Década de 1920: o que aconteceu nos ‘anos loucos’
Os “anos loucos” estabeleceram as bases da modernização do Brasil na política, economia e cultura
Recentemente, o médico e sociólogo norte-americano Nicholas A. Christakis afirmou que, a partir de 2024, viveremos os “loucos anos 20” do século 21. Isso porque, segundo o pensador, a pandemia da Covid-19, a maior desde o fim da Gripe Espanhola, deve estar encerrada. E, como aconteceu há um século e também ao final da Peste Negra, um novo mundo deve debutar.
Por enquanto, obviamente, isso é apenas a prospecção de um cenário futuro. Mas é bom conhecer o que aconteceu no Brasil, sobretudo nas suas principais capitais, o Rio de Janeiro e São Paulo, nos “anos loucos” do século passado. A década de 1920, menos estudada do que deveria, foi determinante para a nossa História. Antes de contarmos um pouco a história, um recado: leia o texto até o fim para conferir nossa lista de livros sobre o período.
O Fim da Gripe Espanhola e o Rio de Janeiro
Para o jornalista Ruy Castro em “Metrópole à beira-mar: o Rio moderno dos anos 20”, a década de 1920 começou, na verdade, em 1919. Precisamente no carnaval: controlada a Gripe Espanhola, que se abateu sobre a então capital da República como em nenhum lugar do país, o Rio voltou às ruas para a festa que o simboliza.
Ao longo dos dez anos seguintes, entre crises políticas e reformas urbanas, a cidade viveria uma verdadeira revolução nos costumes. As mulheres – não todas, é verdade – ergueriam as saias e tomariam as femme fatales do cinema mudo de Hollywood como modelo de comportamento. Os homens, por sua vez, imitariam os galãs do cinema. Marcos da cidade, como o Copacabana Palace e a Cinelândia, seriam erguidos. Carmen Miranda (1909-55), que seria a maior cantora do Brasil na década de 1930 e nossa primeira estrela internacional, daria início à sua carreira em 1929. Temas como a homossexualidade e as drogas entraram na literatura. Foi o momento em que a cidade começou a se lançar para o mundo.
A Semana de 1922
Em São Paulo, aconteceu aquele que é considerado o evento paradigmático da cultura local – e a determinaria até hoje: a Semana de Arte Moderna de 1922, que tinha por objetivo superar o beletrismo e o academicismo que influenciavam parte de nossas artes e instituir não apenas temas brasileiros, como uma modernização das linguagens artísticas. Hoje considerada história, a Semana de 1922 teve pouca repercussão na ocasião – e precisou da chancela de artistas e figuras consagradas da cultura e da inteligência do Brasil para se legitimar na época. Apesar da participação de nomes como o maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959), maior compositor clássico do Brasil, a Semana de 1922 acabou marcada por seus personagens paulistas, como os escritores Mário de Andrade (1893-1945), Oswald de Andrade (1890-1954) e as pintoras Anita Malfatti (1889-1964) e Tarsila do Amaral (1886-1973).
A revolta tenentista
Dia 5 de Julho de 1922 um grupo de tenentes se rebela no Rio de Janeiro após a prisão do ex-presidente e marechal Hermes da Fonseca, determinada pelo então presidente Epitácio Pessoa. Sua prisão foi o estopim para o levante que já estava planejado. O motivo? A insatisfação ante as condições de vida, o analfabetismo, a falta de representatividade política em um país que começava a se modernizar e queria se desenvolver. E também a precariedade em que se encontrava o Exército brasileiro, primeira instituir a unir o país, após a Guerra do Paraguai, e também aquela que derrubou a monarquia e instituiu a República. A revolta entraria para a história como o “Levante dos 18 do Forte de Copacabana” (ou “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana”) – uma vez que os jovens oficiais daquele local foram os únicos a resistir à pressão do governo. O número 18 diz respeito à quantidade de rapazes que chegariam até o fim – mas é impreciso, ante a censura a que foram submetidos os jornais na ocasião.
Embora o movimento tenha entrado para a História com o adjetivo “tenentista”, não era composto somente de tenentes. Esses, no entanto, formavam o grosso dos militares revoltosos à época.
A revolução 1924
Exatos dois anos depois da rebelião no Rio de Janeiro, houve o levante das tropas de São Paulo, o maior banho de sangue já vivido pela capital paulista. A revolução opôs parte dos militares ao presidente Artur Bernardes (1875-1955), que, em seus quatro anos à frente da presidência, governou o país sob estado de sítio. O combate, que durou 23 dias, deixou 500 mortos e mais de 5 mil feridos.
O nascimento do Partidão
Em 1922, é criado aquele que seria um partido determinante na nossa História – mesmo estando durante boa parte dela na ilegalidade: trata-se do Partido Comunista Brasileiro (PCB), também conhecido como Partidão. O partido, em 1935, lideraria a Aliança Nacional Libertadora (ANL) no evento que entraria para a História como a “Intentona Comunista” – e seria a justificativa perfeita para atiçar os ânimos e fechar o regime em 1937, quando Vargas institui a ditadura do Estado Novo (1937-45). Com a volta da democracia, em 1946, o partido é posto na ilegalidade e só recupera seus direitos legítimos com a volta do pluripartidarismo, durante a abertura política.
A crise de 1929
A quebra da Bolsa de Nova York em 1929 dá início à maior crise do capitalismo – algo semelhante só seria visto, novamente, em setembro de 2008. Os Estados Unidos mergulham numa crise de viria a ser conhecida como Grande Depressão (1929-33). O Brasil vê seu principal produto, o café, que sustentava o poderio político das oligarquias paulistas, se dissolver no exterior.
A crise, somada às insatisfações de uma década e à denúncia de fraude nas eleições de 1930, levaria a uma série de conflitos que desembocariam na Revolução de 1930, na qual Getúlio Vargas (1882-1954) ascenderia ao poder aliado a outras oligarquias e aos militares dos movimentos tenentistas.
Fontes consultadas e sugestões de leitura
“Carmen, uma biografia” (Companhia das Letras, 1ª edição, 2005), Ruy Castro
“Metrópole à beira-mar: o Rio moderno dos anos 20” (Companhia das Letras, 1ª edição, 2019), Ruy Castro
“Chatô, o rei do Brasil” (Companhia das Letras, 1ª edição, 1994), Fernando Morais
“Getúlio Vargas: dos anos de formação à conquista do poder” (Companhia das Letras, 1ª edição, 2011), Lira Neto