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A história do Brasil contada pelo Censo Demográfico

Recenseamento de 1872 contou população de 1,5 milhão de escravizados e mostrou país pouco alfabetizado

Por Paulo Zocchi
Atualizado em 15 dez 2022, 11h44 - Publicado em 15 dez 2022, 11h35

O Censo no Brasil está mal das pernas: marcado para 2020, foi inviabilizado pela pandemia e, no ano seguinte, pela decisão do governo federal que não destinou recursos para a sua realização. Agora, com dois anos de atraso, não conseguiu cumprir a previsão de levantamento dos dados de agosto a outubro de 2022, e a coleta está prevista para terminar só em janeiro de 2023.

Nem parece que o primeiro Censo Demográfico no Brasil aconteceu há 150 anos! Quando foi feito, forneceu um primeiro retrato da população brasileira. Graças a ele, podemos hoje medir melhor as mudanças ocorridas e o caminho percorrido por nosso país neste tempo, como você verá adiante.

Quem organiza hoje o recenseamento (outra palavra para o censo) é o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que planejou recrutar mais de 180 mil recenseadores para o trabalho. Acontece que, em novembro, só havia contratado 95 mil. Vem daí o atraso.

Os recenseadores têm de percorrer todos os 5.570 municípios brasileiros, batendo na porta de todos os 75 milhões de domicílios para verificar quantos moradores há em cada um, bem como obter respostas para um rol de perguntas – que abrange suas idades, cor e raça, grau de escolaridade e renda, entre muitas outras coisas. O questionário básico, a ser respondido por todos, tem 26 questões; o maior, aplicado em parte dos domicílios, é composto por 77 perguntas.

Políticas públicas

O IBGE é o órgão responsável pela realização do Censo Demográfico
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) durante o primeiro teste preparatório do Censo Demográfico 2022, na Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro. (Tânia Rego/Agência Brasil)

A começar pela contagem do número de habitantes de uma cidade, estado e do Brasil, o Censo levanta as informações básicas para a elaboração de políticas públicas. Com esse objetivo, já era realizado, desde a Antiguidade, em lugares como China, Grécia e no Império Romano.

Ao apurar a quantidade de idosos e sua longevidade, o Censo fornece os dados para que se planejem os sistemas de aposentadoria. Quando conta o número de crianças por faixa etária, permite estruturar com mais precisão o tamanho da rede escolar, atacando os gargalos. As informações sobre a estrutura dos domicílios são decisivas para o planejamento habitacional. A contagem da população de baixa renda determina o volume de recursos para programas de auxílio alimentar.

Como se vê, a realização do Censo Demográfico é estratégica para o país. No Brasil, ele é previsto para ocorrer a cada dez anos, desde 1940. Neste período, só atrasou duas vezes: o Censo de 1991 (governo Collor) e o atual, de 2022 (governo Bolsonaro).

Uma explicação básica: mesmo sendo realizado ao longo de meses, há uma única data de referência para todas as informações coletadas: 1º de agosto de 2022. Se o Censo chega num domicílio e nasceu um bebê em setembro de 2022, ele não é contado, nem considerado no conjunto de informações apuradas. Ao contrário, se um idoso morreu em outubro de 2022, entra nas informações do Censo. A data de referência ajuda a dar consistência ao resultado final do recenseamento.

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Censo de 1872

Quando o primeiro Censo foi realizado, o Brasil tinha como governante o imperador D. Pedro 2º, a escravidão era legal e a população morava, em sua grande maioria, na zona rural. Foi conduzido pela então recém-criada Diretoria Geral de Estatística do Império, e contou uma população total de 9.930.478 habitantes. Um século e meio depois, o número de brasileiros é estimado em 215 milhões de pessoas (o número exato, para mais ou para menos, saberemos ao final do atual recenseamento). Ou seja, a população cresceu mais de 20 vezes!

Neste período de tempo, a ocupação do território brasileiro mudou bastante. Há 150 anos, os Estados que hoje compõem a região Nordeste tinham 47% da população nacional, e o Sudeste vinha em seguida, com 41%. O Centro-Oeste, por sua vez (naquela época, Mato Grosso e Goiás), tinha 2,2% da população recenseada, com apenas 221 mil habitantes (menos de 10% dos que vivem hoje só em Brasília, a maior cidade da região, fundada em 1960).

Atualmente, o Nordeste abriga apenas 28% dos brasileiros (em boa parte, pela forte emigração de sua população, que, durante o século 20, espalhou-se por todo o Brasil), sendo que o Sudeste lidera o número de habitantes, concentrando em seus Estados 42% da população brasileira.

Gráfico população brasileira de acordo com o censo
(Julia Ruivo/Guia do Estudante)

Outra mudança importante no período é que, atualmente, cerca de 90% dos brasileiros vivem em zonas urbanas, e só uma pequena parcela na zona rural.

Escravidão

regresso de um proprietário

Ao olhar os resultados do Censo de 1872, salta à vista a realidade de um país no qual a escravidão era lei: na folha de abertura da apresentação de seus resultados, as estatísticas são separadas em tabelas relativas às pessoas “livres” e à “população escrava”, que não tinha cidadania, nem o direito de responder diretamente ao recenseador. O próprio fazendeiro se incumbia disso, pois quem respondia ao questionário era o “chefe de família”.

A distorção decorrente aparece claramente no quesito “religião”, no qual 100% dos escravizados são considerados “católicos”: contam-se 1.510.806 escravos no país (homens, mulheres e crianças), e nem um único aparece como “acatólico”, a expressão que designava as demais crenças – ignorando-se a adesão de muitos às religiões de matriz africana.

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O Censo de 1872 aponta que os escravos correspondiam a 15% da população nacional. Os maiores números de escravizados estavam nos Estados de Minas Gerais (370 mil), Rio de Janeiro (340 mil), Bahia (168 mil) e São Paulo (157 mil).

Educação

O Brasil de 150 anos atrás era um país muito pouco escolarizado. O dado apurado no recenseamento referia-se somente à alfabetização: apenas 1,56 milhão de brasileiros sabia ler e escrever (só 16% da população), e, entre os escravizados, os alfabetizados eram menos de um milésimo (cerca de 1.400 pessoas).

Naquela época, entre a população em idade escolar, dos 6 aos 15 anos, apenas 17% frequentava a escola (321 mil crianças), enquanto a enorme maioria das crianças (1,58 milhão) não tinha acesso ao ensino formal. No Brasil de então, começava-se a trabalhar muito cedo, e a maioria das pessoas chegava à vida adulta sem nenhum letramento. Mas desde a Constituição de 1988, a ida à escola é obrigatória para todas as crianças até os 14 anos. O analfabetismo ainda existe, mas diminui sempre, e atinge agora 6,6% dos brasileiros adultos.

Outra mudança importante é que, em 1872, entre os alfabetizados, 2/3 eram homens. Atualmente, as mulheres, na média, têm grau de instrução maior do que os homens no Brasil.

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Cor e raça

O Brasil de 150 anos atrás tinha uma população com menor porcentagem de brancos do que hoje, pois historicamente o país havia sido povoado pelos indígenas, por uma pequena elite de portugueses e por milhões de pessoas escravizadas trazidas à força do continente africano. Tomando-se o último recenseamento (o de 2010) como base segura de comparação, veja a mudança abaixo.

Gráfico raça no Brasil segundo o censo
(Julia Ruivo/Guia do Estudante)

Boa parte dos estudiosos de população considera que o Brasil de hoje é um país de maioria negra, somando-se os dados de “pretos” e “pardos” (mais de 50% da população). A população branca não é maioria, mas o seu crescimento considerável desde a época imperial tem uma explicação histórica: a política de Estado de substituição da mão-de-obra escrava pela de imigrantes europeus, atraídos para o Brasil em massa a partir da segunda metade do século 19, principalmente no período posterior à realização desse primeiro censo, e após a abolição da escravidão (1888) e o fim do Império, com a proclamação da República (1889). Entre os europeus, além dos portugueses, imigraram principalmente italianos, espanhois e alemães, que marcaram profundamente a composição das populações, especialmente no Sul e Sudeste do Brasil. 

Um aspecto relevante da fratura social que marca o país ainda hoje – com uma das maiores concentrações de renda do mundo – foram as condições adotadas no final da escravatura. Não houve políticas públicas que distribuíssem terras aos escravizados recém-libertos (reforma agrária), embora o Estado brasileiro tivesse grandes territórios desocupados de sua propriedade (chamados de terras devolutas), nem que fornecessem educação ao enorme contingente de iletrados. Negaram-se os meios de ascensão social aos brasileiros nativos, usando-se as políticas de Estado para ampliar a presença europeia na população do país.

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Mesmo com suas limitações e, com certeza, imprecisões, o Censo de 1872 oferece um conjunto amplo e detalhado de preciosas informações que trazem um retrato daquele Brasil antigo. Se tiver interesse, você pode consultar o conjunto de seus resultados, olhando a publicação da época disponível aqui.

O espantoso é que hoje, passado um século e meio, considerando todo o avanço tecnológico e a riqueza acumulada neste país, o Brasil ainda tenha dificuldade para fazer o Censo no prazo. Quando o recenseador chegar em sua casa, não deixe de atendê-lo com toda a atenção, para que leve as informações mais corretas possíveis. Bom Censo!

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