Filmes e séries para entender a Síndrome de Asperger
Considerada um transtorno do espectro autista, a síndrome implica diretamente na capacidade de comunicação e interação social do indivíduo
O CEO Elon Musk, a ativista Greta Thunberg e até mesmo a cantora e viúva de Kurt Cobain, Courtney Love. O que esses nomes têm em comum? Os três foram diagnosticados com um quadro clínico conhecido como Síndrome de Asperger. A falta de acesso a informações de qualidade leva a equívocos e preconceitos sobre essa neurodiversidade.
De acordo com a professora Fernanda Dreux, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a síndrome faz parte do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), ou seja, é uma condição entendida como dentro do guarda-chuva do autismo.
“Envolve uma série de características muito próprias e peculiares, mas que podemos destacar principalmente as dificuldades de interação e comunicação social”, explica.
De forma geral, pode-se afirmar que pessoas com Asperger encontram maior dificuldade em identificar e compreender sentimentos – próprios e de terceiros, o que geralmente causa uma constante ansiedade social. Seus cérebros funcionam de maneira mais lógica e literal, dando menos espaço para interpretações e sutilidades. Esta mesma característica, porém, possibilita desenvolver um aproveitamento acadêmico acima da média; motivo pelo qual antigamente se referia ao quadro como “Síndrome de Gênio”.
Para melhor compreender a vivência e as experiências das pessoas com essa neurodiversidade, GUIA trouxe uma lista de filmes e séries em que a Síndrome de Asperger tem um papel de destaque na história. Por meio dessas narrativas, todos podem entender um pouco mais o que ela implica na prática.
1. Malhação: Viva a Diferença (2017-2018)
Nada melhor do que começar com uma produção nacional, que além de mostrar a realidade de uma jovem com Síndrome de Asperger em uma escola pública, também aborda a falta de informações sobre neurodiversidades no Brasil. Na 25º temporada da novela “Malhação”, exibida entre os anos de 2017 e 2018, é introduzida a personagem Benê (Daphne Bozaski), uma das quatro protagonistas da temporada. A produção, premiada, inclusive, com o Emmy Internacional, apresenta as dificuldades de socialização e comunicação da jovem de uma maneira delicada, enfatizando que suas diferenças não deveriam a impedir de cultivar relacionamentos.
“É uma síndrome que afeta a minha capacidade de socialização. E descobrir isso foi muito bom! É que, de repente, por causa disso, eu descobri um monte de coisas sobre mim! Isso explicava a minha dificuldade de fazer amigos. E mesmo tirando notas altas na escola e sabendo todas as espécies de pássaros, tinha dias que eu não queria ver e nem conviver com ninguém. E muito menos tocar e abraçar as pessoas”, explica a personagem, em um dos capítulos da produção.
A professora Fernanda enfatiza que é comum portadores da síndrome terem um bom desempenho na escola. “A maior parte deles acaba se interessando por áreas mais exatas; dificilmente você vai ver uma pessoa com Asperger em áreas humanas”, diz ela. Mas, como tudo relacionado a condições mentais, nada é obrigatoriamente uma certeza. Em Malhação, Benê sonha em fazer um curso de Música.
Disponível no Globoplay
2. Mary e Max: Uma amizade diferente (2009)
A animação australiana “Mary e Max: Uma amizade diferente” apresenta a amizade entre um homem de 44 anos que mora nos Estados Unidos e uma menina de 8 anos, da Austrália. Os dois personagens se comunicam por cartas em que compartilham seus sentimentos perante o mundo. A garota sofre de ansiedade e depressão, resultado de um ambiente familiar tóxico e práticas de bullying na escola. Já Max, vive sozinho, sem amigos íntimos ou parentes próximos. Ele foi diagnosticado com Asperger já na infância, e seu repertório de habilidades sociais pode ser considerado mínimo.
Ao longo do filme, é mostrado os altos e baixos da amizade entre os dois – que se desenvolve por anos. Por mais que seja nítido que o relacionamento traga benefícios para ambos, é constante para Max um sentimento de ansiedade com as cartas de Mary, por simplesmente nunca ter aprendido a lidar com uma amizade duradoura.
A comunicação escrita é uma maneira que pessoas com Asperger conseguem interpretar com relativa maior facilidade. Segundo a professora, dificuldades em perceber nuances na comunicação falada é comum entre os diagnosticados. “Para essas pessoas, perceber e entender sutilezas e pequenas mudanças nas expressões faciais é muito mais difícil. Perceber quando alguém está mentindo, ou está triste, entediado, feliz, tudo isso fica mais difícil”, explica.
Disponível em Prime Video
3. Parenthood (2010-2015)
A série estadunidense “Parenthood” acompanha os dramas dos Bravermans, uma família de quatro irmãos que tem que aprender a lidar com os seus filhos. Na trama, o personagem Max Braverman (Max Burkholder), filho de Adam, o irmão mais velho, é diagnosticado com Asperger logo na primeira temporada. Um dos diferenciais da produção é tratar da questão com sensibilidade e empatia, sem medo de abordar as dúvidas iniciais que a descoberta do diagnóstico traz.
“Eu acho que sou uma aberração. Eu tento entender eles, mas eu não consigo. Asperger deveria me fazer mais inteligente. E se eu sou mais inteligente, por que não consigo entender o porquê de eles estarem rindo de mim?” pergunta Max em um dos episódios da série.
Max tem dificuldade em fazer amigos, evita contato visual, fala incessantemente sobre insetos e quer vestir sua fantasia de pirata todos os dias para ir à escola. Durante as seis temporadas da produção, que foi criada por um roteirista cuja filho é autista, é possível acompanhar a evolução tanto de Max quanto de sua família na aceitação e no conhecimento acerca da Síndrome de Asperger.
“Todo tratamento depende muito de quais são os sintomas: quais são as suas dificuldades. Pode ser que seja um caso de fono, para trabalhar os aspectos sociais da comunicação, pode ser que seja mais uma questão pedagógica de adaptação na organização escolar. Eu tive um paciente, por exemplo, que não conseguia se adaptar ao formato de avaliações em prova. Ele perguntava para mim, ‘Mas por que eu tenho que provar para a professora que eu sei? Ela sabe que eu sei’”, conta a professora, que também trabalha em uma clínica com autistas.
Disponível no Prime Video
4. No Espaço Não Existem Sentimentos (2010)
Esse filme sueco estrelado por Bill Skarsgård (sim, o mesmo ator que interpreta o palhaço de “It: A Coisa”) foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, e acompanha a história do jovem Simon. Aos 18 anos, ele vive junto com o irmão Sam e é incapaz de viver de forma independente. Simon tem Síndrome de Asperger, é obcecado por astronomia e tem dificuldades de entender sentimentos ou cultivar relacionamentos humanos. Sua dependência de Sam faz com que a namorada do irmão termine com ele, o que coloca Simon em uma aventura na busca por uma nova namorada para o irmão.
A comédia é um filme leve e divertido, que olha para a Síndrome de Asperger por um viés menos taxativo. As diferenças entre o comportamento metódico e frio de Simon e o resto das pessoas é um dos principais pontos do longa. Diferentemente de uma ansiedade social, a professora Fernanda explica que a síndrome deve ser entendida como uma verdadeira inabilidade de se encaixar socialmente de forma natural.
“Geralmente, quadros como ansiedade e Síndrome do Pânico têm a ver com experiências que fizeram a pessoa desenvolver aquilo, já o Asperger é uma característica desses indivíduos. Em alguns casos, ela já é identificada logo aos dois anos de idade”, esclarece Fernanda.
Disponível no YouTube
5. Asperger’s are us (2016)
Para encerrar, o documentário “Asperger’s Are Us” acompanha um grupo de amigos do espectro autista que se conheceram em um acampamento de verão, em 2010, e formaram um grupo de comédia de lá para cá. Agora, porém, eles se preparam para fazer sua última apresentação juntos, antes de seguirem caminhos profissionais diferentes. O documentário não somente acompanha os preparativos para o show de despedida do grupo, mas apresenta uma visão socioeducativa, mostrando na prática como vivem adultos com Asperger.
A maioria das indicações dessa lista mostra personagens com Asperger na infância ou na adolescência, mas “Asperger’s Are Us” acerta justamente em mostrar indivíduos convivendo com a neurodiversidade na vida adulta. O diagnóstico tardio, inclusive, é um tópico comum dentro da comunidade autista.
“Muita gente nos seus 20 ou 30 anos chega a ficar, de certa forma, aliviada quando recebe o diagnóstico. Porque essas pessoas não tiveram um diagnóstico na infância, geralmente porque a família não considerava o comportamento como um quadro médico. Então quando eles finalmente entendem o porquê de terem passado todos esses anos se sentindo mal adaptados, aflitos em situações sociais, tendo crises, ou sem saber o que estava acontecendo de verdade, é um alívio”, diz a professora.