A vida de Ariano Suassuna – conhecido pelo sucesso de sua peça Auto da Compadecida (1955) – está marcada por um episódio trágico. Em 1930, seu pai, o ex-governador da Paraíba João Suassuna, foi assassinado. Quarenta anos depois, o escritor concluiu Romance d’A Pedra do Reino e O Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971), que começou a escrever em 1958 e no qual se vê transposta a morte do pai.
Trata-se de uma obra extensa, complexa, híbrida, que não cabe em classificações limitadoras. Para Suassuna, esta obra é um romance picaresco. Ao longo da narrativa há epopeia, poesia, romance de cavalaria, memorial e mais outras formas que implicam “lembrança, tradição e vivência na integração do popular ao erudito, com toque pessoal de originalidade e improvisação”, segundo definiu a escritora cearense Rachel de Queiroz.
Para o poeta e escritor Maximiano Campos (1940-1988), discípulo de Suassuna, trata-se de “nossa epopeia áspera, sertaneja e mestiça, criada por um escritor nordestino. Uma projeção profética e simbólica do futuro no tempo do agora, a expectativa messiânica da redenção aos pobres”.
Uma das inspirações primeiras do escritor, aqui, foram as jornadas de 1838 em São José do Belmonte, em Pernambuco, que resultaram na morte de dezenas de pessoas, vítimas de um movimento messiânico que as induziu a lavar com sangue duas formações rochosas locais, a Pedra do Reino. A história é contada pelo “Cronista-Fidalgo-Rapsodo-Acadêmico e Poeta Escrivão Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, ilustre descendente de Dom João Ferreira-Quaderna ou Dom João, o Execrável”.
Semelhante a uma narrativa policial – pelo tema do crime e o tom de mistério -, o romance-epopeia é formado por cinco livros, divididos em folhetos, que mostram como o protagonista foi parar na prisão. É um herói que, após perder a integridade, afasta-se dos outros para então viver uma série de aventuras e, assim, lutar para reaver sua identidade.
Segundo a professora Guaraciaba Micheletti, o enredo mistura a realidade ao mágico e leva ao Nordeste um espírito medieval, explícito no domínio da piedade, nas santas que aparecem para interceder, nas entidades que veem assassinatos em tocaias e se tornam outros personagens.
Ariano Suassuna nasceu em 1927, em Nossa Senhora das Neves, então capital da Paraíba. Defensor da cultura nacional, fundou em 1970, no Recife, o Movimento Armorial, cuja proposta é realizar uma arte brasileira erudita com base em raízes populares da cultura do país. Muito desse princípio está presente na Pedra do Reino, em que há uma notável intertextualidade com outros autores da literatura local e elementos característicos regionais, perceptível inclusive no nível do léxico e da sintaxe.
O escritor tinha planejado criar uma trilogia, que até hoje não vingou – a segunda parte, História d’O Rei Degolado, foi publicada em 1977. Por outro lado, Suassuna conseguiu que se criasse uma festa popular inspirada no livro e pelo Movimento Armorial. Todo ano, no último fim de semana de maio, uma cavalhada em São José do Belmonte celebra o escritor e sua obra-prima.
Título: Romance d’A Pedra do Reino e O Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta
Autor: Ariano Suassuna
Editora: Nova Fronteira
Esse texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira”, publicado em 2009 pela revista Bravo!