Romance sobre mulheres presas à poligamia entra na Fuvest pela 1ª vez
Obra de Paulina Chiziane estreia na lista da Fuvest 2026 com um retrato intenso sobre amor, poligamia e resistência feminina no contexto pós-colonial africano

A lista da Fuvest 2025 trouxe uma grata surpresa: pela primeira vez, um romance moçambicano escrito por uma mulher figura entre as leituras obrigatórias. “Balada de Amor ao Vento”, da autora Paulina Chiziane, foi publicado em 1990 e é considerado o primeiro romance escrito por uma mulher em Moçambique. A obra marca a estreia de uma voz feminina, que mistura lirismo, crítica social e elementos da oralidade africana para denunciar estruturas patriarcais profundamente enraizadas.
O romance se passa em uma aldeia rural moçambicana, onde Siti, a protagonista, vive o drama de amar um homem que também pertence a outras mulheres. Em um contexto onde a poligamia é socialmente aceita e até incentivada, as mulheres são colocadas em constante disputa, vivendo em um ciclo de sofrimento, solidão e competição.
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Mas Paulina Chiziane não entrega ao leitor apenas uma história de amor: ela constrói um enredo repleto de camadas, que fala sobre identidade, cultura, opressão e a luta por autonomia em um cenário marcado por tradições ancestrais e cicatrizes do colonialismo.
E a escolha da Fuvest não foi à toa: para os vestibulandos, é uma leitura indispensável para entender a intersecção entre literatura, história e gênero. “Balada de Amor ao Vento” exige sensibilidade e capacidade de análise crítica, já que sua força não está apenas nos acontecimentos narrados, mas na forma como esses eventos ecoam nas estruturas sociais.
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Entre o amor e a servidão
A narrativa gira em torno de Siti, uma mulher apaixonada por Tony, um homem envolvente, mas emocionalmente ausente e infiel. No contexto poligâmico da aldeia onde vivem, Siti é uma entre várias mulheres que compartilham o mesmo marido – e que são, ao mesmo tempo, companheiras de sofrimento e rivais.
Tony representa um poder masculino irresponsável, que transita livremente entre casas e mulheres, enquanto elas lutam por migalhas de atenção e reconhecimento.
A relação entre Siti e Tony, porém, vai além do amor romântico: é um reflexo das relações de poder que estruturam a sociedade retratada por Paulina Chiziane. Siti, que começa a narrativa submissa e conformada, gradualmente se torna uma figura que questiona sua condição. Seu percurso é marcado por dor, mas também por momentos de lucidez e rebeldia. Ela desafia, confronta e, sobretudo, se recusa a aceitar o papel de mulher invisível.
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Ao longo da obra, as personagens femininas enfrentam o abandono, a humilhação, a violência doméstica e o isolamento – mas também encontram, em meio a tudo isso, caminhos de sororidade, enfrentamento e resistência.
O romance é, assim, um retrato vívido das contradições do amor em uma cultura onde o desejo feminino é constantemente sufocado pelas regras impostas pelos homens.
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Oralidade, ritmo e estrutura
Uma das marcas mais fortes de “Balada de Amor ao Vento” é sua linguagem. Paulina Chiziane constrói uma narrativa enraizada na oralidade africana, com uso de repetições, paralelismos, frases curtas e um ritmo que lembra a contação de histórias em roda. A característica aproxima o leitor da tradição narrativa moçambicana, que valoriza a escuta, a coletividade e o poder da palavra falada.
Além disso, a estrutura da obra rompe com o modelo linear ocidental. A narrativa é fragmentada, com idas e vindas no tempo, inserções de reflexões e monólogos internos que aproximam o texto de um fluxo de consciência.
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Essa construção contribui para a dimensão emocional do romance, e exige que o leitor se envolva não apenas com a trama, mas com a maneira como ela é contada. É importante, para quem vai prestar vestibular, não apenas entender o que acontece na história, mas perceber como a forma e o estilo de Paulina Chiziane contribuem para a força simbólica da obra.
O uso da oralidade, por exemplo, reforça a ideia de que a narrativa de Siti é coletiva, e representa a voz de muitas mulheres que viveram (e ainda vivem) experiências semelhantes.
Poligamia e patriarcado
Um dos eixos centrais do romance é a crítica à poligamia – prática que, embora legalmente permitida e socialmente aceita em algumas regiões de Moçambique, é apresentada na obra como um sistema que perpetua a dominação masculina e o sofrimento feminino.
Tony, ao manter várias mulheres sob seu domínio emocional e sexual, se torna símbolo de um patriarcado disfarçado de afeto.
Paulina Chiziane, no entanto, não constrói uma crítica simplista ou ocidentalizada. Sua abordagem é complexa: ela mostra como as tradições culturais podem ser tanto espaço de pertencimento quanto instrumentos de opressão.
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O livro denuncia os efeitos perversos dessas práticas sobre o corpo e o espírito das mulheres, mas também aponta como a resistência pode surgir justamente a partir do enfrentamento dessas normas.
Nesse sentido, Siti não é apenas uma vítima: ela se transforma em uma voz de insubmissão. Ela rompe com os pactos silenciosos que sustentam a poligamia, desafia os homens, questiona os valores da aldeia e tenta construir para si uma identidade que vá além do papel de esposa.
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Paulina Chiziane
Com “Balada de Amor ao Vento”, Paulina Chiziane não apenas inicia sua carreira literária, mas também rompe com um silêncio histórico: o da mulher africana dentro da tradição romanesca moçambicana. Até então, os romances publicados no país eram majoritariamente escritos por homens e refletiam, muitas vezes, uma perspectiva centrada nas lutas políticas e na identidade nacional pós-colonial.
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Chiziane, por sua vez, introduz uma dimensão nova: o olhar feminino sobre os conflitos sociais. Sua escrita é profundamente política, mas também intimista. Ela denuncia, mas também narra afetos, desejos, medos e esperanças. Seu protagonismo como mulher escritora em um cenário dominado por vozes masculinas torna sua obra ainda mais relevante.
Para além de sua importância literária e histórica, “Balada de Amor ao Vento” é uma leitura provocadora. Obriga o leitor a sair da zona de conforto, a questionar valores, a repensar relações de gênero e a refletir sobre o quanto nossas próprias estruturas sociais reproduzem, em outras formas, os mesmos mecanismos de opressão denunciados na obra.
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