A pergunta deste texto foi enviada pela leitora Michelle Lima e é sobre o trabalho de mulheres no ramo esportivo:
“Tenho um sonho em trabalhar em algo ligado ao esporte. Acabei cursando um semestre de Jornalismo, pois queria ser uma jornalista esportiva, só que não gostei do curso por ser muito tímida e não ter criatividade para escrever. Aí minhas duas alternativas são Fisioterapia ou Educação Física. Meu sonho mesmo era poder trabalhar dentro de um clube de futebol sendo preparadora física, fisioterapeuta ou até mesmo auxiliar técnica, só que para mulheres é muito difícil conseguir um desses cargos. O que devo fazer?
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O tabu em torno do trabalho das mulheres no futebol ainda existe. O mercado de trabalho para todas as profissões desse meio é dominado, ainda, pelos homens. Mas muita coisa vem mudando nos últimos anos, principalmente graças a mulheres que batalham para enfrentar as barreiras impostas pelo preconceito.
Em pleno “país do futebol”, são poucas as mulheres que conseguem chegar ao cargo de fisioterapeutas em clubes. Conversamos com duas profissionais que atingiram esse objetivo. Elas contaram ao GUIA como percorreram esse caminho e deram dicas para quem quer fazer o mesmo!
Vanessa Machado – primeira fisioterapeuta mulher a trabalhar no futebol do Estado de Alagoas
“Oi Michelle e outras meninas! O que sempre gostei na Fisioterapia foi da área de traumas, urgência e emergência. Queria atuar na área hospitalar, mas me identifiquei com as emergências que também são vividas dentro dos gramados e tratadas nos setores de reabilitação de lesões desportivas dentro dos clubes. Com a importância do trabalho do fisioterapeuta nos atletas e a emoção do futebol, me apaixonei à primeira vista pela área. Depois de me formar, tive informações de que o time de futebol da minha cidade, o Centro Esportivo Olhodaguense (CEO), que disputa o campeonato alagoano na primeira divisão, estava precisando de um profissional nessa área. No começo, enfrentei o preconceito e ouvi que ‘futebol é coisa de homem’.
Eu pensei: ‘O nosso país é comandado por uma mulher. Por que eu, que me formei e estudei cinco anos para tratar homens e mulheres, não poderia trabalhar nessa área?’ Não consegui o trabalho, retornei à capital e fui investir em cursos. Fiz pós-graduação em Fisioterapia Desportiva e recebi um convite do clube em que tinha tentado a vaga anteriormente. Eles estavam precisando de um fisioterapeuta com urgência e aceitei a proposta.
Sofri com o preconceito por parte de algumas pessoas mais machistas, mas adquiri o respeito dos atletas. Alguns jornalistas e radialistas abraçaram a causa, reconheceram meu trabalho e divulgaram que eu fui a primeira fisioterapeuta mulher a trabalhar em um time de Alagoas. Já trabalhei em outros times e luto diariamente para vencer o preconceito.
Na minha passagem pelo futebol, não houve estranhamento por parte dos atletas. Como eu sou profissional e eles também, tudo foi natural. Por se tratar de uma mulher na equipe, o respeito e os cuidados vindos deles eram fatores para eu me sentir segura. Eles me acolheram e foram respeitosos. A minha profissão exige contato e isso é costumeiro na vida de um atleta. O profissional sabe bem conduzir tudo isso. Nunca fui assediada.
Costumo falar sempre que futebol é disciplina e isso tudo exige uma rotina semanal, guiada e programada por um supervisor, onde seguimos essa programação à risca. Minha rotina era igual a de todos. Trabalhava nos fins de semana também. O mercado alagoano ainda é muito restrito, mas vale apena investir, porque as mulheres fisioterapeutas precisam de apoio e de campanhas a favor dessa causa. Existem clubes em outros estados do Brasil com uma visão ampliada em relação a nossa atuação e é só uma questão de oportunidade, apoio e união. Não desistam!”
Gerseli Angeli – fisioterapeuta e diretora técnica da Physio Institute
“Oi Michelle! Independente do que você escolha, eu aprendi com uma professora, no primeiro dia da faculdade, que para o bom profissional nunca vai faltar espaço. Não importa o sexo. É claro que ainda existe muito tabu no futebol, mas eles estão caindo. Já existem fisioterapeutas mulheres em times de futebol profissional.
Atuei no Barueri quando o time foi para a primeira divisão e tive uma experiencia muito positiva. A receptividade foi bem diferente do que eu imaginava, achei que ia encontrar dificuldades, mas pra minha grata surpresa o fato de ser mulher não foi impedimento pra nada. Tive apoio da comissão técnica, que valorizou meu trabalho e sempre tive a postura adequada e profissional que o cargo exige. Foi graças a minha atuação em pesquisas científicas no meio esportivo que consegui minha chance lá.
Fiz mestrado e doutorado em Reabilitação pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e estava trabalhando como coordenadora científica no CEMAFE (Centro de Estudos em Medicina da Atividade Física e do Esporte) quando me convidaram para trabalhar lá. Estavam precisando de uma fisiologista. É um cargo parecido com o de fisioterapeuta, mas, como costumo brincar, é o nerd da comissão técnica. É preciso ter uma formação mais mais abrangente, porque esse profissional é responsável por fornecer para o time o que há de ciência no esporte. Você tem contato com estudos, desenvolve pesquisas leva isso para a comissão técnica, fazendo a ligação entre o fisioterapeuta e o técnico.
Por eu ser fisioterapeuta de formação também trabalhava no tratamento de lesões, junto aos jogadores, e posso garantir que nunca houve problemas com assédio por eu ser mulher, tanto com os atletas, como com os membros da comissão técnica. Hoje as portas estão mais abertas às mulheres e estamos explorando carreiras que antes não tínhamos enxergado como possibilidade. Há mais espaço tanto na área de fisioterapia como na área de nutrição, por exemplo.
O mais importante é se preocupar com qualificação profissional e assim ninguém irá negar trabalho, independente do sexo. Mas é importante lembrar que a rotina do fisioterapeuta é pesada. Mesmo de final de semana, é preciso acompanhar jogos, viajar junto. É uma rotina de dedicação exclusiva, por isso é muito difícil trabalhar em dois lugares, como a maioria dos fisioterapeutas fazem. É um trabalho gratificante, mas é preciso viver o mundo do futebol.
A minha dica para quem quer entrar nessa área é estudar muito. Tem que se dedicar. Eu sempre digo que a faculdade quem faz é o aluno. Mesmo estando na melhor faculdade, se for um aluno relapso, você não vai conseguir ser um bom profissional. Para quem quer aprender, se qualificar, oportunidades não faltam.”