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Por que o brasileiro tem tanto medo do comunismo?

Não é de hoje que o "fantasma do comunismo" assombra nosso país tropical. Saiba as origens deste medo – e por que ele faz menos sentido do que nunca

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 22 dez 2023, 09h07 - Publicado em 3 ago 2023, 14h10

O ano era 1955 e o Brasil não vivia tempos de muita calmaria. Getúlio Vargas se suicidara no ano anterior e havia uma certa tensão no ar. Também foi em 1955 que o presidente dos “cinquenta anos em cinco”, Juscelino Kubitschek, elegeu-se. Mas, mesmo com tanta coisa acontecendo por aqui, a cabeça dos brasileiros estava em outro lugar – mais precisamente na disputa que opunha Estados Unidos e União Soviética, a Guerra Fria.

Em plena campanha anticomunista, os americanos, já com muita influência cultural e financeira na América Latina, encomendaram pela primeira vez uma pesquisa para saber a opinião dos brasileiros em relação ao tema. O resultado? Entre os entrevistados, 58% afirmaram que o comunismo era ruim para o povo. Outros 23% disseram que os comunistas na América Latina eram um problema muito sério.

Quase 70 anos separam a primeira da mais recente pesquisa de opinião a respeito do anticomunismo no Brasil. Mas apesar da Guerra Fria ter acabado há décadas – levando com ela a União Soviética e varrendo a maior tentativa de socialismo da História – o pensamento segue com força por aqui: 52% dos entrevistados pelo Instituto Datafolha em julho deste ano afirmaram acreditar na possibilidade do Brasil se tornar um país comunista.

Comunismo, socialismo... você sabe o que é tudo isso?

Trocando em miúdos – e simplificando bastante – o que Karl Marx e Friedrich Engels propuseram em suas obras acerca do tema, o socialismo e o comunismo são etapas que sucederiam o colapso do capitalismo, rumo a uma nova organização da sociedade. O professor Rodrigo Motta, da UFMG, explica que na primeira etapa, o socialismo, os trabalhadores ocupariam o Estado para começar uma transição ao comunismo. Para isso, usariam a força estatal e aboliriam a propriedade privada. A próxima fase, que seria de fato o comunismo, implicaria na abolição total do Estado. Sem Estado e propriedade privada, surgiria uma nova sociedade radicalmente igualitária, baseada em formas comunitárias de vida social.

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Guiando-se por essa definição, podemos dizer que o mundo nunca viu, de fato, um país comunista. O que países como China e Cuba tentaram fazer foi implantar o socialismo, já que o Estado nunca foi abolido.

Os primeiros comunistas – e anticomunistas –  brasileiros

O medo do comunismo no Brasil é quase tão antigo quanto as próprias ideias de Karl Marx e Friedrich Engels, os precursores dessa corrente política. É o que explica Rodrigo Patto Sá Motta, professor de História na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e autor do livro “Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964)“. O pesquisador conta que os primeiros vestígios de anticomunismo surgiram no final do século 19, quando o pensamento de Marx ganhava força na Europa com movimentos organizados de trabalhadores. Por aqui, o temor apareceu de uma forma bem “à brasileira”: associado à questão agrária.

Com a abolição tardia da escravidão, resultado de pressão internacional e que relegou os ex-escravizados ao desemprego e à miséria, alguns líderes abolicionistas defendiam que fossem distribuídas terras aos recém-libertos. Foram acusados, é claro, de comunistas (não muito diferente do que ocorre hoje quando o assunto é reforma agrária). Mas o medo ainda não era generalizado.

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Se alguns brasileiros já temiam os comunistas antes mesmo de eles darem as caras por aqui, imagine só quando uma pequena – e mal-sucedida – tentativa de revolução começou em Natal, Rio Grande do Norte. Em 1935, sargentos, cabos e soldados do 21º Batalhão de Caçadores deflagraram uma revolta armada, com o apoio da Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização vinculada ao Partido Comunista Brasileiro e presidida por Luís Carlos Prestes.

Logo, o movimento espalhou-se e chegou ao Recife e ao Rio de Janeiro. A ideia era mobilizar outros estados brasileiros, mas a adesão foi menor do que ANL imaginava e o governo de Getúlio Vargas conseguiu controlar a revolta, que foi oficialmente, e pejorativamente, chamada de Intentona Comunista. O resultado foi uma dura repressão e a concentração ainda maior de poder nas mãos do governo central.

A ameaça pode nunca ter sido real – as chances do movimento de Prestes resultar em uma verdadeira revolução socialista eram ínfimas – mas foi suficiente para dar início a uma primeira grande onda anticomunista no Brasil. A segunda, décadas mais tarde, terminaria de forma bem mais catastrófica.

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Quando o anticomunismo acabou em ditadura

Não é novidade que João Goulart, 24º presidente do Brasil e conhecido popularmente como Jango, não tinha uma fama lá muito boa entre os setores mais conservadores da política brasileira. “Desde que ocupou o Ministério do Trabalho no governo Vargas, em 1954, Goulart foi visto como um político próximo dos sindicalistas e da esquerda”, relembra Rodrigo Motta. Nos anos seguintes, ele passou a ser apoiado justamente por estes setores, até que assumiu a presidência em 1961 depois da renúncia de Jânio Quadros.

Jango recebia um apoio tímido e com certa desconfiança dos comunistas, explica o professor da UFMG. Mas, por ser ele mesmo “um grande fazendeiro”, o presidente estava longe de ser um comunista. No entanto, as reformas de base planejadas durante seu governo fortaleceram ainda mais a percepção das elites de que o governo de Jango estava próximo demais da esquerda. Entre as medidas estava a expansão e democratização do acesso às universidades e, é claro, a reforma agrária. Para completar, o presidente deu sequência à aproximação com a URSS que já vinha acontecendo nos governos de JK e Jânio Quadros – este último, acredite se quiser, chegou a condecorar o revolucionário cubano Che Guevara.

Com isso, além dos setores conservadores brasileiros, quem passou a olhar com desconfiança para Jango foi também o governo dos Estados Unidos. Ainda no clima de Guerra Fria, agências americanas resolveram sondar a opinião pública a respeito do comunismo e da União Soviética. Pesquisas realizadas em 1963 e 1964 mostraram que a propaganda anticomunista levada a cabo por diversos setores da sociedade brasileira, como a imprensa, o empresariado, militares e até a Igreja Católica se materializavam cada vez mais em temor por parte da população.

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Em fevereiro de 1964, funcionários do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) saíram nas ruas para ouvir dos paulistanos se o comunismo no Brasil estava aumentando ou diminuindo. A maioria, 54%, respondeu que estava aumentando. Destes, 81% acreditavam que o comunismo representava um perigo. No mês seguinte, o presidente João Goulart foi deposto e teve início a Ditadura Militar no país.

“Muitas pessoas acreditaram na existência do “perigo vermelho”, enquanto outras usaram-no de maneira oportunista para bloquear um processo de reformas sociais que poderia ter diminuído a desigualdade no Brasil”, avalia Rodrigo Motta.

Na crista da terceira onda anticomunista

Se o Brasil não estava à beira do comunismo na década de 1960, em plena Guerra Fria e quando a maior potência socialista do mundo ainda não havia ruído, tampouco está nos dias de hoje. O mundo como um todo, aliás, distancia-se cada vez mais daquele comunismo pensado por Marx. “A maior parte dos países do antigo bloco soviético passou ao capitalismo, e nos poucos ainda governados por comunistas, como a China, ocorreram reformas que os aproximaram também do sistema capitalista”, explica o historiador.

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Colocando tudo isso na balança, o velho “fantasma do comunismo”, tão temido pelos brasileiros, parece mais do que nunca um devaneio. A avaliação do professor da UFMG é que este temor é mais uma vez insuflado por setores da direita que temem o avanço de pautas sociais – não à toa, ele aparece muito vinculado ao antipetismo, como analisam Thiago Moreira da Silva e Rodrigo Lentz, pesquisadores em Ciência Política da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da UnB (Universidade Federal de Brasília).

O que acontece é que este temor se espalha de maneira difusa entre a população, e a desinformação sobre temas da história, economia e até sobre as ideologias políticas acaba contribuindo para que muita gente faça uma leitura simplista a respeito do que seria o comunismo. Quando valores morais entram em pauta a confusão fica maior ainda. “Um detalhe curioso é que os comunistas históricos não eram a favor de direitos para os homossexuais, enquanto hoje muita gente acredita no contrário”, exemplifica Rodrigo Motta. Na prática, a maioria dos anticomunistas tem uma noção bastante vaga sobre o que de fato é o comunismo, e o associam simplesmente a uma ideia de “mal”.

À primeira vista, a educação poderia até parecer um caminho para sanar tanta confusão, mas assim como o próprio Brasil e a ciência política, o desafio é mais complexo. “A educação formal não é o único ou principal fator a influenciar a formação dos valores políticos das pessoas, instituições como a família e a igreja são tão ou mais importantes”, afirma o professor. A história do Brasil não desmente sua avaliação.

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