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O legado de Salles e o futuro do meio ambiente 

Destruição ambiental dos últimos anos trará consequências graves ao Brasil – e queda do ministro não significa uma nova política ambiental 

Por Danilo Thomaz
Atualizado em 25 jun 2021, 18h34 - Publicado em 25 jun 2021, 12h47
Ricardo Salles
Ricardo Salles tenta explicar o aumento dos desmatamentos na Amazônia na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Câmara dos Deputados. (Mateus Bonomi/Pinterest/Divulgação)
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Numa atitude que surpreendeu mesmo a membros do Governo Federal, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu demissão do cargo na tarde desta quarta-feira (23). O agora ex-ministro é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposto favorecimento de madeireiras por meio da modificação de regras com o objetivo de regularizar cargas apreendidas no exterior. O inquérito decorre de uma investigação da Polícia Federal. O delegado Alexandre Saraiva, que o denunciou ao STF, foi retirado da chefia do Amazonas pelo diretor geral da PF, Paulo Maiurino. 

O delegado denunciou o ex-ministro por “causar obstáculos à investigação de crimes ambientais e de buscar patrocínio de interesses privados e ilegítimos perante a Administração Pública” e afirmou, em referência à clássica declaração de Salles, que não deixaria “passar a boiada”. 

A demissão do ministro foi celebrada nas redes sociais. No entanto, o desastre ambiental dos últimos anos não é desprezível e há uma série de riscos e incertezas no horizonte. Vamos entender melhor tudo isso. 

Recorde de desmatamento 

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o desmatamento da Amazônia “entre o período de 1 de agosto de 2019 e 31 de julho de 2020 foi de 10.851 km2. O valor representa “um aumento de 7,13% em relação a taxa de desmatamento apurada pelo PRODES em 2019 que foi de 10,129 km2 para os nove estados” da Amazônia Legal. Entre 2018 e 2019, o aumento foi de 34,41%.   

Os meses de março e abril de 2021 foram, por sua vez, os de maior desmatamento desde o início da série histórica, em 2015. Somente em abril foram destruídos 580 Km2 de floresta, um aumento de 43% em relação ao mesmo período de 2020. O ano passado foi também marcado pelas queimadas no Pantanal, que consumiram 20% de seu bioma, o pior índice da história. 

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Perseguições e desmonte 

Além do aumento do desmatamento e queimadas, há o desmonte por parte do governo federal dos órgãos de Estado ligados ao combate e fiscalização do problema. É o caso, por exemplo, do Ibama 

Em agosto de 2019, o diretor do INPE, Ricardo Galvão, deixou o governo. O físico vinha sendo alvo de difamações e pressões do ex-ministro e de Jair Bolsonaro em razão dos dados de aumento de desmatamento divulgados pelo instituto. Ante a contestação dos dados, Galvão relatou em entrevista ao podcast Fumaça, de Portugal, que pediu “por duas vezes” ao Ministério do Meio Ambiente – órgão ao qual está subordinado o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) – que enviasse os dados que contradiziam com os do INPE (dependente do Ministério da Ciência). “Ele disse que não o fez porque os dados não tinham sido elaborados pelo Ministério do Meio Ambiente, mas tinham sido elaborados pela empresa Planet [empresa dos Estados Unidos da América, que realiza medições espaciais por satélites], ‘gratuitamente’, para mostrar o sistema deles, como funcionava”, afirmou Galvão. 

Mesmo sem Salles a situação não deve mudar. Um exemplo de que a destruição ambiental e o desmonte dos órgãos de Estado – que se estende a outras áreas, no judiciário, na saúde, na cultura e na educação – é a inação do Conselho da Amazônia, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão. 

Outro ponto grave – que indica que as coisas não só não devem mudar, como podem piorar – foi a aprovação ontem do PL 490/2007, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que prevê severas restrições à demarcação de terras indígenas. O PL tem apoio do agronegócio, de setores do governo e da direita.  

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 Risco de desertificação 

Além do Governo Federal, o tempo é inimigo da Amazônia. De acordo com o climatologista Carlos Nobre, uma das principais autoridades mundiais na questão do desmatamento, se o desmatamento não for zerado até, no máximo, 2030, a região pode chegar a um ponto de não retorno e desertificar-se, causando sérias consequências climáticas, econômicas e sanitárias. 

 Crise hídrica 

desmatamento é apontado como um dos responsáveis pela crise hídrica de 2021, que tem gerado risco de racionamento de energia. Isso porque a floresta amazônica exerce um papel fundamental no fluxo de umidade que leva as chuvas ao Centro-Oeste e ao Sudeste. 

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Risco de pandemias 

De acordo com a médica espanhola María Neira, diretora de Saúde Pública e Meio Ambiente da Organização Mundial de Saúde, “cerca de 70% dos últimos surtos epidêmicos que sofremos têm sua origem no desmatamento e nessa ruptura violenta com os ecossistemas e suas espécies” 

De acordo com o cientista Christovam Barcellos, da Fiocruz, o aumento dos desmatamentos e queimadas, somado à alta circulação de pessoas na região, pode tornar o Brasil o epicentro de uma nova pandemia. “A gente não tem muito domínio sobre o que está acontecendo na Amazônia e [sobre] a quantidade de animais e micro-organismos que existem lá. Alguns desses microrganismos podem fazer esse salto ecológico e alcançar as populações humanas.” 

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