Karol Conká e Arcrebiano: quando os homens são as vítimas do machismo
Caso gerou incômodo, mas expõe o direito ao próprio corpo e a dificuldade dos homens de dizer "não"
Além de gerar debates sobre cultura do cancelamento, preconceito entre regiões brasileiras e transfobia, o BBB21 conseguiu trazer à tona um debate relativamente novo: a importunação sexual de mulheres sobre homens. As investidas de Karol Conká sobre Arcrebiano, conhecido como Bil, geraram beijos e uma sensação incômoda entre os espectadores. Insistentes, mesmo diante de negativas, as iniciativas da cantora levaram a hashtag #nãoénão ao topo dos Trendng Topics do Twitter. Criada pelo movimento feminista para campanhas contra o assédio contra mulheres, ela pode ser bem adequada a essa situação. Isso quer dizer que as feministas estão erradas, que os homes são tão vítimas quanto as mulheres? Muito pelo contrário. Vem comigo!
essa insistência da karol conká em ficar com o arcrebiano quando ele claramente não quer tem nome: assédio. #bbb21 pic.twitter.com/JRJ9ESmXcE
— lucas paiva; modo #BBB21 (@paiva) February 4, 2021
Percebam no vídeo que ele pede calma como se estivesse se sentindo sufocado, isso tudo pq ele já havia beijado ela , só que ela não estava conformada com o beijo sem língua, ele deu o beijo com língua mas no vídeo pecerbemos a cara de sufoco dele.#RedeBBB #BBB21 pic.twitter.com/a6n10a46vd
— 👀 (@Comentaristada8) February 4, 2021
Antes de tudo, vale esclarecer a diferença entre assédio e importunação sexual. Enquanto a tipificação criminal do primeiro considera a existência de uma hierarquia entre assediador e assediado, a de importunação considera qualquer ato libidinoso praticado contra a vontade da pessoa. E, para a lei, não importa o sexo de quem assedia ou é assediado.
Agora, vamos ao caso. Se Karol fosse uma participante querida do público (sabemos que não é, no momento), talvez o tal beijo tivesse menos repercussão ou fosse visto de forma diferente.
Em outros tempos ou circunstâncias, a sociedade poderia julgar como sinal de “sorte” qualquer rapaz ter uma mulher tão explicitamente interessada. A esse homem cortejado, caberia “aproveitar” a situação. Por essa lógica, o homem sempre deveria estar pronto para sair com uma mulher, não importa quem fosse, desde que fosse uma mulher (e, claro, não fosse uma mulher trans). Quem ousasse desafiar essa regra acabaria tachado de “viado” e similares.
Esse enredo tão comum no Brasil só reforça todos os estereótipos de gênero que o feminismo vem lutando desde sempre para desconstruir. As ideias de que a masculinidade de um homem está na quantidade de mulheres com quem se relaciona (relaciona?) e de que o sexo, para os homens, é algo mecânico, dissociado de sentimentos. Aliás, na ideia machista, um “verdadeiro” homem não expressa sentimentos, não mostra dúvidas, fraquezas, não chora, não “nega fogo”.
Não é à toa que, privados de meios para expressar suas fragilidades, cobrados a ter uma inatingível fortaleza física, mental e financeira (sabe aquela história de provedor?), meninos e homens explodam – em violência – ou implodam – ou suicídio. Uma mulher morre a cada 2h no Brasil vítima de violência e 38,9% dos crimes acontecem dentro de casa – a maioria perpetrada por parceiros ou ex-parceiros. Também segundo dados do Atlas da Violência 2020, os homens, especialmente os jovens negros, também são as principais vítimas de homicídios por armas de fogo (claro que outros fatores além do gênero influenciam nessa triste realidade). Sobre a implosão, embora as mulheres sejam maioria entre os diagnósticos de depressão, a taxa de suicídio entre homens é quatro vezes maior e eles também têm muito menos conhecimento sobre tratamentos de doenças mentais.
O embrulho no estômago que muitos espectadores relataram ao ver as cenas entre Karol e Arcrebiano – se não forem só mais um aspecto do cancelamento que a cantora está sofrendo – pode significar que a cultura está mudando. Uma vitória do feminismo em mostrar que as pessoas têm direito ao seu próprio corpo. Mas talvez não uma mudança grande o suficiente para um homem, dentro de um reality show, na frente de todo o país, falar um “não” categórico. Ele pode ter decidido ficar com Karol Conká por coação, por medo do julgamento machista, por um cálculo do jogo… Difícil saber a essa altura.
De qualquer forma, é um alívio ver o incômodo provocado por tantos “nãos” desrespeitados. O exemplo serve tanto para homens como para mulheres, à vista das câmeras ou na privacidade da própria casa.
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