“Olhos d’água”: resumo e análise da obra de Conceição Evaristo
Confira as principais características do livro que faz parte das leituras obrigatórias da Unicamp

Desde 2024, o livro “Olhos d’água”, de Conceição Evaristo, faz parte da lista de leituras obrigatórias do vestibular da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). A obra também já apareceu em outras provas, como a da UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) – além de ser fortemente cotada para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
Publicado em 2014, o livro é composto por quinze contos que abordam a história de personagens negras silenciadas pelo racismo, imposições econômicas, condições degradantes de trabalho e pelas questões de gênero. São narrativas curtas sobre crianças, homens e, sobretudo, mulheres. Personagens femininas – mães, idosas, crianças, ex-prostitutas, domésticas – estão sempre no centro do processo de escrita da autora.
“Olhos d’água” conquistou o 3º lugar na categoria Contos e Crônicas do prêmio de Jabuti, em 2015. A tradicional premiação literária reconhece grandes nomes da literatura nacional.
Pensando em quem vai prestar o vestibular ou deseja saber mais sobre a obra, o GUIA DO ESTUDANTE conversou com Gustavo Brotas, professor de literatura do Poliedro Colégio. Ele ajuda a destrinchar as principais características dos contos presentes em “Olhos d’água”, o contexto da obra como um todo e como o livro pode ser cobrado pela Unicamp.
A estrutura e aspectos formais do livro
O livro “Olhos d’água” é composto pelos seguintes contos:
- Olhos d’água
- Ana Davenga
- Duzu-Querença
- Maria
- Quantos filhos Natalina teve?
- Beijo na face
- Luamanda
- O cooper de Cida
- Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos
- Di lixão
- Lumbiá
- Os amores de Kimbá
- Ei, Ardoca
- A gente combinamos de não morrer
- Ayoluwa, a alegria de nosso povo
Os nove primeiros tem como protagonistas mulheres – em alguns, o narrador é a própria personagem principal, como ocorre em “Olhos d´água”.
Já em outros, acompanhamos o desenrolar dos fatos pelos olhos de um narrador onisciente, que conhece todos os personagens e seus pensamentos, mas não faz parte da história. Esse é o caso, por exemplo, dos contos “Ana Davenga”, “Duzu-Querença” e
“Maria”.
Com relação aos aspectos da linguagem dos contos, ocorre um intenso uso da oralidade nas narrativas e a recorrência de coloquialismos, como se observa inclusive no título do conto “A gente combinamos de não morrer”.
Também é importante destacar o fato de que a autora discute questões muito sensíveis da sociedade e da história brasileira, sem renunciar a uma prosa altamente poética, recheada de metáforas e da expressividade sonora das palavras.
Os temas de “Olhos d’água”
Enquanto os nove primeiros contos da obra são protagonizados por mulheres, que, de alguma maneira, mantém o controle sobre suas próprias vidas, os quatro textos da sequência apresentam protagonistas masculinos que não conseguem resistir à marginalização social e por isso morrem todos violentamente.
No penúltimo conto, chamado “A gente combinamos de não morrer”, o leitor encontra uma multiplicidade de vozes. Os diferentes protagonistas parecem mostrar não apenas que a periferia precisa ser ouvida, mas também que os indivíduos que habitam esse espaço não formam um bloco homogêneo e devem ser percebidos a partir de suas múltiplas perspectivas e subjetividades, que foram estabelecidas nos diferentes lugares construídos por cada um dos narradores.
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No conto que fecha o livro, Conceição Evaristo retoma a trajetória das personagens femininas em busca de uma vida melhor. Nessa última narrativa, a partir do nascimento da menina Ayoluwa, chamada de “a alegria do nosso povo”, a comunidade volta a ter esperança, mas sem fechar os olhos para todas as dificuldades que ainda precisarão ser enfrentadas.
Todos os contos presentes na obra apresentam histórias de pessoas negras que tiveram suas trajetórias atravessadas pela desigualdade racial e social existente na sociedade brasileira. São frequentes nas narrativas questões como a fome, o abandono e a violência.
“É fundamental observar que se trata de um conjunto de narrativas engajadas, uma vez que a escritora apresenta uma forte crítica social e uma intensa denúncia das injustiças e desigualdades no Brasil contemporâneo, as quais marginalizam historicamente as comunidades afrodescendentes. Sem idealizações ou sentimentalismos, o foco está na experiência diária com o racismo e as consequências devastadoras que ele provoca em todos os âmbitos da vida da população negra”, explica Gustavo Brotas, professor do Poliedro.
Apesar disso, o afeto e a resistência também se destacam, colocando essas populações como protagonistas. Há uma profunda valorização de elementos das culturas de matriz africana, como os nomes dos personagens e a espiritualidade.
Por fim, ainda que as narrativas apresentem um recorte racial específico – inclusive com frequentes referências à cultura e religiões de matriz africana –, é inegável que as experiências descritas por Conceição Evaristo (muitas delas vivenciadas pela própria autora) vão além da existência da pessoa negra. Os contos da obra relatam experiências universais de dor, opressão e preconceito.
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Quem é Conceição Evaristo
A história da autora impacta diretamente os temas da obra “Olhos d’água”. Nascida em 1946 em uma favela na cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Maria da Conceição Evaristo justifica a escolha por aproximar tão diretamente a voz autoral da voz das personagens.
“Eu sempre tenho dito que a minha condição de mulher negra marca minha escrita de forma consciente, inclusive. Faço opção por esses temas por escrever dessa forma. Isso me marca como cidadã e me marca como escritora, também”, disse em entrevista ao jornal O Globo.
Assim, a escritora cidadã cumpre, por meio de sua escrita, o papel de ecoar a voz daqueles que foram historicamente excluídos da vida dos centros socioeconômicos.
Lembrando que por mais que a literatura nacional esteja repleta de personagens negros, a maior parte deles foi escrita por autores brancos. Conceição toma essa narrativa e conta a história de outro ponto de vista. Essa é a grande marca das obras da escritora: a escrevivência.
O conceito de escrevivência criado por Conceição Evaristo
A partir da aglutinação das palavras “escrever” e “vivência”, o termo foi criado pela escritora para se referir a uma escrita que aborda o relato de suas memórias pessoais e coletivas. Seu texto é a tradução de suas experiências pessoais – vem de um local de quem as viveu e ainda vive.
A obra trata de uma reflexão sobre a experiência étnica e sobre a questão de gênero. Dessa forma, a prática de escrita carrega a força da ancestralidade de mulheres negras para a formação da identidade cultural brasileira, por meio também da valorização de palavras provenientes de idiomas africanos.
Em entrevista à TV Brasil, a autora discorre sobre o conceito: “Nós não escrevemos para adormecer os da casa-grande, pelo contrário, é para acordá-los dos seus sonos injustos. Essa escrevivência toma como mote de criação justamente a vivência, ou a vivência do ponto de vista pessoal mesmo, ou a vivência do ponto de vista coletivo.”
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