Vivemos em um mundo no qual é muito difícil de imaginar que, há algumas décadas, era comum que as pessoas morressem por doenças como rubéola, meningite, poliomielite e tétano. Com a evolução da medicina e o desenvolvimento de vacinas, essas enfermidades se tornaram raras e passaram a ser vistas como algo de um passado distante.
Tão distante que a importância da vacinação está em risco. Grupos que criticam a forma como as imunizações são realizadas, os chamados antivacinas, têm crescido.
Por ser uma questão que interfere na saúde mundial é importante considerar o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o assunto. E ela não poderia ser mais clara. A organização divulgou uma lista das 10 grandes ameaças à saúde em 2019 e, entre elas, estava o medo de vacina. A questão foi apontada como um dos problemas que mais poderia causar vítimas neste ano.
A vacina é a forma mais eficiente de prevenir uma série de doenças. Dados divulgados pela OMS apontam que a medida é responsável por evitar de 2 a 3 milhões de mortes por ano, atualmente.
A decisão de não vacinar mais os filhos pode parecer algo individual. Mas, na verdade, é uma questão de saúde pública.
Uma decisão coletiva
A partir do momento em que crianças não são mais vacinadas cria-se um grupo suscetível a contrair determinadas doenças. Como portadoras dos agentes infecciosos, elas acabam propagando enfermidades para outros dois grupos: os que também escolheram não tomar vacinas, mas também os que, por algum motivo, não podem tomá-las e estariam vulneráveis. Nesse último caso, encontram-se os que ainda não têm idade para serem imunizados contra certas doenças e os que têm alguma deficiência imunológica. Com isso, a sociedade fica ainda mais exposta a surtos.
Em resumo, quanto mais pessoas se vacinarem, mais a população como um todo estará protegida. Esse fenômeno no qual a maioria da população é vacinada, controlando a disseminação de doenças e protegendo quem ainda não se vacinou, é chamado de efeito rebanho ou imunidade de grupo.
A origem do movimento
Apesar de já existirem pessoas que desconfiavam da eficiência e segurança da vacina, a comunidade médica acredita que o movimento antivacina teve um estopim. Em 1998, o médico britânico Andrew Wakefield publicou um estudo em uma respeitada revista científica, a Lancet. Nele, Wakefield relacionava a vacina tríplice viral, que previne contra a caxumba, o sarampo e a rubéola, ao autismo.
Das 12 crianças com autismo analisadas no artigo, oito teriam manifestado a doença duas semanas depois da aplicação da vacina. A teoria era de que o sistema imunológico havia sofrido uma sobrecarga com a imunização.
Um tempo após a publicação, o estudo começou a ser questionado. O médico estava envolvido com advogados que queriam lucrar a partir de processos contra fabricantes de vacinas. Além disso, ele utilizou dados falsos e alterou informações sobre os pacientes. Após a confirmação do caso, a Lancet se retratou e retirou o estudo de seus arquivos.
Mas depois que algo dessa gravidade chega na população como confiável, fica difícil desfazer o estrago. Até hoje, muitas pessoas citam o estudo, relacionando não apenas a tríplice viral com o autismo, mas vacinas de modo geral.
As consequências dessa confusão afetam o presente, com pais deixando de vacinar seus filhos e impulsionando o retorno de doenças que estavam praticamente erradicadas.
Neste ano, a OMS declarou que os surtos de sarampo que estão ocorrendo se devem à falta de cobertura da vacina em certas regiões. Cerca de 110 mil pessoas morreram por causa da doença em 2017.
O que os antivacinas argumentam
Para esse grupo, o correto seria iniciar a vacinação quando a pessoa estivesse com o sistema imunológico mais “maduro”. Além disso, acreditam que as vacinas deveriam ser dadas uma de cada vez (sem a aplicação de uma dose única para mais de uma doença) e que o tempo entre uma dose e outra deveria ser maior. A justificativa das pessoas que defendem esse movimento é que aplicar doses combinadas ou simultâneas causaria uma suposta sobrecarga imunológica.
Vale ressaltar que a OMS já declarou que a administração de várias vacinas ao mesmo tempo não causa problemas à imunidade. Ela também defende essa medida para evitar um desconforto na criança, de ter que se submeter a diversas doses, e para ela não precisar ir a centros de saúde inúmeras vezes, economizando tempo, dinheiro e não deixando que ela fique ainda mais exposta a outras doenças que poderiam ser transmitidas nesses locais.
Estudos apontam que a ausência de vacinas na infância aumentaria drasticamente a mortalidade infantil. No século 20, uma em cada cinco crianças com menos de 5 anos morria de alguma doença infecciosa.
Também já foi constatado que os bebês podem ser capazes de ter respostas imunológicas antes mesmo de nascerem. Estima-se que uma criança já seria capaz de responder a aproximadamente 10 mil vacinas. Logo, os especialista concluíram que se elas recebessem 11 simultaneamente, apenas 0,1% do sistema imunológico estaria sendo utilizado. Vale lembrar que até os 2 anos, elas tomam cerca de 33.
A eficácia das vacinas já foi mais do que provada pela ciência, pela medicina, pelas estatísticas. Dois milhões de pessoas salvas por ano, ou quatro vezes a Guerra Civil Síria, não são um número qualquer.