propósito, segundo afirma no prólogo: “decidi compor, nos vagares deste verão, na minha quinta do Mosteiro […], as memórias da minha vida” […] “Esta jornada à terra do Egito e à Palestina permanecerá sempre como a glória superior da minha carreira; e bem desejaria que dela ficasse nas letras, para a posteridade, um “monumento airoso e maciço”.

TEMPO E ESPAÇO

As memórias de Teodorico Raposo se distribuem progressivamente, em um tempo psicológico que recupera os fatos de sua infância, com o pai; da adolescência, já órfão, sob os cuidados da tia; da juventude, em Lisboa, tendo passado pela faculdade de Coimbra e, depois, a empreender a longa viagem à Terra Santa, ambiente central da narrativa, onde se passa a maior parte das suas aventuras.

CONEXÕES

Ao criar um “narrador-autor” de suas memórias, um tanto cético, prepotente, orgulhoso de sua “carreira”, sem o peso do trabalho nas próprias costas, dado aos desejos mundanos e à boa vida burguesa, o leitor brasileiro logo o associará ao Brás Cubas, protagonista das “Memórias póstumas…”, obra maior do Realismo brasileiro, escrita por Machado de Assis, publicada em 1881.

ENREDO E TRAMA

A trama se desenvolve ao redor do conflito latente entre duas personalidades. A primeira, a poderosa Dona Maria do Patrocínio, também chamada D. Patrocínio das Neves, Tia Patrocínio e, com mais frequência, Titi. Excessiva na riqueza e na entrega aos ritos religiosos, chegando a ser, nas tintas de Eça de Queiroz, uma caricatura das devotas católicas das coisas da igreja. Do outro lado, seu sobrinho Teodorico Raposo, o Raposão, narrador de suas próprias aventuras, órfão logo cedo, entregue aos cuidados da tia, em Lisboa.

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Primeiro é enviado a um colégio interno e, em seguida a Coimbra para seguir seus estudos. De volta à casa de Titi, em Lisboa, conhece Adélia, de quem se torna amante. Após ser traído e abandonado por ela, tenta, em vão, convencer sua tia, de quem já havia conquistado a confiança, a enviá-lo a Paris. Para Titi a cidade francesa era ambiente de intensa devassidão. Consegue, contudo, ser seu portador de intenções religiosas em peregrinação a Jerusalém. Apesar de rejeitar o destino, aceita a viagem, imaginando as possíveis aventuras amorosas nas cidades que conheceria ao longo do itinerário.

Trava amizade com Topsius, estudioso alemão, antropólogo e historiador, no início da viagem, em Malta. Em Alexandria conhece também a inglesa Miss Mary, “comerciante de luvas e flores de cera”, de quem se fará amante durante a curta, mas intensa estadia. É uma camisa de Miss Mary, por ela entregue como lembrança dos momentos íntimos do casal, que estará em um embrulho de papel sempre junto do narrador-personagem. Será esse embrulho, na volta a Lisboa, protagonista do desmascaramento do Raposão.

Ao chegarem à Palestina, Teodorico interessa-se apenas por uma vizinha de quarto, casada. Não consegue a aproximação desejada e, com o amigo historiador, buscará entretenimento em uma casa de dançarinas. Em ambiente descrito como repugnante, com mulheres pouco atraentes e hostis, também não conseguirá aplacar seus desejos mais físicos, mesmo tendo dispendido boa quantidade de dinheiro. Seguem para Jerusalém.

Em um primeiro momento, Teodorico se vê envolto na sequência de acontecimentos ligados à Pascoa cristã. Descreve sua efetiva participação nas sagradas cenas que culminam com a morte e ressurreição de Jesus. Apesar de detalhada, o narrador acaba por revelar que sua experiência não passara de um sonho.

Teodorico confirma em Jerusalém real, bem distante de suas oníricas imaginações, a expectativa que formara em Lisboa acerca da Terra Santa. Seu desinteresse só foi quebrado por um bilhar e, um pouco antes, pela descoberta de uma suposta árvore de espinhos, de onde teria saído o galho que forjara a verdadeira coroa de espinhos de Jesus crucificado. Estava ali a relíquia encomendada por Dona Patrocínio, certificada pelo amigo Topsius como lembrança muito original e que, finalmente, faria dele um herdeiro universal. Embrulhada em uma folha de papel pardo, contudo, confundido com o embrulho da camisa de Miss Mary, do qual, aliás, precisava se livrar antes de chegar à casa da tia, foi entregue de boa-fé, a uma pedinte já quando faziam o caminho de volta. E para completar o desastre, o embrulho da amante foi entregue à tia.

Expulso de casa (e da herança!), experimenta uma fase de redenção e passa a viver da venda de relíquias que, agora, depois de perceber que constituiriam desejada e valorosa mercadoria em Lisboa, principalmente porque chegara “fresquinho de Jerusalém”, ele mesmo fabricava. O negócio, apesar de próspero, entra em declínio com o passar do tempo. A tia falece e para Teodorico deixa em testamento apenas seu “óculo”.

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Casou-se com a irmã do Cotrim, colega dos tempos do colégio interno que, afinal, o ajuda a se erguer para uma vida comum. Oferecera-lhe emprego e lhe apresentara a irmã. Torna-se pai, possui carruagem, recebe a comenda de Cristo, mas não deixará de pensar no revés provocado por não ter conseguido afirmar, àquela altura, na entrega da encomenda à tia, que a camisa pertencera a “Santa Maria Madalena”, por propícia coincidência das iniciais deixadas por Miss Mary no bilhete que acompanhava a “relíquia” das intimidades afetivas, no embrulho de papel.

ANÁLISE A PARTIR DAS PERSONAGENS

A mentira autêntica e a coroa de espinhos

Teodorico conduz uma alma jovem e vibrante, fascinado pelo amor que, oposto aos requintes das letras românticas, mostra-se carnal, instintivo, aguçado, mas estará sob os cuidados das carolas e inflexíveis regras de Dona Patrocínio. Com o desenrolar dos fios de um enredo em que lemos o olhar crítico do autor português, a denunciar as hipocrisias dos moralistas jogos de cena, lemos a astúcia de Raposão, rápido e cuidadoso a administrar seus movimentos para atender aos apelos de sua idade e, ao mesmo tempo, mostrar-se casto aos olhos de sua tutora. A esperar a morte breve da tia, todos os sacrifícios para ocultar seus verdadeiros desejos somam-se como um amoral e perverso investimento do protagonista.

Titi era o recato encarnado, Raposão, uma fera enjaulada em suas próprias interpretações de um devoto Teodorico. Titi era o olhar severo da censura aos amores e desejos da carne (que chamava de “relaxação”). Raposão era o impulso e o instinto. Titi era o sacrifício vestido de devoção. Raposão era a entrega à vida mais mundana, física e cotidiana. Ele busca a mentira autêntica, ela espera a coroa de espinhos. Reprimido, Teodorico Raposo entrega aos leitores suas estratégias, visões, conflitos de um flaneur oprimido e acanhado, como oprimida e acanhada era a própria Lisboa de Eça, quando comparada a Paris de Baudelaire.

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