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Entrudo, a festa abominada que deu origem ao Carnaval no Brasil

De origem portuguesa, o primeiro carnaval de rua do Brasil era visto como "grosseiro" e "incivilizado" pelas elites

Por Taís Ilhéu
8 fev 2024, 12h42
A obra "Jogos durante o carnaval no Rio de Janeiro (Entrudo familiar)", pintada em 1822 por Augustus Earle
A obra "Jogos durante o carnaval no Rio de Janeiro (Entrudo familiar)", pintada em 1822 por Augustus Earle (Augustus Earle/Wikimedia Commons)
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Fevereiro de 1849, últimos dias antes da quaresma, período de penitência na Igreja Católica. Nas ruas, centenas de pessoas se reúnem para brincadeiras um tanto… peculiares. Atiram uns nos outros farinha, polvilho, limões de cheiro (uma espécie de bolinha feita de cera e recheada de líquidos, cheirosos ou não), e até baldes d’água suja. É o entrudo – festa popular herdada dos portugueses e a primeira manifestação carnavalesca do Brasil.

O festejo trazido pelos colonizadores em meados de 1640 fez sucesso no Brasil por mais de dois séculos, celebrado dentro das casas e principalmente nas ruas. No entanto, a fama que o entrudo já carregava em Portugal, de uma festa grosseira e incivilizada, também desembarcou por aqui. O primeiro carnaval de rua conhecido no Brasil foi aos poucos sendo rejeitado e acabou até criminalizado.

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Uma festa pagã

Não é à toa que o carnaval não é visto com bons olhos pelas instituições religiosas, em especial pela Igreja Católica. A festança tem origens pagãs (como já explicamos neste outro texto) e com o entrudo, carnaval português, não seria diferente.

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Com origem no latim introitos, que significa “entrada”, a festa foi herdada de antigas tribos lusitanas, que comemoravam por estes dias a chegada da primavera. Era como um rito de fertilidade. Muitos séculos depois, com a instituição do calendário cristão, o entrudo acabou ganhando uma data fixa: os três dias que antecediam o começo da quaresma. É claro que não tem nada de coincidência nisso. Pelos costumes da Igreja, a quaresma é um período de penitência, já que antecede a morte de Jesus Cristo. E os dias antes da penitência ficaram marcados por essa “festa da carne”, onde as regras sociais se afrouxavam, tudo era permitido.

De certa forma, o carnaval guarda essa fama até hoje, mas o entrudo português era especialmente perseguido em comparação a outras comemorações carnavalescas. Relatos da época mostram que a camada mais letrada e as elites não eram os maiores fãs da celebração – embora também entrassem na brincadeira, dos portões de casa para dentro.

O entrudo que acontecia nas ruas, envolvendo líquidos, farinha, água suja e ovos, era visto como uma festa grosseira, violenta e pouco refinada.

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O entrudo em terras brasileiras

Foi entre os séculos 17 e 18 que o entrudo português se estabeleceu e ganhou força no Brasil. Com a adição de um elemento aqui e outro acolá, a festa foi incorporada por diferentes camadas sociais – em 1834, Jean-Baptiste Debret registrou até mesmo escravizados na festa.

Obra de Debret conhecida como Carnaval de Rua Prancha ou Entrudo, pintada em 1834
Obra de Debret conhecida como Carnaval de Rua Prancha ou Entrudo, pintada em 1834 (Domínio Público/Wikimedia Commons)

Mas isso não significa que o carnaval virou uma festa democrática e agregadora, um discurso que circula ainda hoje. “Os dias de entrudo, embora fossem um tempo especial, marcando a rotina com outros significados e sentidos, não implicava a abolição das hierarquias, a quebra do poder social ou político e a suspensão da estratificação social”, explica Patrícia Vargas Lopes Araujo, doutora em História pela Unicamp, no artigo “Outros tempos, outros carnavais“.

Tanto que a repressão tardou, mas não falhou. No século 19, uma forte campanha das elites contra o entrudo veiculada pela imprensa instigou o Estado a criar leis cerceando a festa popular. As brincadeiras nas ruas passaram a ser criminalizadas, enquanto as classes dominantes começavam a criar uma nova tradição.

Um carnaval mais civilizado

O carnaval entrou em disputa. De um lado, o entrudo herdado dos portugueses – a essa altura já com alguns elementos africanos –, visto como “rude” e “selvagem”. Do outro, uma festa que incorporava elementos dos mais finos carnavais europeus, como o de Veneza.

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É neste contexto que surgem os bailes mascarados, por volta de 1840, reunindo membros da sociedade em festas à fantasia. A ideia era criar um novo carnaval que misturasse elementos, sem pertencer, dessa forma, a nenhum lugar e nenhuma época em específico.

“Serão os bailes mascarados capazes de substituir o entrudo e fazêlo desaparecer dos anos costumes?”, questionou o dramaturgo e crítico Martins Pena em um artigo de 1847. 

O entrudo não foi completamente apagado das tradições brasileiras – afinal de contas, pode ser considerado o primeiro carnaval de rua já visto por aqui. Mas a ideia de misturar elementos em um carnaval único também virou. Mais tarde vieram os carros alegóricos, desfiles e o próprio samba, que constituem hoje a festa brasileira conhecida pelo mundo todo.

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