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Nova presidente da UNE quer aumentar a mobilização de estudantes nas ruas

Estudante negra, cotista e criada no Amazonas, Bruna Belaz quer lutar por políticas públicas, pelas cotas e faz críticas ao presidente da Fundação Palmares

Por Luccas Diaz
Atualizado em 6 ago 2021, 20h06 - Publicado em 21 jul 2021, 12h07
Jovem negra com cabelos castanhos na altura dos ombros, usando camiseta azul da UNE faz um V com as mãos. Ao fundo, parece ser um parque.
Em 84 anos de história, pela primeira vez a UNE elegeu uma mulher negra para ser presidente: Bruna Chaves Brelaz, 26 anos, natural do Amazonas e estudante de Direito. (Yuri Salvador/Divulgação)
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A União Nacional dos Estudantes (UNE) elegeu no último domingo (18), de forma remota por conta da pandemia da covid-19, a nova presidente da entidade. Bruna Brelaz, de 26 anos, é quem assume o cargo. A jovem  nasceu em Manaus e cursou Pedagogia na Universidade Estadual do Amazonas (UEA) antes de mudar para o curso de Direito, em São Paulo. Estudante cotista, Brelaz é a primeira negra a ser eleita presidente da UNE.

Ela chega à presidência após ocupar os cargos de diretora de relações institucionais e de tesoureira na entidade. A jovem é filiada à União da Juventude Socialista (UJS) e presidiu a União Estadual dos Estudantes do Amazonas (UEE-AM) entre 2015 e 2017. Bruna Brelaz é a primeira de sua família materna a entrar no ensino superior. 

“Entre 2017 e 2019, atuei em Brasília compondo lutas, levando propostas e debatendo com lideranças políticas as urgências da educação e direitos dos estudantes. Atravessamos a luta contra o Teto de Gastos, Reforma da Previdência e intensos debates contra o Escola sem Partido e o orçamento da educação. Encarei de frente qualquer possibilidade de tentarem me calar por ser mulher, jovem e negra”, relembra.

O caminho não foi fácil. Bruna teve períodos de não ter dinheiro para pagar a passagem para ir à escola, de conviver com medo dos deslizamentos de terra toda vez que chovia em Manaus, até perder amigos para a violência policial. Porém, ela lembra que sua mãe, Dyla, lutou para garantir melhores oportunidades de ensino. A mãe chegou a madrugar na fila para garantir a vaga da filha na Escola Estadual Djalma Batista, referência de ensino em sua cidade.

Em um bate papo com o GUIA, a jovem diz que o seu foco será trazer mais pessoas para a discussão da educação e da democracia, garantir a continuidade das políticas públicas de acesso à universidade e aumentar a representatividade do povo do norte do Brasil. Além disso, ela comentou sobre a fala crítica do presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo. Confira.

Jovem negra sentada de pernas cruzadas em uma espécie de muro de concreto. Ela está usando calça jeans, tênis branco e uma camiseta branca com o símbolo da UNE.
O movimento estudantil entrou na vida de Bruna durante as manifestações em Manaus contra o aumento da tarifa de transporte em 2011. Segundo ela, esse foi um divisor de águas. “Após esse contato com estudantes secundaristas,  ampliei meu entendimento sobre qualidade na educação, democracia e acesso à universidade”. (Yuri Salvador/Divulgação)

O que significa ser a primeira mulher  da região norte eleita presidenta da UNE?

Eu acho que vai ser uma possibilidade de ampliar o nosso debate, do povo do Norte. No aspecto de dar centralidade e reconhecer como uma região importante. Se a gente pensar na crise do oxigênio em Manaus, no cenário atual da Amazônia ou no apagão do Amapá, você percebe que existe uma falta de políticas públicas dedicadas ao norte do Brasil. Eu acho que esse vai ser o momento oportuno de construirmos essas denúncias. De sermos enxergados. Um momento de ser o megafone e falar dessas pautas.

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A falta de prioridade para a região Norte se reflete no investimento na educação?

Sem dúvida. Eu vim da Universidade do Estado do Amazonas, uma instituição que é sustentada a partir dos subsídios dos impostos da Zona Franca de Manaus, que é um elemento importante para a manutenção de empregos para o povo do Amazonas. Quando existe algum tipo de ataque à Zona Franca, se ameaça a possibilidade de empregos para essa região e se ameaça também a diversidade. Mas há essa insistência de não enxergar o norte do país como importante para o Brasil. A gente vê isso refletido na educação quando falamos nos orçamentos para as instituições. É preciso garantir mais investimentos nas fundações e universidades que fazem pesquisas na Amazônia.

Você é cotista. Como será o trabalho referente às políticas de acesso à universidade na sua gestão?

Em 2021 a política de cotas completa 10 anos. E em 2022 haverá uma rediscussão no Congresso Nacional da lei que garante acesso a elas. A UNE pretende fazer o que for possível para ampliar a discussão da importância delas para a ascensão do povo negro e do povo pobre que entraram nas universidades a partir das cotas. Nós vamos elaborar um estudo técnico para apresentar ao parlamento. A política de cotas não pode ser diminuída e muito menos encerrada. A gente sabe que dentro do congresso existe um campo conservador que constrói o ataque sistêmico às cotas e nós queremos fazer esse cordão de proteção. Proteger a lei para que esse mecanismo de acesso à universidade possa permanecer e ser ampliado. Nosso objetivo é construir mobilizações e articulações institucionais para que a gente fortaleça essa luta.

“A política de cotas não pode ser diminuída e muito menos encerrada. A gente sabe que dentro do congresso existe um campo conservador que constrói o ataque sistêmico às cotas e nós queremos fazer esse cordão de proteção”

No atual governo, outras políticas de acesso também vêm sendo prejudicadas. Se pegarmos por exemplo o Prouni vemos que este ano um terço das bolsas deixaram de ser ofertadas. Isso representa uma quantidade de estudantes pobres que não conseguirão ter acesso à universidade. Temos que cobrar do Estado respostas à crescente evasão que existe no sistema educacional do ensino superior. A pandemia empobreceu os brasileiros, mas a falta de uma política de Estado é muito grande e isso afeta diretamente a universidade.

O Enem foi diretamente atacado e nós conseguimos construir importantes mobilizações em um período crítico da pandemia. O [movimento] Adia Enem apareceu exatamente com os estudantes se mobilizando nas ruas, mas também em casa. A gente é acostumado a construir mobilização nas ruas e ela continua sendo muito importante, mas agora temos também a pressão dos estudantes com os senadores no ambiente online. Eu assisti uma sessão de debate sobre o Enem que tinha 50 mil pessoas assistindo. O estudante tem se mobilizado para proteger o Enem da forma que pode. A maneira que o exame tem sido tratado nos últimos anos nos preocupa muito. O seu acesso tem sido cada vez mais excludente, começando pela taxa de inscrição. Quem tem R para pagar? É um absurdo!

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Quais serão as prioridades da sua gestão?

Nós vamos precisar construir um debate muito mais aprofundado sobre a educação. Queremos colocar a educação na linha de frente do processo de disputa do nosso país. Para isso, vamos precisar ampliar o nosso megafone, colocar muito mais gente para falar das pautas de educação, democracia e do nosso Brasil. A UNE vai se concentrar em fazer muita mobilização de rua. Eu acho que esse deve ser o nosso desafio. Assim como construir uma frente ampla que possibilite a entrada de mais gente no debate. Construir o cordão de proteção da educação. Quem puder defender a educação, quem puder defender a democracia, deve estar em um polo de mobilização junto conosco. Nós queremos contar com todas essas pessoas que se encaixam nesse perfil. Essa será a nossa prioridade.

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, comentou sobre a sua posse falando que você é ‘negra por conveniência’. Como você se sente em relação a isso?

Eu me senti ofendida, não só pessoalmente, mas eu me senti ofendida por todo o genocídio negro que acontece no nosso país. Eu escrevi um post de resposta e disse que 40% das pessoas mortas pelo coronavírus no Brasil são negras. E eu acho que isso deveria ter um reflexo social muito mais forte do que os ataques desse cidadão. Ser mulher, ser negra e se reconhecer como essas duas coisas é algo muito difícil quando você é constantemente um alvo.  No Brasil, o povo negro é alvo. Eu acho que a nossa prioridade é falar de um racismo que mata negros e negras todos os dias, que causa chacinas, que causa a morte de uma mulher negra e grávida que foi visitar a avó. Isso sim tinha que ser um problema para o presidente de uma instituição tão importante como é a Fundação Palmares. Isso mostra que ele não tem nenhum tipo de responsabilidade com essas pautas que deveriam ser sua prioridade ao invés de ficar atacando a presidente da UNE para poder lacrar no Twitter.

Jovem negra de cabelos castanhos na altura dos ombros veste camiseta azul com o símbolo da UNE enquanto estende a bandeira do Brasil com os dois braços. Ela está em frente ao Teatro Municipal, em São Paulo.
“Eu acredito que para o que vem pela frente nós vamos precisar construir um debate muito mais aprofundado sobre a educação”, afirma Bruna Brelaz, presidenta da UNE. (Yuri Salvador/Divulgação)

Agora falando um pouco mais sobre a estudante Bruna. Você começou Pedagogia e agora mudou para o Direito. Como isso aconteceu?

Eu entrei em Pedagogia porque eu sempre gostei desse debate da educação; meu sonho era ser professora. Mas eu comecei a participar da UNE, fui para Brasília e passei a me interessar por Direito. A paixão pela educação permanece, mas agora eu quero muito ficar nessa área que pode contribuir muito. Eu saí de Manaus, tranquei meu curso de Pedagogia e quando vim para São Paulo me matriculei em uma faculdade de Direito. Quando eu comecei a estudar eu fiquei apaixonada! Eu tenho muita convicção de que eu quero me formar e quero contribuir no mundo jurídico do nosso país.

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E como você acha que vai ser a sua rotina como presidente da UNE?

Eu estou de férias, então ainda não senti. Por conta da pandemia, acompanhei esse último semestre de forma remota, mas eu também estou me preparando para quando voltar as aulas dar conta de tudo, né? O esforço é grande, mas quero continuar estudando e militando. Serei presidente da UNE e estudante de Direito.

Você tem hobbies? O que você faz para relaxar?

Lá no Amazonas tem a disputa do Festival de Parintins, que tem o boi Garantido e o boi Caprichoso. Anualmente, no mês de junho, milhares de pessoas do mundo todo vão até o estado do Amazonas para acompanhar esse festival. Eu nunca tive condições de ir para Parintins, que é a cidade onde acontece o festival, mas mesmo assim eu amo de paixão! Principalmente as toadas do boi Caprichoso. As letras falam da minha terra, falam do que é ser amazonense, falam sobre a cultura popular, falam dessa mística do indígena, do caboclo, do negro e da negra.

Eu sou eclética. No meu Spotify  é a maior mistura. Ao mesmo tempo que eu gosto de ouvir as toadas, eu amo rock. Gosto demais do Aerosmith, sou apaixonada em Racionais, eu amo também o Mano Brown. Nossa, se um dia ele pudesse me notar, eu adoraria! Adoro também Emicida e Criolo. De séries, eu não tenho assistido muita coisa por conta do tempo, mas gosto de coisa boba para dar uma amenizada. Eu gosto muito de ler também! Eu já percebi que a correria de ser presidente é bem grande, mesmo assim estou separando alguns livros. Eu gosto de Silvio Almeida, de Laurentino Gomes. Ai meu Deus, tem tanta gente. Vou acabar esquecendo de comentar alguém.

Você contribuiu para a retomada das manifestações de rua e para a criação do lema “Vida, Pão, Vacina e Educação”.  Quais seriam as palavras que você usaria como lema agora?

Nossa difícil isso, hein? Eu nunca pensei que alguém ia perguntar isso. Eu acho que seria Democracia, Educação e Frente Ampla. São três temas importantes hoje.

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Entrevista
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