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Fuvest: confira redações nota máxima dos últimos anos

Um compilado com redações nota 50 dos últimos anos do vestibular da USP

Por Luccas Diaz
Atualizado em 6 jan 2023, 17h43 - Publicado em 6 jan 2023, 12h17
Redação
 (Freepik/Reprodução)
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Na segunda fase da Fuvest 2023 os candidatos, além de responderem a 10 questões discursivas, precisam redigir uma redação sobre um tema proposto. A USP tem fama de exigir dos seus candidatos redações sobre temas mais abstratos, associados geralmente ao campo da Filosofia e da Sociologia.

+ Veja todos os temas já cobrados na redação da Fuvest

Assim como no Enem, o gênero textual é dissertativo-argumentativo, mas, diferentemente deste, não cobra que o candidato faça alguma proposta de intervenção no parágrafo final.

Uma boa estratégia para mandar bem na redação da Fuvest é estudar a partir de redações dos anos anteriores. O GUIA DO ESTUDANTE compilou algumas que tiraram nota 50, que é a nota máxima.

Fuvest 2022

Nesta edição, o tema de redação proposto na Fuvest foi “As diferentes faces do riso“. Cinco textos motivadores acompanhavam a proposta, incluindo trechos jornalísticos, literários e uma frase do humorista Paulo Gustavo. Você pode conferir a coletânea completa acessando o arquivo digital do primeiro dia da segunda fase da Fuvest 2022.

Confira abaixo, a redação nota 50 de Julia Hamdan, estudante do curso de Medicina da USP Pinheiros.

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Último riso marginal

A associação do riso à alegria é universal, entretanto, existem faces do ato de rir ligada ao exercício de poder. O provérbio brasileiro “quem ri por último ri melhor” exemplifica uma dessas faces: a noção de que o “último riso” é o melhor, simboliza a vitória de um grupo social que ri em detrimento de outro, que se cala. Nesse sentido, sob a influência de conjunturas e contextos diferentes, o direito à risada pode representar o triunfo de setores marginalizados ou a vitória dos que buscam o controle e a apassivação de outros. Isso, paradoxalmente, sem deixar de ser um símbolo da felicidade (Eudaimonia), que, para Aristóteles deveria ser um objetivo coletivo.

Existe, na face do “riso dos opressores”, um sentido literal – o escárnio- e um sentido simbólico ligado à vitória da opressão. O primeiro é o ato de rir de alguém, de um grupo, ou de uma situação os banalizando. Um exemplo disso foi, em 2021, no Brasil, a circulação de vídeos ironizando as mortes por COVID 19, por meio de piadas e imitações da falta de ar, ocasionada pelo adoecimento, protagonizados por representantes do Governo Federal. Ações como essas resultam, através do riso maléfico, na manipulação social para menosprezar demandas importantes, envolvendo direitos humanos, a resolução da pandemia ou questões socioeconômicas. Nesse viés, o direcionamento do humor para temas sociais relevantes e urgentes a fim de deslegitimá-los intensifica, metaforicamente, a possibilidade de o “último riso” pertencer a grupos que associam discursos de ódio e intolerância ao humor.

Por outro lado, a resistência associada ao riso só é possível quando esse é protagonizado, em sua geração e vivência, por setores marginalizados das sociedades. Isso porque, há também o controle de sujeitos por meio da anestesia gerada ao rirmos: conhecidas como “políticas do pão e circo”, os investimentos em entretenimentos que distraem a população de pautas sociais, embora tenham em seu bojo algum “riso”, causam a apassivação dos sujeitos – risos inertes, sem ação social. Em contrapartida, a apropriação popular do lazer e do humor garantem a face de resistência do riso. Como exemplo dessa, têm-se os memes na Internet – os quais proporcionaram ao Brasil título de Fábrica de memes – e que o riso é gerado de forma crítica e a partir da inventividade popular que consegue, ainda que marginalizada ou silenciada, nutrir seus risos marginais.

Desse modo, embora haja diferentes faces do riso, o “último” deveria ser o marginal -da população para a população – que resiste aos escárnios. Assim, a Eudaimonia aristotélica pode ser alcançada através do humor popular.

 

Fuvest 2021

Na Fuvest 2021, o candidato foi proposto a escrever uma dissertação-argumentativa sobre o tema “O mundo contemporâneo está fora de ordem?“. O tema em formato de pergunta veio acompanhado de cinco textos motivadores. Na coletânea, entre os textos presentes estavam um trecho de “Claro Enigma“, de Carlos Drummond de Andrade (obra cobrada na lista de leituras obrigatórias daquele ano), uma música de Caetano Veloso, e uma tirinha da personagem Mafalda. Você pode conferir a proposta na íntegra clicando aqui.

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A redação do estudante Bruno Jardine foi uma das que conseguiu alcançar a nota máxima na avaliação. O jovem hoje é estudante de Medicina na USP de Ribeirão Preto.

Desordem e Regresso

“Ordem e progresso”, tal é o contraditório lema que estampa a nossa bandeira nacional. Orientada por uma visão positivista da realidade, tal frase reflete a mentalidade do individuo contemporâneo, cuja subjetividade e individualidade essencialmente humana é substituida por uma visão racional e ordenada do mundo, visando o “progresso”. Nessa distópica sociedade, no entanto, vive-se um contexto marcado por guerras, incertezas, destruição e morte. Nessa perspectiva, portanto, cabe a indagação: o mundo contemporâneo está de fato, em ordem?

Há quem se posicione afirmativamente. Tais indivíduos inebriados por uma lógica cartesiana demasiadamente racionalista, acreditam que o pensamento institucionalizado é o caminho para o desenvolvimento da humanidade, sendo o progresso cientifico capaz de suprir os anseios da sociedade, retardando guerras, pestes e mortes. Dizem, ainda, que, sob moldes neoliberais, a lógica da competição capitalista há de impulsionar os indivíduos a constantemente se aperfeiçoarem, levando a um desenvolvimento sem limites.

Tal visão, no entanto, encontra-se profundamente incorreta. Ao contrário do que se pensa; a razão, sendo utilizada de forma incorreta, representa o fim do que se considera como humano. De acordo com o conceito de razão instrumental, elaborada pelos filósofos Max Horkheimer e Theodor Adorno, a contemporaneidade é marcada pelo uso meramente técnico da razão, sendo o conhecimento uma ferramenta para o mercado capitalista. Nesse ínterim, o ordenamento cartesiano, ao invés de promover a maioridade intelectual dos indivíduos, acaba por suprimir sua subjetividade; mutilando a individualidade que os fazem verdadeiramente humanos.

Esse ordenamento irrestrito, ainda, conflui para uma realidade esvaída de sentido e permeada pelo pessimismo. De acordo com o filósofo Walter Benjamin, a sociedade moderna, ao se materializar numa lógica tecnificista e mercadológica, acaba por padronizar os pensamentos e vivências dos indivíduos, os quais, por consequência, se veem ausentes de propósito, em condição denominada de empobrecimento da experiência. Tal fato, aliado ao contexto de guerras, pestes e destruição da contemporaneidade, leva a um profundo pessimismo e a uma exposição do desordenamento do mundo.

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É justo concluir, portanto, que o mundo contemporâneo encontra-se fora da ordem. Ao contrário do que muitos pensam, o racionalismo exacerbado conflui para a supressão da subjetividade e para a instauração de um profundo pessimismo, subvertendo a errônea ideia de “progresso”. De fato, vivemos em um mundo de “desordem e regresso”.

 

Fuvest 2020

Na edição 2020 da Fuvest, o vestibular trouxe como tema de redação a proposta “O papel da ciência no mundo contemporâneo“. A coletânea de textos motivadores apresentava cinco textos, entre eles uma fala do cientistas Carl Sagan, uma tirinha de Luis Fernando Verissimo e uma música de Gilberto Gil. Confira a proposta na íntegra acessando o arquivo digitalizado da prova da segunda fase.

Veja a redação nota máxima do candidato Paolo Gripp Carreño, hoje estudante do curso de Medicina na USP Pinheiros.

Cara ou coroa: o papel ambíguo da ciência no mundo contemporâneo

“Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”: tal ideia resume a teoria humanitista apregoada pelo filósofo Quincas Borba, da obra homônima de Machado de Assis. Conforme se apreende dessa fala, o personagem concebia a vida por meio da sua associação a um campo estratégico de luta, tal como representavam, metaforicamente, as duas tribos antagônicas em disputa pela sobrevivência. Destarte, o humanitismo, não por acaso, é frequentemente tido como uma sátira às correntes cientificistas típicas do século XIX e, em especial, ao darwinismo social defendido por Herbert Spencer, que previa a seleção natural dos indivíduos mais adaptados ao meio, de modo análogo ao proposto por Darwin na Biologia. Sob tal perspectiva, em um mundo cada vez mais globalizado, o acesso ao conhecimento e às tecnologias digitais, notadamente desigual, tem se tornado constante alvo de cobiça, norteando as relações de poder existentes e ressignificando o papel conferido à ciência no cenário contemporâneo.

Desde a Antiguidade, contudo, a razão tem sido objeto de discussão na Filosofia, sendo colocada, inclusive, como pilar principal da sociedade justa idealizada por Platão na célebre obra “A República”. Durante a Idade Média, por sua vez, a Igreja Católica exercia, de certa forma, um monopólio sobre o conhecimento, adequando-o à visão religiosa e utilizando-o como instrumento de dominação. Nesse sentido, o período medieval foi intitulado, pelos pensadores iluministas, de “Idade das Trevas”, expressão que se opunha àquela usada por eles para se referir ao século XVIII, o “Século das Luzes”. De modo alegórico, a mencionada antítese refletia o caráter que então se pretendia dar ao conhecimento cientifico, capaz de afugentar o breu da ignorância e, como uma lanterna, iluminar o caminho a ser seguido em direção ao aperfeiçoamento da sociedade, pensamento posteriormente reforçado pelo filósofo francês Auguste Comte. Em sua visão teleológica, o intelectual elaborou a Teoria dos Três Estágios, elencando a ciência como meio a partir do qual a humanidade poderia evoluir até atingir o Estágio Positivo ou Científico, que simbolizaria o máximo grau de desenvolvimento.

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Sem embargo, a despeito dos discursos iluminista e positivista, o aprimoramento do conhecimento evidenciou outras contradições: a Revolução Industrial inaugurou novas relações de exploração; as Guerras Mundiais estimularam a criação de armamentos potencialmente destrutivos; a Guerra Fria tornou a ciência um campo, agora oficial, de disputa; e a globalização incentivou o surgimento de uma nova maneira de exclusão social, vinculada ao acesso desigual às tecnologias digitais. A partir disso, pode-se perceber a clara materialização da teoria desenvolvida pelos frankfurtianos Theodor Adorno e Max Horkheimer, responsáveis por analisar a denominada “razão instrumental”. Segundo eles, o conhecimento teria se tornado um importante instrumento de dominação, ampliando a capacidade de interferência do homem sobre a natureza, como corrobora a intensificação de problemas ambientais, e sobre o próprio homem, a exemplo do emprego de tecnologia nuclear como forma de dissuasão no contexto geopolítico mundial.

Desse modo, em virtude dos aspectos abordados, constata-se o papel ambíguo da ciência na realidade contemporânea, pois, paralelamente às facilidades de transporte, comunicação e entretenimento disponíveis atualmente, fica evidente que a instrumentalização da razão representa uma fonte propulsora das hodiernas relações de poder. Consequentemente, apesar de desafiador, o uso consciente e democrático da ciência é indispensável para rechaçar a situação de permanente guerra prevista pela teoria humanitista e consolidar o conhecimento como alicerce do tão almejado desenvolvimento, conforme sonhavam Platão e Comte.

 

Abaixo, uma outra redação nota 50 da Fuvest 2020. Esta, do estudante Yuri Diniz Motta Petrov, também do curso de Medicina da USP Pinheiros.

A ciência libertadora contra a racionalidade instrumental

Há mais de dois mil anos, Platão discorria, no Mito da Caverna, sobre o início do processo de transposição da doxa – pensamento calcado em opiniões e senso comum – em direção à episteme ou à verdade. A partir disso, segundo ele, a razão e o contato com o conhecimento permitiram que o homem se desvencilhasse das amarras da ignorância e chegasse à luz – signo para o pensamento racional e para a liberdade proporcionada por ele. Modernamente, um grande mantenedor da razão e da liberdade é a ciência, que, por meio de seus métodos, ajuda na distinção do falso e da verdade e, se realizada com as intenções corretas, colabora para a maioridade dos indivíduos e para a manutenção das democracias. Porém, sem um simultâneo desenvolvimento moral e ético, ela pode se tornar um instrumento de manipulação e consolidação de privilégios.

O método e o pensamento científicos baseados na dúvida metódica do filósofo Descartes, ao superar os laboratórios e chegar ao ensino básico e à vida das pessoas leigas, fomentam, na população, um senso crítico e uma compreensão da realidade mais eficientes. Para esse filósofo, o indivíduo que busca o conhecimento deve sempre duvidar daquilo que vê e ouve, fazer uma análise íntegra dos fatos e das suas origens para, depois, tirar conclusões sobre o que é verdade ou não. Com isso, a episteme pode se aproximar do homem, a doxa pode ser finalmente transposta e a humanidade pode atingir o que o filósofo Kant chamou de maioridade, ou seja, autonomia de pensamento para o indivíduo, sem a interferência de outros. Dessa forma, o pensamento científico, por proporcionar às pessoas senso crítico e independência de raciocínio, possibilita que elas sejam agentes de suas próprias vidas, saibam agir diante de líderes populistas que usam discursos falaciosos para angariar apoio popular, consigam interpretar suas realidade e, com autonomia, exigir de seus governantes as mudanças necessárias. Todavia, o descaso com a ciência por parte dos políticos impede que ela seja inserida na vida das pessoas desde a educação básica e afasta os indivíduos de seus benefícios.

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Esse descaso e o distanciamento entre população e ciência não são apenas por incapacidade dos políticos ou falta de verbas, estão também relacionados com uma tentativa de privar as massas de liberdade e de capacidade de raciocínio. Segundo os filósofos Adorno e Horkheimer, a ciência e a razão podem ser usadas como instrumentos para manter o status quo de desigualdades, injustiças e privilégios e, a partir da racionalidade instrumental, os mais poderosos e privilegiados usam a ciência não como forma de obter progresso coletivo, mas sim vantagens individuais. Tais agentes, deliberadamente, usam a tecnologia para disseminarem fake news e, assim, interferirem nos recentes processos eleitorais americano e brasileiro ou para, inclusive, descreditar a própria ciência, como aconteceu no espalhamento da ideia de que os dados do INPE sobre as queimadas e desmatamento na Amazônia eram mentirosos e exagerados. Logo, sem uma ética consolidada, a ciência pode ser uma ferramenta para a manutenção, paradoxalmente, do senso comum, da ignorância e da escuridão da caverna da menoridade.

A iluminação ou a maioridade causadas pelo pensamento científico são, portanto, uma forma de o indivíduo contemporâneo atingir sua liberdade de raciocínio e, assim, defender a democracia da manipulação, falácias e fake news e, até mesmo, proteger-se da própria ciência quando ela assume a forma de racionalidade instrumental nas mãos dos mais poderosos. Distante do pensamento científico, o homem não se defende da manipulação deliberada e retorna à doxa.

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