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Felipe Neto, Daniel Silveira e a Lei de Segurança Nacional

Lei foi usada contra o youtuber que criticou Bolsonaro e o deputado preso por pedir a volta do AI-5. Entenda por que os casos são diferentes

Por Juliana Morales
Atualizado em 4 Maio 2021, 20h07 - Publicado em 25 fev 2021, 14h50

Em fevereiro, a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) colocou em pauta a Lei de Segurança Nacional. No mês seguinte, a LSN voltou à pauta: desta vez contra Felipe Neto. O youtuber foi acionado em um inquérito na Polícia Civil do Rio de Janeiro por qualificar de “genocida” o presidente Jair Bolsonaro.

Ficou confuso com a aplicação da lei, o contexto e os apontamento sobre ela? O GUIA explica!

Caso Felipe Neto

Em meio ao recorde de mortes pelo novo coronavírus, o influenciador Felipe Neto usou seu Twitter para criticar a condução do presidente na pandemia. Na postagem, ele chamava Jair Bolsonaro de “genocida”, o que levou o vereador Carlos Bolsonaro a protocolar uma queixa-crime contra o youtuber. O filho do presidente alega que Felipe cometeu calúnia e crime com base na Lei de Segurança Nacional.

Na quinta-feira (18), a Justiça decidiu suspender a investigação por julgar que ela não pertence à Polícia Civil, mas à Polícia Federal. A decisão também considerou que não cabia ao filho do presidente requerer tal apuração.

Segundo especialistas, Felipe Neto fez uma crítica política (garantida pelo direito à liberdade de expressão) e não deveria ser enquadrado na LSN. Em vídeo após ser intimado a depor, o youtuber mostrou preocupação com a perseguição a opositores do governo, característica de um regime autoritário (a Lei de Segurança Nacional, aliás, é um resquício da ditadura militar no Brasil, embora também sirva para proteger o Estado democrático).

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A mesma LSN também foi usada contra um sociólogo que decidiu colocar dois outdoors em Palmas (TO) com críticas a Bolsonaro. Em uma delas, dizia que o presidente valia menos que um “pequi roído”. Um simpatizante do governo pediu, então, que a Polícia Federal investigasse o suposto “crime de lesa-pátria”. O caso acabou arquivado, mas foi reaberto a pedido do ministro André Mendonça. Em despacho, o titular da Justiça e Segurança Pública pede “imediata apuração de crime contra a honra do presidente da República”.

O autor dos outdoors conta que a ideia era se contrapor a outdoors que elogiavam o governo. E, na opinião de especialistas, mais uma vez, o caso é de crítica política, respaldada pela liberdade de expressão. Se os ataques fossem à pessoa de Jair Bolsonaro, e não à sua atuação pública, poderiam ser enquadrados como injúria, um caso menor que não costumava gerar processos judiciais no histórico da política brasileira.

Na tarde de quinta-feira (18), manifestantes que estenderam uma faixa chamando Bolsonaro de “genocida” em frente ao Palácio do Planalto chegaram a ser presos pela Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional. Mas foram liberados após depoimentos.

Já o caso de Daniel Silveira, como veremos abaixo, é diferente: ele incita agressões e ações contra a ordem democrática, o que não aconteceu nas manifestações de Felipe Neto e do sociólogo do Tocantins.

Deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ)
Deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) (Câmara dos Deputados/Reprodução)

Caso Daniel Silveira

Daniel Silveira é um deputado bolsonarista e entusiasta do AI-5, ato institucional que permitiu o fechamento do Congresso Nacional pela ditadura militar no final de 1968. Ele é, inclusive, um dos investigados sobre a organização de atos antidemocráticos em Brasília, em abril de 2020. Aberto pelo procurador-geral da República Augusto Aras, o inquérito apura se houve violação da Lei de Segurança Nacional. 

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No dia 16 de fevereiro, Silveira publicou um vídeo atacando todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No conteúdo divulgado em suas redes sociais, o deputado diz que os onze ministros da Corte deveriam ser destituídos para a nomeação de novos ministros, já que eles “não servem pra por** nenhuma pra esse país” e “não têm caráter, nem escrúpulo, nem moral”.

O ministro do STF Alexandre de Moraes usou como base a Lei de Segurança Nacional para ordenar a prisão de Silveira – agora convertida em prisão domiciliar. Um dos artigos citados foi o 18, que classifica como crime o ato de ‘’tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos estados”.

A prisão foi confirmada pelos plenários da Corte e da Câmara. Nesta quarta-feira (28), o STF decidiu manter por unanimidade a denuncia, tornando Silveira réu.

Lei de Segurança Nacional: passado e presente

O primeiro texto relacionado à Segurança Nacional foi aprovado em 1935, durante o governo de Getúlio Vargas. Em resposta à Revolta Comunista, liderada por Luís Carlos Prestes, da Aliança Nacional Libertadora, Vargas usou a lei para deslegitimar o partido de oposição. No ano seguinte, em 1936, foi criado o Tribunal de Segurança Nacional, órgão ligado à Justiça Militar usado até o fim do Estado Novo (1937-1945) como instrumento de perseguição a opositores do regime.

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Após a redemocratização, em 1953, um nova lei definiu os crimes contra o Estado e a ordem política e social. A Justiça Militar era a responsável pelo julgamento dos crimes contra a segurança externa. E, em geral, os atos contra a segurança interna eram julgados pela Justiça comum.

A definição ficou assim até o golpe militar de 1964. Em 1965, por meio do Ato Institucional nº 2, a Justiça Militar voltou a ter a competência de julgar todos os crimes políticos cometidos contra civis e militares. 

Em 1967, foi instituída a primeira Lei de Segurança Nacional da ditadura militar. Esse decreto começou a refletir os princípios da Doutrina de Segurança Nacional da época, sob influência da Guerra Fria. Era disseminada a ideia de que o Brasil precisava combater a ameaça comunista. A LSN, então, reforçava a lógica de combater um inimigo nacional, seja externo ou interno.

Em 1969, o governo aprova uma lei ainda mais rígida, que permitia prisão perpétua e até pena de morte para crimes contra a segurança nacional. As punições só foram atenuadas em 1978, quando foram feitas alterações na lei.

Em 14 de dezembro de 1983, o último presidente militar, João Batista Figueiredo (1979-1985), promulgou a LSN utilizada até os dias atuais.  A lei “define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento”.

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Mesmo com o fim definitivo do regime militar, a lei não passou por mudanças. E aí encontra-se uma contradição, segundo especialistas: a lei atual de proteção à democracia do país tem suas raízes num governo antidemocrático. E ainda não foi adaptada para o novo sistema constitucional (não-autoritário).

Desde 1991, 23 projetos tentaram revisar a redação da Lei de Segurança Nacional. Como explica reportagem do Estadão, a principal crítica feita pelos especialistas é que, além de trazer resquícios autoritários, a LSN tipifica crimes de forma vaga: “No artigo 23, por exemplo, fala em subversão da ordem pública e social, mas sem definir o que isso significa”. Isso dá margem ao uso da lei para afligir princípios democráticos, como a liberdade de expressão, em um cenário político polarizado.

Nesta terça-feira (4), a Câmara aprovou um texto-base que revoga a Lei de Segurança Nacional, contrariando os interesses do governo Jair Bolsonaro, que tem usado a lei para investigar opositores e críticos. Os deputados ainda devem discutir os detalhes, mas o novo texto prevê punições para incitação à guerra civil, insurreição e espionagem.

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LSN no governo Bolsonaro

Em entrevista ao PolitizeDavi Tangerino, professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), falou sobre essa falta de precisão na descrição dos crimes enquadrados na LSN. Ele diz que usar a lei contra manifestantes contrários à democracia é justificável, mas utilizá-la contra cartunistas, críticos do governo e servidores da saúde “é confundir um assunto de Estado com uma questão de segurança nacional”.

Na fala, o professor refere-se ao pedido do presidente Jair Bolsonaro de que Ricardo Noblat fosse investigado devido à publicação em suas redes sociais de uma charge que criticava o incentivo do presidente a invasões a hospitais para divulgar a situação dos leitos na pandemia. E também à vez em que servidores da saúde foram obrigados a assinar um termo de sigilo que previa que qualquer vazamento de informação do Ministério da Saúde poderia ser enquadrado na LSN.

Especialista em Direito Internacional, José Nantala Bádue Freire explica ao Estadão que, para uma infração ser considerada na LSN, a manifestação deve incitar expressamente a violência e a agressão às instituições em si: “Críticas às pessoas dos governantes, suas posições políticas, suas ideologias e etc., ainda que mais ácidas, são normalmente relevadas ao âmbito pessoal e, portanto, tratadas nos âmbitos do direito penal e do direito civil ‘comuns’”, afirma. Poderiam ser enquadrados como incitação à violência ou difamação, por exemplo.

Segundo dados levantados pela Folha de S. Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação, o número de investigações abertas para verificar possíveis violações da LSN bateu recorde no governo Bolsonaro. No total, trinta inquéritos foram instaurados de janeiro de 2019 a junho de 2020. É o maior número registrado nos últimos cinco anos.

Futuro da lei

Especialistas defendem mudanças na lei atual ou a criação de uma nova legislação de proteção à democracia. Daniel Sarmento, professor titular de Direito Constitucional da Uerj, acredita que, apesar de a LSN ser autoritária, ela pode ser aplicada pelo filtro da Constituição de 1988, em defesa à democracia. “A abertura de um inquérito sobre o tema teria importância simbólica, passando a mensagem de que as instituições não vão tolerar a defesa da ditadura”, argumentou o jurista à BBC News Brasil.

Ainda não há certezas sobre a reformulação da lei, mas uma coisa é certa: a sua aplicação e seus desdobramentos ainda vão gerar muito embate político.

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