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Conheça Fahrenheit 451, o livro distópico que já virou realidade

Bradbury descreve uma sociedade em que ler é proibido e bombeiros queimam livros. Pareceu assustador? Prepare-se para a realidade

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 22 set 2023, 09h23 - Publicado em 21 set 2023, 20h10
Farenheit 451
 (Canva/Biblioteca azul/Reprodução)
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Os grandes clássicos da literatura distópica como “Admirável Mundo Novo“, “1984” e “A Revolução dos Bichos” apresentaram aos leitores de sua época um mundo terrivelmente autoritário, em que direitos básicos eram suprimidos, não era permitido se expressar livremente e a vigilância e interferência do Estado na vida de cada cidadão era ferrenha e constante. Havia, é verdade, alguma inspiração na realidade, mas os eventos eram sempre exagerados, imaginativos, hiperbólicos. Não é exatamente o caso de “Fahrenheit 451“.

Escrito pelo americano Ray Bradbury e publicado pela primeira vez em formato de romance em 1953, o livro desafia o conceito de “distopia” como um gênero literário que trata de uma sociedade imaginária. Isso porque um dos maiores absurdos do enredo, que deu fama à obra, é o fato de livros serem incendiados sem o menor pudor, já que são vistos como perigosos e ameaçadores à ordem. E essa história já se repetiu aqui, no mundo real, mais vezes do que muita gente imagina. E mais: a distopia de Ray Bradbury segue real.

Conheça a história de “Fahrenheit 451” – e sua mensagem de esperança que encoraja os leitores a lutar por dias melhores.

+ Você conhece bem as grandes distopias da literatura?

A sociedade alienada de Fahrenheit

Não foi apenas narrando uma sociedade incendiária de livros que Bradbury tirou uma boa pitada de inspiração na realidade. Para completar, neste mundo imaginário onde livros eram proibidos, as pessoas gastavam seus tempos com… tecnologias! É claro que não havia Instagram e nem Netflix, mas as personagens do livro despendiam longas horas dos seus dias penduradas em telefones e em frente à televisão. Era o caso de Mildred Montag, esposa do protagonista do livro.

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Símbolo da alienação de uma sociedade em que livros são tabu, Mildred passa o tempo todo assistindo a programas tolos, que, literalmente, “emburrecem” a população. Preocupa-se apenas com frivolidades e não costuma questionar as informações que recebe – apenas assiste a tudo passivamente.

Esse parecia ser simplesmente o curso das coisas para Guy Montag, seu marido, até que uma nova personagem perturba a ordem. Clarisse McClellan, vizinha do casal, é uma jovem que sonha em ser professora e que começa a despertar reflexões existenciais no protagonista: qual o sentido da vida? Por que cada um faz o que faz?

Com isso, Montag passa a olhar para a própria vida de outra perspectiva – incluindo para seu trabalho. Ele faz parte da corporação de bombeiros, mas que, no mundo criado por Bradbury, tinha, ironicamente, uma função contrária da que executa no mundo real: eram incendiários. Ao receber denúncias de pessoas que guardavam livros, os bombeiros eram acionados para se dirigir até o local e atear fogo nas obras.

Eis, inclusive, uma curiosidade: 451 graus Fahrenheit – mais ou menos 232 graus Celsius – é a temperatura necessária para que o papel entre em combustão. Esse era o número que estampava o uniforme dos bombeiros – um trabalho, que até então, soava comum para Montag, mas que a partir dos questionamentos de Clarisse começou a ser colocado em xeque.

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Um dia, o protagonista ficou assombrado com uma senhora que se recusou a deixar a própria casa e queimou junto com seus livros. Em outro, decide ler apenas o trecho de livro um condenado à fogueira – no fim, não resiste e o leva para casa. Não demorou muito, Montag tornou-se um dos “subversivos” que tanto combatia, e passou a colecionar e esconder livros em casa.

O perigo dos livros

Antes mesmo da prensa de Gutenberg ser inventada e quando as histórias, teorias e tratados ainda eram registrados em papiros, o poder dos livros já assustava. Não é à toa que a Biblioteca de Alexandria, fundada em 331 a.C. por Alexandre, o Grande, foi atacada tantas vezes – uma delas, inclusive, com fogo, pelos cristãos que condenavam o teor das obras.

Séculos depois, o líder nazista alemão Adolf Hitler mandou queimar milhares de livros no dia 10 de maio de 1933, em uma tentativa de “limpeza da literatura”, como o poeta nazista Hanns Johst justificou na época. Entre os livros incendiados, estava, por exemplo, os do ganhador do prêmio Nobel Thomas Mann.

+ O governo turco esta queimando livros – e outros países já fizeram o mesmo

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Poucos anos depois da grande fogueira nazista, o autor de “Fahrenheit 451” transportou esse pânico dos livros para as páginas do seu próprio. No mundo em que o bombeiro Montag vivia, ler era perigoso: segundo as autoridades, os livros só serviam para deixar as pessoas entristecidas, para fazê-las sonhar com o impossível. Ou então para questionar a realidade que lhes era imposta. Por isso, eram proibidos, e quem ousasse ler e guardar livros em casa era perseguido e muitas vezes morto.

Mais do que perigosos, os livros eram vistos pelas autoridades como poderosos – afinal, eles sabiam bem, são capazes de incitar o pensamento crítico.

Depois que passa a questionar seu trabalho e guardar livros em casa, Montag conhece um professor, Faber, que lhe ajuda a consolidar uma nova visão sobre a literatura. Em uma conversa, ele explica ao bombeiro para que servem os livros:

“A primeira, como eu disse, é a qualidade da informação. A segunda, o lazer para digeri-la. E a terceira, o direito de realizar ações com base no que aprendemos da interação entre as duas primeiras.”

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A utopia de dias melhores

Setenta anos após a publicação de “Fahrenheit 451”, a história segue se repetindo – mesmo que os livros não sejam mais condenados à fogueira, e sim banidos das escolas. De acordo com a American Library Association, 2022 recebeu o maior número de pedidos de retirada de livros de escolas e bibliotecas americanas em 20 anos.

Em solo brasileiro, a coisa também não vai bem: uma universidade chegou a tirar o livro “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios“, de Marçal Aquino, de sua lista de obras obrigatórias após uma campanha extremista que acusava o romance de pornográfico.

+ O livro censurado no vestibular e a perseguição de professores

Mas, para os leitores que estão pensando duas vezes se é uma boa ideia ler o clássico de Bradbury e ficar abatido com esse triste espelho da realidade, aqui vai mais um diferencial do livro. O final desta distopia tem um tom, na verdade, bastante utópico – e se você está disposto a ler as próximas linhas, prepare-se para spoilers!

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Uma vez convencido da importância dos livros e da literatura, o bombeiro Montag decide rebelar-se contra o trabalho e contra o próprio Estado, juntando-se a um grupo de professores que formam a resistência. Enquanto se escondem das autoridades, cada um deles tem a missão de decorar um livro, palavra por palavra, para que caso todas as obras sejam incendiadas, possam reconstruir a memória da humanidade mais tarde.

Nas páginas finais de “Fahrenheit 451”, Granger, uma das “pessoas-livro”, deixa um recado para o grupo:

Algum dia, a carga que estamos carregando conosco poderá ajudar alguém. Mas, mesmo quando tínhamos os livros à mão, muito tempo atrás, não usávamos o que tirávamos deles. Continuávamos a insultar os mortos. Continuávamos a cuspir nos túmulos de todos os infelizes que morreram antes de nós. Durante a próxima semana iremos encontrar muitas pessoas solitárias, tal como no próximo mês e no próximo ano. E quando nos perguntarem o que estamos fazendo, poderemos dizer: estamos nos lembrando. É aí que, no longo prazo, acabaremos vencendo. E algum dia a lembrança será tão intensa que construiremos a maior escavadeira da história e cavaremos o maior túmulo de todos os tempos e nele jogaremos e enterraremos a guerra. Agora, em marcha. Primeiro, construiremos uma fábrica de espelhos, e durante o próximo ano não produziremos nada além de espelhos, e daremos uma longa olhada neles.

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