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Independência do Brasil: o que mudou depois da declaração de D. Pedro?

Discussões revisionistas sobre o tema destacam as lutas populares em prol do separatismo e a manutenção do sistema escravocrata mesmo após a independência

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 8 set 2022, 21h41 - Publicado em 6 set 2022, 15h59
Quadro "a proclamação da independência"
Quadro "A Proclamação da Independência", de François-René Moreau. (Revista de História da Biblioteca Nacional/Reprodução)
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Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I declarava a independência do Brasil. Nos 200 anos do acontecimento, vale relembrar os fatos que antecederam e sucederam o grito às margens do rio Ipiranga. Afinal, para além de D. Pedro, que outros atores estavam envolvidos na independência? Qual era o contexto no Brasil e no mundo naquela época? Existiam movimentos populares em prol do separatismo? O que, de fato, mudou na sociedade brasileira após a declaração e o que não sofreu grandes alterações? 

“A maneira como uma sociedade cultiva sua memória determina como ela constrói sua identidade. Sendo assim, quando uma narrativa limita um complexo processo histórico de independência a um único dia no qual um indivíduo (no caso, um heroico príncipe europeu) teria libertado sozinho toda uma nação a partir de seu intrépido gesto de rebeldia, o que isso diz a respeito da sociedade que celebra esse tipo de fábula infantilizada?”, questiona Raphael Amaral, professor do Curso Anglo.

Para que você possa se aprofundar no tema e entender as discussões que rondam a independência – e que podem aparecer nos vestibulares –, conversamos com historiadores e separamos os principais pontos que merecem atenção. Confira:

Como o contexto (nacional e internacional) influenciou a independência?

Segundo Tiago Salgado, professor de História do Poliedro Colégio, a independência brasileira deve ser entendida dentro de uma conjuntura mais ampla, que relaciona uma série de fatores que marcam a crise do sistema colonial e o avanço do capitalismo industrial a partir do final do século 18 e início do 19. 

Ao redor do mundo, o avanço do Iluminismo e do Liberalismo por meio de uma série de processos revolucionários – em particular a Revolução Francesa, o período napoleônico, a Revolução do Haiti e a Independência dos EUA – modificavam as forças políticas e sociais que marcavam a relação entre as colônias americanas e as metrópoles europeias. Com isso, as tensões e contradições entre os interesses das elites coloniais e das coroas ibéricas aumentavam, criando as condições necessárias para que o processo de independência se concretizasse.

quadro
Quadro “Tiradentes Esquartejado”, de Pedro Américo: Tiradentes foi um dos protagonistas da Inconfidência Mineira, revolta que antecedeu a Independência do Brasil. (Domínio Público/Reprodução)

Já em termos locais, Heitor Ribeiro, professor de História do Curso Anglo, destaca que a Independência do Brasil foi um processo construído dentro da chamada crise do sistema colonial. No final do século 18, já ocorriam movimentos na colônia que defendiam a Independência de Portugal, como a Inconfidência Mineira (1789) e Conjuração Baiana (1798). Apesar do insucesso de ambas, elas exemplificaram o descontentamento de grupos no Brasil com a dominação colonial. 

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Os desejos emancipacionistas ganharam força com a vinda da família real que, fugindo das tropas napoleônicas, migrou para o Brasil em 1808 e transformou o Rio de Janeiro em sede do Império Português. “Desde o período até 1821, o Brasil foi governado diretamente por D. João VI, que iniciou uma série de reformas econômicas, políticas e administrativas, como a abertura dos portos e a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal em 1815. Nesse sentido, a Independência em 7 de Setembro de 1822 foi algo mais político do que prático, já que o status de colônia já não era aplicado ao Brasil”, explica Ribeiro.

O que efetivamente mudou na sociedade brasileira depois da declaração de D. Pedro?

Escravidão de negros
A Independência do Brasil foi um marco político, mas representou poucas mudanças na economia e organização social da época. O Brasil seguiu, por exemplo, sendo escravagista. Na imagem, obra pintada pelo francês Jean Baptiste Debret. (Jean Baptiste Debret (1827)/ Domínio Público/Divulgação)

Oficialmente, o Brasil rompeu o elo político que o mantinha unido a Portugal e foi criado todo um arcabouço legal e institucional que dava sustentação ao recém-criado Estado brasileiro. É importante entender que parte desse aparato de Estado já estava sendo construído desde da chegada da família real. Porém, com a Independência, setores da elite brasileira passaram a ter mais poder de decisão e participar de forma mais ativa da administração pública.

Um dos aspectos mais importantes da época foi a Constituição de 1824, mas o documento mantinha o funcionamento da monarquia. Vale destacar que o sistema monárquico é uma singularidade do processo de formação do Estado brasileiro, uma vez que os outros países da América do Sul instituíram um regime republicano após a independência.

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Ou seja, em termos jurídicos houve uma ruptura política, mas na prática nem tanto mudou.

A manutenção em partes deste status quo na estrutura política também encontrou reflexo na economia e na organização social.

“Tanto pela manutenção do regime monárquico e pela intensa utilização da escravidão negra nas próximas sete longas décadas, o país surgido em setembro de 1822 destoou do restante do continente”, explica Raphael Amaral, do Anglo. O Brasil Império, preservou a estrutura produtiva colonial, baseado no plantation, ou seja, no latifúndio monocultor e na mão de obra escravizada, além da economia agrícola e voltada para exportação. 

Dessa forma, o processo de independência não deve ser entendido apenas por meio da ruptura política em relação à Portugal, mas também em função das continuidades que marcam a sociedade e a economia nacional. A modernização vinda com a independência foi limitada e não gerou grandes mudanças na sociedade.

+ Além da Lei Áurea: o lento processo de abolição da escravidão no Brasil

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A independência do povo

Combatente Maria Quitéria
Maria Quitéria de Jesus foi uma combatente baiana que lutou na guerra de Independência do Brasil. (Domenico Failutti/Reprodução)

Recentemente uma série de estudos buscaram revisar o processo de independência rompendo com a perspectiva vinculada à antiga História Política do século 19, limitada a grandes nomes e eventos políticos. Nesse sentido, novos atores e agentes sociais foram incluídos na conjuntura que marca a independência brasileira, como a ação das mulheres, dos escravizados e englobando as diferenças regionais brasileiras.

Também é importante lembrar, segundo Tiago Salgado, do Poliedro, que a historiografia mais atual tem tentado integrar a independência brasileira no quadro geral que marca a emancipação da América como um todo, em um processo que engloba desde os Estados Unidos, passando pelo Haiti, e chegando até a América do Sul, destacando as contradições, rupturas e permanências que marcam as relações entre as nações americanas.

A ideia de que a Independência do Brasil foi pacífica e que não contou com participação popular também tem sido contestada. “Houve, sim, uma guerra de Independência no Brasil e tivemos que expulsar tropas portuguesas que tentaram impedir a independência de determinadas regiões. Conflitos violentos irromperam na Bahia, no Pará e na Cisplatina”, explica o professor Ribeiro, do Anglo. Tais conflitos contaram com participação popular, inclusive na Bahia, com destaque para Maria Quitéria e Maria Filipa.

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O professor reforça que parte dos escravizados e libertos também participaram e apoiaram a independência. Estes grupos vislumbravam na conquista da Independência sua possível liberdade, e entendiam que o rompimento com Portugal poderia mudar sua situação econômica e social. 

Como o tema pode aparecer nos vestibulares? 

Para Salgado, do Poliedro, a independência do Brasil pode aparecer nos vestibulares de várias maneiras: por meio de aspectos culturais, das tensões entre Brasil e Portugal e das primeiras tentativas de construção de uma identidade nacional (que ganha intensidade no Segundo Reinado).

Mas ele destaca a relação entre ruptura (política) e continuidade (economia e sociedade) que marca a emancipação brasileira, sendo a questão da escravidão um ponto importante.

Outro elemento fundamental é a questão da memória acerca do 7 de setembro, uma vez que o uso político de datas comemorativas é recorrente em qualquer época histórica. Dessa forma, é importante que o vestibulando consiga identificar que a forma como a independência é comemorada faz parte de uma construção simbólica que legitima relações de poder em diversos momentos históricos, sendo passível de uso político.

Em outras palavras, a forma como a independência é lembrada e os elementos simbólicos e históricos mobilizados para sua comemoração, muitas vezes dizem mais sobre quem seleciona tais elementos do que sobre o evento histórico propriamente dito, já que a memória é ferramenta fundamental para a manutenção ou questionamento de relações de poder.

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Questões relativas a uma historiografia mais recente, que busca entender a independência por meio da atuação de grupos minoritários, também podem aparecer nas provas, em particular no que diz respeito à ação das mulheres no processo de emancipação política brasileira.

“Os vestibulares têm buscado romper com a visão mais tradicional da História de que a Independência do Brasil ocorreu de forma pacífica, sem participação popular, restringindo-se a interesses de uma elite agrária e da família Real”, diz Ribeiro. Por isso, o importante é o estudante reconhecer os problemas dessa narrativa e entender que existiu, sim, participação popular e que muitos grupos esperavam que independência significasse uma inclusão e extensão da cidadania a grupos marginalizados. 

Também é importante reconhecer que existiu um projeto da elite e da família real, e que esse projeto foi o vitorioso e silenciou outras ideias – a independência em 1822 não destruiu as estruturas coloniais como o latifúndio e a escravidão. Pelo contrário, as preservou.

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