Ela tirou 980 na redação do Enem: “Só se aprende quebrando a cara”
Ester Pereira focou nos erros para melhorar sua escrita. Para tirar os 980 pontos na redação, ela citou o Censo, a colonização e comentou o noticiário
“A única forma de evoluir na redação do Enem é descobrindo onde você erra”, essa é a maior dica que Ester Benitz Pereira, de 20 anos, tem para quem está se preparando para a prova deste ano. A carioca quase gabaritou a redação do ano passado, cujo tema era “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil“: ela tirou 980 pontos no total. “O erro ajuda muito. A gente vai lá e quebra a cara e depois aprende”, diz.
De fato, Ester, que passou direito do terceiro ano do Ensino Médio para o curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), se preparou escrevendo uma redação a cada duas semanas – e reescrevendo tudo depois. “Eu pegava o feedback da redação, e circulava as partes em que o corretor apontava os problemas. Depois eu reescrevia o texto inteiro e levava de volta para a sala de aula para o professor ver”, conta a estudante.
Para chegar à redação quase perfeita, Ester se matriculou em um cursinho dedicado à produção de textos para o Enem, já que fez parte de seus estudos em uma escola municipal, que não era voltada para provas e vestibulares. Antes de passar direto, Ester já havia feito o Enem 3 vezes como treineira, entre 2019 e 2021, e sempre tirou notas altas: 920, 800 e 940 pontos. Com os 980 pontos do ano passado, ela conseguiu ser aprovada na UFRJ, na USP e na PUC, pelo Prouni.
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Leia a seguir a íntegra do texto da Ester, que só perdeu 20 pontos na Competência 3, que avalia a capacidade do participante de organizar informações e argumentos na defesa de um ponto de vista. A análise feita por Vanessa Botasso, coordenadora de Redação do Poliedro Curso de Campinas.
É evidente que o Brasil apresenta uma grande diversidade de povos e comunidades nativas que representam, portanto, elementos essenciais para a formação da identidade cultural nacional. Entretanto, existem entraves para a valorização de tais povos, estes são: o turismo de massa e o apagamento em nome dos ideais de progresso econômico.
Comentário da professora:
A introdução situa a proposta temática, mas deixa de contextualizá-la de maneira produtiva, o que pode ser evidenciado pela falta de informações que situem quem são os povos e comunidades tradicionais e quais são as situações ou circunstâncias que justificam a necessidade de sua valorização pela sociedade em geral. Tendo-se em vista a falta de uma boa contextualização, verifica-se uma relação frágil entre a apresentação do tema (povos e comunidades tradicionais são importantes) e os argumentos selecionados para a defesa do ponto de vista sobre esse tema (turismo de massa e apagamento), pois não têm uma situação-problema evidente que sirva como ponto de partida para a análise da questão social proposta. Apesar dessa fragilidade na coerência de seu projeto de texto, a introdução destaca dois argumentos pertinentes ao tema, o que revela um bom domínio da estruturação da dissertação argumentativa por se tratar de uma tese clara que, nos parágrafos seguintes, organizará a sequência dos parágrafos de desenvolvimento.
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Diante disso, vale ressaltar, em primeiro ponto, os malefícios do turismo massivo. Nesse sentido, o portal de notícias G1 publicou em 2016 uma matéria sobre a atividade turística em uma aldeia no Mato Grosso, na qual os nativos apontaram um grande desrespeito dos visitantes com a natureza e os rituais adotados pela tribo em seu modo de vida. A partir disso, o relato demonstra o despreparo e falta de informações das operadoras turísticas na promoção de uma experiência de integração com as comunidades locais.
Comentário da professora:
Se, por um lado, a introdução apresenta fragilidades, o primeiro parágrafo de desenvolvimento consegue expandir, de maneira coerente, o primeiro argumento selecionado: malefícios do turismo de massa. Esse argumento é apresentado em um tópico frasal claro, seguido de uma informação que situa a realidade dos nativos de terras exploradas pelo turismo irresponsável, servindo para destacar o desrespeito às culturas tradicionais. Vale destacar que a informação é uma contribuição do repertório externo, decorrente dos conhecimentos de mundo da candidata, visto que não constava nos textos motivadores apresentados na coletânea. Na conclusão do argumento, é interessante a responsabilização não apenas dos turistas, mas também das agências por seu despreparo, uma estratégia argumentativa interessante para se discutir um problema social que não se restringe apenas às más ações governamentais. No entanto, tal responsabilidade não apresenta relação clara com as ideias desenvolvidas até este ponto do parágrafo, o que representa uma lacuna pontual no detalhamento do argumento.
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Outrossim, cabe salientar o apagamento de povos tradicionais em nome do progresso econômico. Tal problemática é evidenciada pelo levantamento feito pelo Censo do IBGE de 2010, que estimou a existência de 274 línguas nativas sendo faladas atualmente no Brasil, enquanto, antes da colonização portuguesa, haviam cerca de 1000 idiomas. Isso ocorre por conta das recorrentes expulsões e assassinatos em massa, que forçam os povos tradicionais a se integrarem ao modo de vida urbano, em nome da expansão do agronegócio e da urbanização.
Comentários da professora:
Neste parágrafo, vemos outro tópico frasal bem delimitado para o desenvolvimento do segundo argumento: o apagamento dos povos tradicionais. Assim como no parágrafo anterior, a candidata inicia a expansão do seu argumento apresentando uma informação de seu repertório de conhecimentos, a qual é usada para resgatar a aculturação de nativos indígenas durante o período do Brasil Colônia. Tal processo fundamenta a afirmação feita a seguir, de que os valores prestigiados pela cultura dos colonizadores (a economia e o desenvolvimento urbano) se sobrepuseram aos dos povos originários, destacando-se, assim, a razão pela qual a valorização desses grupos sociais é ainda um objetivo distante na atualidade. Vale destacar que, entre os parágrafos de desenvolvimento e dentro de cada um deles, nota-se um bom uso de recursos coesivos (como é o caso da conjunção “outrossim” para marcar o início do terceiro parágrafo e do pronome demonstrativo “isso” utilizado para retomar as ideias apresentadas no segundo e no terceiro parágrafo para, em seguida, finalizá-los). Ainda neste parágrafo, vemos o primeiro e único desvio gramatical cometido no texto, atribuído à flexão do verbo “haviam”, que, por ser impessoal, deveria ter sido mantido no singular (“havia”).
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Logo, medidas são necessárias para sanar tal problemática. Sendo assim, é necessário que o governo – responsável por promover o bem-estar social – promova a fiscalização das leis de preservação aos povos nativos e ao meio ambiente e, de igual modo, viabilize a formação de profissionais capacitados para a promoção da experiência turística de contato com as comunidades locais. Dado o exposto, o intuito de tal medida é promover a valorização dos povos tradicionais do Brasil.
Comentário da professora:
Para finalizar seu texto, a candidata retoma o objetivo principal da redação, que se realiza na apresentação de propostas de solução para o problema analisado. Para isso, o texto apresenta uma proposta de ação completa, contendo os cinco elementos requisitados na prova do Enem como necessários para a validação desse critério: um ator social claro (governo), que aparece de forma detalhada (responsável por promover o bem-estar social), uma ação bem definida (promover a fiscalização) e o claro efeito dessa ação (promover contato). Pode ter havido certa dúvida, por parte dos avaliadores, quanto à clareza do modo/meio para a concretização da ação, o que deve ter se resolvido com a leitura de que a formação de profissionais cumpriria tal papel no detalhamento da medida de solução. Para fechar o texto, a autora retoma a frase temática da prova, que serve como uma estratégia de alinhamento entre os parágrafos em torno de um mesmo tema.
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