O Inep liberou recentemente a sua cartilha de redação para o Enem 2023. Nela, os estudantes podem entender melhor o que é esperado da sua produção de texto, incluindo como vão ser avaliadas as famosas cinco competências, o que significa fugir ou tangenciar a frase-tema e qual é, afinal, a função dos títulos na redação do Enem.
Além disso, o Instituto também disponibilizou na cartilha algumas redações que tiraram nota máxima na edição de 2022.
+ Leia na íntegra redações nota 1000 do Enem 2022
Uma delas, escrita pela Nicole Carvalho Almeida, caprichou no número de repertórios: citou a obra mais famosa de Karl Marx e Friedrich Engels, “O Capital“, além da Constituição Brasileira de 1988, e o sociólogo canadense Erving Goffman. Leia aqui seu texto na íntegra, juntamente com uma avaliação do próprio Inep.
Nicole Carvalho Almeida
No Brasil, o Artigo 1º da Constituição Federal de 1988 delibera a garantia da cidadania e da integridade da pessoa humana como fundamento para a instituição do Estado Democrático de Direito, no qual deve-se assegurar o bem-estar coletivo. No entanto, hodiernamente, não há o cumprimento efetivo dessa premissa para a totalidade dos cidadãos, haja vista os empecilhos no que tange à valorização de comunidades e povos tradicionais no país. Nesse viés, torna-se essencial analisar duas vertentes relacionadas à problemática: a inferiorização desses grupos bem como a perspectiva do mercado nacional.
Sob esse prisma, é primordial destacar a discriminação contra esses indivíduos no Brasil. Nesse sentido, de acordo com o sociólogo canadense Erving Goffman, o estigma caracteriza-se por atributos profundamente depreciativos estabelecidos pelo meio social. Nesse contexto, observa-se a maneira como os povos tradicionais, a exemplo dos quilombolas e dos ciganos, sofrem a estigmatização na sociedade brasileira, pois são, muitas vezes, considerados sujeitos sem utilidade para o crescimento econômico do país, uma vez que as práticas de subsistência são comuns nessas comunidades. Dessa forma, ocorre a marginalização desses grupos, fato o qual os distancia da valorização no país.
Outrossim, é relevante ressaltar a perspectiva mercadológica brasileira como fator agravante dessa realidade. Nessa conjuntura, segundo a obra “O Capital”, escrita pelos filósofos economistas Karl Marx e Friedrich Engels, o capitalismo prioriza a lucratividade em detrimento de valores. Nesse cenário, diversas empresas, no Brasil, estruturadas em base capitalista, atuam a partir de mecanismos de financiamento e apoio às legislações que incentivam a exploração de territórios ambientais habitados por povos tradicionais, como a região amazônica, sem levar em consideração a defesa da sociobiodiversidade nessas comunidades. Desse modo, há a manutenção de ações as quais visam somente ao lucro no mercado corporativo e são coniventes com processos de apropriação bem como de desvalorização dos nichos sociais de populações tradicionais no país.
Portanto, são necessárias intervenções capazes de fomentar a valorização desses indivíduos na sociedade brasileira. Para tanto, cabe ao Ministério da Educação promover a mudança das concepções discriminatórias contra as comunidades tradicionais, por meio da realização de palestras periódicas nas escolas, ministradas por sociólogos e antropólogos, as quais conscientizem os sujeitos acerca da importância desses povos para o país, a fim de minimizar o preconceito nesse âmbito. Além disso, é dever do Ministério da Economia impor sanções às empresas que explorem os territórios habitados por essas comunidades, com o intuito de desestimular tais ações. A partir dessas medidas, a desvalorização das populações tradicionais poderá ser superada no Brasil.
Comentário do Inep, tirado da cartilha:
A participante demonstra excelente domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa, com períodos sintaticamente bem estruturados, e o texto apresenta apenas um desvio: o emprego de ênclise em oração subordinada iniciada por pronome relativo, conforme se constata no trecho “no qual deve-se assegurar o bem-estar coletivo”.
A redação da participante demonstra excelente domínio do texto dissertativo-argumentativo, contemplando os princípios da estruturação do texto dissertativo-argumentativo, com discussão, desenvolvimento com justificativas que comprovam seu ponto de vista e, encerrando com uma conclusão. O tema, “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”, é abordado no primeiro parágrafo, quando a participante afirma que não há, efetivamente, “o cumprimento efetivo da premissa do Artigo 1º da Constituição Federal de 1988 para a totalidade dos cidadãos”, ou seja, a garantia da cidadania e da integridade da pessoa humana, devido a empecilhos, citados no desenvolvimento do tema, ou seja, nos dois parágrafos seguintes, com a utilização de um repertório produtivo: o segundo parágrafo trata da discriminação e do estigma contra esses indivíduos no Brasil, com fundamento nas ideias do sociólogo canadense Erving Goffman; o terceiro parágrafo ressalta a perspectiva mercadológica do mercado corporativo brasileiro, com fundamento na obra “O Capital”, de Karl Marx e Friedrich Engels, enfatizando a exploração de territórios ambientais habitados por povos tradicionais. O texto se encerra com uma conclusão decorrente dos parágrafos anteriores, no quarto parágrafo, com duas propostas de solução para o problema, a cargo do Ministério da Educação e do Ministério da Economia. Assim, nota-se que a participante abordou de forma completa o tema proposto em um texto dissertativo-argumentativo, conforme determina a proposta de redação.
O projeto do texto é claro, com informações, fatos e opiniões relacionados ao tema proposto e desenvolvidos, de forma consistente e bem-organizados, em defesa do ponto de vista. Primeiramente, afirma que a garantia constitucional da cidadania e da integridade da pessoa humana não atinge as comunidades e povos tradicionais no país, o que leva ao estigma e à inferiorização desses grupos. Essa consequência se explica com o argumento do sociólogo canadense Erving Goffman, segundo o qual “o estigma caracteriza-se por atributos profundamente depreciativos estabelecidos pelo meio social”, como ocorre, por exemplo, com ciganos e quilombolas. Soma-se a esse projeto de texto o argumento da perspectiva mercadológica brasileira como fator agravante dessa realidade, fundamentada na obra “O Capital”, de Karl Marx e Friedrich Engels, desvalorizando os nichos sociais de populações tradicionais no país, alheias ao lucro e preocupadas com sua sobrevivência em meio à natureza. No parágrafo final, a participante conclui, como já mencionado, com proposta de ações do Ministério da Educação, para o combate à discriminação e à invisibilidade nas comunidades tradicionais, e do Ministério da Economia, para imposição de sanções às empresas que exploram os territórios habitados por essas comunidades.
Além da continuidade temática presente no texto, a participante emprega, sem inadequações, um repertório variado de recursos coesivos, que articulam os argumentos, as partes do texto e as informações apresentadas, tanto no plano nominal, com o emprego de pronomes (“o qual os distancia”, “desses indivíduos”) e palavras ou expressões sinônimas (“país” por “Brasil”, “tais ações” por “empresas que explorem…”, “estigma” por “preconceito”), como no sequencial (“No entanto”, “bem como”, “Nesse viés”, “A partir dessas medidas” ). Também utilizou os sinais de pontuação ligando palavras, orações e períodos complexos com pertinência e de modo correto.
Como a prova pede proposta de intervenção, esse texto é finalizado com duas propostas que respeitam os direitos humanos, ambas descritas acima. Como pode ser observado, elas permeiam o texto e são decorrentes do desenvolvimento da argumentação. Essas propostas são detalhadas, mostram o quê e como devem ser realizadas, quem vai realizar o que foi proposto e qual será o efeito dessas ações de intervenção.
Conclui-se que a participante contemplou em seu texto, integralmente e com excelência, todas as partes da proposta de redação.
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