Os mais jovens não querem ser chefes; dá para crescer na carreira mesmo assim?
Novos estudos indicam desinteresse entre a chamada geração Z em assumir cargos de gestão ou liderança. Carreira em 'Y' é uma das alternativas

Imagine só: você é um jovem recém-formado na universidade dando os primeiros passos na carreira em uma startup. Em pouco tempo, é chamado para coordenar uma equipe, passando a responder como chefe. O título e o salário são atraentes, mas as madrugadas insones, as grandes responsabilidades e o alto nível de cobrança logo se mostram um pesadelo. Depois de muito pensar, você decide dar um passo para trás e desiste do cargo. A estratégia pode parecer absurda para alguns, mas, ao que tudo indica, é uma das tendências de mercado entre a geração Z.
Estudos indicam que a geração nascida entre 1997 e 2010 tem menos vontade de ocupar cargos de liderança. O que no passado era sinônimo de “chegar lá”, hoje é visto como um movimento que coloca em xeque o próprio valor que eles dão ao trabalho. Liderar equipes, lidar com cobranças constantes e encarar jornadas extensas já não representam a ideia de sucesso. Por outro lado, cargos remotos, horizontais e que possibilitem evolução individual viraram o emprego dos sonhos.
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Uma pesquisa encomendada pela Visier mostrou que apenas 38% desse grupo tem interesse real em liderar equipes, enquanto 62% querem se manter em funções que possibilitam equilíbrio e autonomia. Em outra, da Robert Walters, 72% dos jovens entrevistados afirmaram querer crescer na carreira sem subir para cargos de gestão.
“A Geração Z valoriza mais o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Buscam trabalho com propósito, em ambientes flexíveis e colaborativos, até mais do que a ascensão hierárquica tradicional. Muitos demonstram interesse em escopos mais técnicos, buscando posições de especialistas mais que de gestão”, afirma Carolina Tzanno, gerente sênior de RH da Redarbor Brasil, grupo dono da Catho, ao GUIA DO ESTUDANTE.
Mas será que é possível crescer na carreira sem ser chefe?
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O que vale e não vale a pena
Segundo a Pesquisa de Jovens da Catho, o índice de interesse por cargos de gestão entre pessoas de 18 a 25 anos é 7% menor que o das gerações anteriores. Se para os pais e avós da Geração Z ter uma sala própria no escritório e um título pomposo era o que definia se uma pessoa alcançou o sucesso ou não, para a nova geração — que, vale lembrar, entrou no mercado de trabalho pouco antes ou durante a pandemia da Covid-19 —, a ideia parece desconexa com os novos valores.
Para a especialista, não é que a Geração Z é menos ambiciosa, mas sim que ela redefiniu o que é sucesso. Uma carreira bem construída não seria só sobre subir a escada corporativa, mas encontrar propósito, qualidade de vida e reconhecimento — mesmo sem virar chefe. “Muitos evitam esses cargos de gestão por associar essas funções a estresse crônico, jornadas excessivas, conflitos interpessoais e falta de suporte emocional”.
A pesquisa mostra que os mais jovens se preocupam 33% mais com pressão e carga de trabalho do que os mais velhos, e veem jornadas longas e ambientes conservadores como impeditivos.
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‘Quiet ambition’
Nas análises de mercado (e nas redes sociais), o fenômeno tem nome e sobrenome: quiet ambition. Seria algo como uma “ambição discreta”: foca em significado, não em status. Jovens querem ser reconhecidos pelo impacto que causam no mundo, pelo domínio técnico e pela colaboração nos resultados, não por liderar grandes equipes. “Não vejo que se trata de uma ‘demonização’ da função de chefe, mas sim de uma crítica ao modelo tradicional de liderança que ainda prevalece em muitas empresas”, opina Tzanno.
Ela explica que a Geração Z, muito ligada à saúde mental e à qualidade de vida, valoriza lideranças mais colaborativas, empáticas, que praticam a escuta ativa e promovam o crescimento coletivo. “Essa geração busca ambientes psicologicamente seguros, onde possam se expressar sem medo. Se uma função de liderança não oferece essas condições, ela deixa de ser vista como um avanço e passa a ser encarada como um risco. Isso reforça a importância de repensar o modelo de gestão atual, tornando-o mais sustentável e humano.”
Ou seja, ao que parece, a rejeição não é à liderança em si, mas à forma como ela tem sido praticada. Certamente há muitos jovens que queiram liderar, mas é o estilo dessa liderança que faz toda a diferença. A geração vê no chefe estressado gritando com os funcionários não uma figura respeitável de poder, mas um tirano que não lida com as próprias emoções. “Isso explica, em parte, a maior adesão a modelos de trabalho independentes, como freelancer, empreendedor ou colaborador remoto.”
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Carreira em Y

Boa notícia é que o mercado já reage. Posições como especialista, consultor interno e líder técnico ganham espaço em empresas mais inovadores. Há uma maior valorização do domínio técnico, das skills socioemocionais, da capacidade de resolver problemas e dos resultados diretos. Segundo Carolina Tzanno, cada vez mais empresas reconhecem que movimentos horizontais, possíveis por meio de especializações, certificações, entregas de impacto e projetos multidisciplinares podem ser tão relevantes quanto a progressão vertical.
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“O profissional que domina profundamente uma área pode agregar tanto quanto um gestor, e muitas vezes atua como referência para toda a equipe. As carreiras em ‘Y’, por exemplo, permitem que o profissional escolha um escopo de gestão de pessoas ou um escopo técnico, sendo valorizado e promovido em ambos igualmente. Então, sim, há espaço para que talentos possam se desenvolver de acordo com seus perfis e interesses”, conclui a especialista.
No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. A tradicional escada corporativa ainda é a realidade — e talvez nunca deixe de ser. Mas já não é a única via possível.
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