Durante a abertura das reuniões entre os presidentes da América do Sul na terça-feira (30), o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) enfatizou a sua vontade de retomar a União de Nações Sul-Americanas, a Unasul. Aos 11 líderes presentes no Palácio do Itamaraty, em Brasília, Lula expressou o desejo de reaproximar as nações latinas – fala que vem repetindo desde sua reeleição. O chefe de Estado afirma ser necessário “voltar a olhar coletivamente” para a América do Sul.
“Uma América do Sul forte, confiante e politicamente organizada amplia as possibilidades de afirmar, no plano internacional, uma verdadeira identidade latino-americana e caribenha”, disse o presidente na abertura da cúpula.
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A Unasul citada por Lula é um bloco criado em 2008 com o intuito de aproximar as relações entre os países da América do Sul. Originalmente composta pelas doze nações do subcontinente (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela), a Unasul foi alvo de críticas durante anos, e, com sucessivas crises nos países-membros, foi perdendo sua relevância. Em 2017, o último secretário-geral do grupo, Ernesto Samper, deixou o cargo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Hoje, apenas sete países seguem fazendo parte da União – Argentina, Bolívia, Brasil, Guiana, Suriname, Venezuela e Peru. O próprio Brasil chegou a sair em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro, mas retornou no início de abril deste ano após decreto de Lula.
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“A Unasul é um patrimônio coletivo. Lembremos que ela está em vigor e sete países ainda são membros plenos. É importante retomar seu processo de construção, mas, ao fazê-lo, é essencial avaliar criticamente o que não funcionou e levar em conta essas lições”, afirmou o presidente brasileiro durante discurso.
Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE explica o que é a Unasul, como seu deu sua criação, os principais objetivos, e porque ela perdeu sua relevância.
Onda rosa e a aproximação sul-americana
Os anos que antecedem a criação da Unasul compreendem um período marcado por forte desenvolvimento na América do Sul. No início dos anos 2000, os países sul-americanos presenciavam verdadeiros ares de mudança: depois do fim definitivo dos regimes militares e dos governos marcados por crises econômicas e dívidas externas, pela primeira vez, a maioria das nações era governada por partidos de pautas progressistas. Este período ficou conhecido como Onda Rosa. Foi um momento de aceleração econômica, desenvolvimento social e presença forte do Estado.
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O discurso nacionalista também ganhou força, inclusive no plano econômico, e estes países passaram a buscar autonomia em relação aos Estados Unidos. A influência que os americanos exerceram no subcontinente durante todo o século 20 passou a ser condenada e posta em xeque, ao mesmo tempo em que ganhava força a ideia de coletividade na América do Sul. Assim, em 2000, acontece a 1º Reunião de Presidentes da América do Sul, com o objetivo de traçar alianças coletivas para o desenvolvimento econômico, político e social da região.
A mesma reunião se repetiu dois anos depois, em 2002, e, novamente, em 2004. Nesta última, é assinada a Declaração de Cusco, que funcionaria como documento de base para a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações (CSN) – mais tarde, ela se tornaria a Unasul.
Nasce a Unasul
O texto da Declaração de Cusco frisava a ideia de uma identidade sul-americana compartilhada (ainda que reconhecendo e respeitando os diferentes governos e ideologias), e determinava que o grupo deveria buscar uma maior convergência econômica, física e social entre as nações-membro – com tratados e acordos que beneficiassem o subcontinente de maneira autônoma aos EUA.
Essa integração serviria para firmar a América do Sul como um polo forte e homogêneo no jogo internacional, contribuindo assim para um cenário global multipolar, como explica Tiago Nery, doutor em Ciência Política pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) no artigo “UNASUL: a dimensão política do novo regionalismo sul-americano“.
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Entre 2005 e 2007, as reuniões continuaram a acontecer e, em abril de 2007, o bloco ganhou o seu nome oficial, além da instalação de uma Secretaria Geral e uma sede em Quito, no Equador. Por fim, em 23 de maio de 2008, os líderes das doze nações se reuniram em Brasília e cunharam o Tratado Constitutivo da Unasul. Após ratificação de todos os membros, em 2011 o bloco começou a valer oficialmente.
Em essência, a Unasul nasce como um projeto de integração regional, com objetivos econômicos, políticos, sociais, comerciais e culturais. Um grande guarda-chuva que abarcaria todos os outros tratados e acordos menores. O bloco representaria um primeiro passo na construção de uma maior união entre as nações sul-americanas, que, juntas, tratariam de soluções coletivas para diminuir os déficits em educação, políticas sociais, infraestrutura, financiamento e políticas ambientais presentes no subcontinente.
A principal diferença do bloco quando comparado às tentativas anteriores de união entre países da América Latina (algumas fracassadas, outras bem-sucedidas), como Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), Mercosul (Mercado Comum do Sul) e Alcsa (Área de Livre Comércio Sul-Americana), é o seu próprio caráter amplo, não somente em quantidade (envolve todos os doze países sul-americanos) como em objetivos para além de comerciais.
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Alguns dos planos da Unasul incluíam a adoção de uma moeda comum e uma cidadania sul-americana, com um passaporte unificado. Nenhum desses, no entanto, se tornou realidade.
O que deu errado na Unasul?
Se fosse preciso listar os principais nomes por trás da criação da Unasul, não há dúvidas de que Lula e o então presidente da Venezuela Hugo Chávez apareceriam no topo. A habilidade diplomática de reunir, em um passo para lá de ambicioso, os doze presidentes da América do Sul em um único bloco, foi um marco histórico – mas que não durou por muito tempo. As boas relações internacionais de Lula ou Chávez não foram capazes de garantir a longevidade do bloco, sobretudo quando a Onda Rosa na América do Sul se dissipou.
Vale destacar novamente que durante a criação do bloco, uma parte significativa da América Latina era governada por partidos alinhados à esquerda ou centro-esquerda: além de Lula e Chávez, havia Cristina Kirchner na Argentina, Michelle Bachelet no Chile, Evo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador. Quando esses mandatos começaram a ser substituídos por governos de direita ou centro-direita, a incompatibilidade com a agenda progressista do bloco afastou algumas nações.
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Além disso, o próprio caráter “virtual” da Unasul também não facilitou o seu êxito. Na visão dos críticos e opositores, a existência da Unasul era desnecessária e ineficaz, visto que boa parte das medidas adotadas poderiam ser resolvidas em acordos ou tratados já existentes. Para eles, a ideia de reproduzir uma “união europeia versão latina” teria boas intenções, mas não passava de sonhos utópicos com vieses ideológicos, como os almejados por Bolívar e San Martín no século 19.
O maior desmonte do bloco ocorreu a partir de 2017 – com Michel Temer já no cargo de presidente do Brasil. Naquele ano, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru se reuniram para repudiar o governo de Nicolás Maduro na Venezuela, apontado pelos líderes como anti-democrático. Antes disso, a saída do secretário-geral Ernesto Samper já havia balançado as estruturas do bloco, criando um verdadeiro vácuo no cargo, dado que os estados-membros não conseguiram chegar a um acordo para eleger um substituto.
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Em abril de 2018, os mesmos países que repudiaram o governo venezuelano anunciaram a sua suspensão temporária do bloco. Poucos meses depois, em agosto, a Colômbia anunciou sua saída definitiva. Em março de 2019, foi a vez do Equador que, ao sair, também requisitou a desocupação do prédio usado como sede da organização, em Quito. Em abril, Argentina, Paraguai, Brasil e Chile anunciaram que também estavam fora. Em 2020, Uruguai se despediu.
Com as principais economias fora do grupo, a Unasul perdeu sua relevância. Mas, ao que tudo indica, 2023 marcará a tentativa de reconstrução do bloco, com a nova onda de governos alinhados à esquerda ou centro-esquerda retomando a América Latina. A intensa agenda internacional de Lula demonstra sua vontade de reafirmar os laços com as nações vizinhas, que ficaram abaladas durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
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