Falta pouco para que os inscritos no Enem 2019 estejam, finalmente, diante de uma das redações mais importantes que escreverão em toda sua vida. Mas, para acalmar os ânimos e dar uma dose de motivação, viemos contar uma novidade: o sonho da nota mil na redação do Enem não é tão distante quanto parece! A prova disso são os 55 candidatos que atingiram o feito ano passado.
Há pelo menos um representante de cada região do Brasil — embora os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro sejam os recordistas, com 14 candidatos notas mil em cada. Outra curiosidade: as mulheres também saíram na frente no quesito nota máxima: dos 55 candidatos que a atingiram, 42 são mulheres.
Bom, mas o que todo mundo quer saber, afinal, é o que tem de tão especial nessas redações que as separou das outras 81 mil que ficaram entre os 900 e mil pontos. Quem nos aponta alguns desses ingredientes é a coordenadora de Redação do Curso Poliedro, Fabiula Neubern. Confira os comentários dela sobre três dessas redações:
Ponto mais positivo: o repertório sociocultural legitimado usado para desenvolver o tema funciona como base para a argumentação.
No texto de Carolina, há três inserções de repertório: a canção “Pela Internet”, de Gilberto Gil; o conceito de “ação comunicativa”, de Jürgen Habermas, e a noção de sujeito pós-moderno de Stuart Hall. Ao defender a necessidade de um olhar crítico de enfrentamento da manipulação do usuário pelo controle de dados, a autora da redação encadeia três ideias principais:
- Os meios digitais oferecem inúmeras informações (o que está referendado na música de Gil);
- Essas informações podem ser usadas na construção de atitudes cidadãs, ou seja, voltadas ao coletivo (cerne da ideia de “ação comunicativa”, de Habermas);
- Essas informações também interferem na construção das múltiplas identidades que compõem o indivíduo pós-moderno e, portanto, determinam suas ações e formas de pensar (a multiplicidade de identidades é o ponto central do pensamento de Hall).
O que extrair como exemplo: além dos conceitos e ideias contidos nos repertórios, é possível, também, extrair um argumento que pode sustentar a análise de diversos temas: a relação entre o problema dado na proposta de redação e a cidadania. No segundo parágrafo, Carolina defende que a manipulação (o problema dado) limita a cidadania, que é, por sua vez, a “luta pelo bem-estar social”, ou seja, a defesa do coletivo e o combate ao individualismo. Esse argumento pode sustentar pontos de vista de defesa da cidadania relacionados a problemas como uso excessivo de plástico, bullying, violência no trânsito etc.
Ponto mais positivo: proposta de intervenção completa, detalhada e exemplificada.
No último parágrafo do texto de Natália, há duas propostas de intervenção. A segunda apresenta respostas concretas às perguntas sugeridas no Guia do Participante Enem 2019:
- O que é possível apresentar como proposta de intervenção para o problema?
R.: Criação de canais de denúncia de fake news.
2. Quem deve executá-la?
R.: Ministério da Justiça em parceria com empresas de tecnologia.
3. Como viabilizar essa proposta?
R.: Mediante a implementação de indicadores de confiabilidade nas notícias veiculadas.
4. Qual efeito ela pode alcançar?
R.: Minimizar o compartilhamento de informações falsas e o impacto destas na sociedade.
5. Que outra informação pode ser acrescentada para detalhar a proposta?
R.: Como o projeto “The Trust Project” nos EUA.
O que extrair como exemplo: os parágrafos e períodos estão estruturados de forma bastante coesa, ou seja, articulada. Além disso, há diversificação no uso dos recursos coesivos empregados. Já no parágrafo introdutório, há diversidade de articuladores que estabelecem relação de coesão entre os períodos: “entretanto, uma vez que, por isso, ademais”. A articulação no interior dos parágrafos continua a se estabelecer ao longo de todo o texto. Para além, também há vasto emprego de articuladores entre parágrafos: “nesse contexto, somado a isso, portanto”.
Ponto mais positivo: repertório oriundo da vivência da autora.
Ao iniciar o texto fazendo referência ao enredo do filme Matrix, Fernanda não apenas introduz o tema da tecnologia e da manipulação decorrente do uso dela, mas também apresenta seu ponto de vista crítico ao defender semelhança entre o mundo ficcional retratado no filme e o mundo real. Além disso, mostra que o repertório sociocultural é algo construído, também, nos momentos de lazer.
O que extrair como exemplo: ao conciliar repertórios socioculturais de áreas diferentes, Fernanda mostra autoria.
Uma das habilidades verificadas na prova de redação do Enem é a capacidade de usar, de forma produtiva, repertório sociocultural pertinente à discussão proposta. No texto, a perspectiva do sociólogo Zygmunt Bauman corrobora o enredo ficcional de Matrix. Portanto, ao conciliar os repertórios, a análise do tema ganha profundidade.
O que as três redações têm em comum
Além de demonstrarem excelente domínio da modalidade escrita formal, elas revelam projetos de texto muito bem desenvolvidos, ou seja, a defesa do ponto de vista ocorre de forma completa e organizada.
As redações que selecionamos também foram comentadas pela equipe do Inep, no Manual da Redação lançado na última semana.