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Confissões de uma corretora de redações do Enem

Letra feia não zera a redação, mas colocar recadinho ou emoji, zera. O que impressiona um avaliador? Quando o candidato é honesto com ele mesmo

Por Wender Starlles
Atualizado em 8 ago 2022, 19h01 - Publicado em 31 ago 2021, 12h03

Termina o Enem. Para quem prestou o exame, a hora é de descanso. Para quem vai corrigir a redação, começa a maratona. Nesse momento, entra em campo um time de experts que ficará encarregado de atribuir notas de zero a mil aos textos e que deverá seguir uma série de critérios estabelecidos pelo Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

Mas, afinal, quem são os avaliadores, onde se escondem, do que se alimentam? E não devem ser poucos os candidatos que adorariam saber: o que faz zerar uma redação? Preciso sempre citar um filósofo famoso? Que tipo de texto deixa um avaliador feliz? Como conquistar a tão cobiçada nota mil? Para responder essas e outras perguntas, o GUIA conversou com uma corretora de redações do Enem que atua na função há sete anos. Devido ao contrato de sigilo que ela assinou com o Inep, a identidade da nossa entrevistada não será revelada. Confira:

GUIA – Quando você começou a trabalhar como corretora de redações?

Corretora – Logo quando me formei, fui chamada para trabalhar como corretora por uma conhecida que estava terminando o mestrado. Ela havia sido promovida e precisava montar a própria equipe. Na época, era assim. Não existia uma chamada pública, tudo era meio sigiloso. Ninguém sabia como funcionava para entrar.

GUIA – Você teve retorno financeiro na primeira vez?

Corretora – Confesso que não tive grandes retornos porque me sentia bastante insegura. Levava muito tempo para corrigir um único texto. Mas com o passar dos anos minha experiência foi aumentando. Desde então, sempre participo.

GUIA – Como é o processo seletivo para corretores?

Corretora – Atualmente, a chamada tornou-se pública. Existe um edital, então todos os profissionais que atendem aos requisitos podem se inscrever. Você precisa fazer um curso online, que funciona como uma peneira. Caso seja aprovado, a etapa seguinte é um treinamento específico temático que muda de acordo com o ano. Depois, ainda temos que cumprir uma fase que se chama ‘pré-teste’, que consiste na correção de 50 redações já corrigidas pela equipe especializada do Inep. Se a pessoa atingir a média alta exigida, de oito pontos, começa a trabalhar efetivamente na função.

GUIA – Quantas redações você corrige durante o Enem?

Corretora – No contrato são exigidas, no mínimo, cem correções por dia. Mas isso depende muito da quantidade de avaliadores em cada ano e do número de textos. Já houve edições que a demanda dobrou. Também existe a possibilidade de receber do seu coordenador mais textos para avaliar. Isso acontece quando ele percebe que você está com uma boa pontuação nas correções, sem apresentar discrepâncias.

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GUIA – Quanto tempo você demora para corrigir uma redação?

Corretora – Como eu já tenho uma certa experiência, não demoro muito. No geral, levo de um minuto a um minuto e meio para corrigir um texto que não me cause nenhum desconforto.

GUIA – Como é a sua rotina durante as correções?

Corretora – Esse trabalho a gente faz no nosso horário. Eu não costumo corrigir tudo de uma vez porque é muito cansativo ler textos seguidos de um mesmo tema. Falo por mim nesse caso: tenho o medo de ser injusta. Então paro e vou fazer qualquer outra coisa. Também tenho o meu trabalho em paralelo, sou professora. Vou dividindo ao longo do dia as duas funções. Costumo trabalhar mais à noite ou durante a madrugada, que é quando eu percebo que a minha correção fica mais fluida.

GUIA – Qual o valor que o Inep paga pelas correções?

Corretora – Recebemos por redação corrigida. Na primeira correção, o valor é de R$ 3 por texto, mas há a etapa chamada ‘terceiras correções’, que a quantia é um pouco maior. 

GUIA – Você pode explicar melhor esse processo?

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Corretora – Cada texto é corrigido inicialmente por dois avaliadores que não se conhecem. Como se um fosse o controle de qualidade do outro. Caso a nota dos dois avaliadores coincidam ou divirjam no máximo 80 pontos na linha horizontal (as cinco competências) e até cem pontos na linha vertical (nota final), somam-se as duas pontuações e depois calcula-se a média.

Porém, se a nota divergir acima de cem pontos na vertical ou 80 pontos na horizontal, o texto é encaminhado para um terceiro avaliador mais experiente. Nessa terceira correção recebemos R$ 3,30 por texto. Se ainda houver diferença na pontuação, a redação é enviada para uma banca ultraespecífica que faz a correção presencialmente. O pagamento nessa etapa é de R$ 5.

GUIA – Qual o erro mais comum que os estudantes cometem na redação?

Corretora – A cada ano os candidatos ficam mais criativos. Não sei se é o nervosismo ou a falta de contato com o estilo da prova. Porém, a questão da anulação das redações é algo que me preocupa. A cada edição os critérios se tornam mais rigorosos. Às vezes é uma coisa muito inocente, por exemplo, o candidato faz uma boa redação, mas nas linhas que sobraram ele cai na infelicidade de colocar um emoji no cantinho. Isso já é motivo para zerar o texto.

Ou muitas vezes também ele coloca uma manifestação política. O que acontece com frequência dependendo do ano que estamos vivendo. Já teve muitos “Fora, Temer” e “Fora, Bolsonaro”. Tudo isso leva a redação a zero.

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GUIA – Caligrafia feia é um critério de anulação?

Corretora – A chamada letra feia não entra como critério de correção. O que acontece é que muitas vezes ela se torna ilegível e isso sim pode ser um problema. Quando o avaliador não consegue ter acesso ao total do texto, mas a partes isoladas, a orientação é enviá-lo para a coordenação e ele será corrigido por aquela banca especializada que comentei. Se a banca considerar que não houve como ter acesso ao percurso de argumento do candidato, o texto pode ser corrigido em partes, o que prejudica bastante a nota. Ou então a redação pode até ser anulada.

GUIA – A redação precisa ter obrigatoriamente 4 parágrafos? 

Corretora –  É mito ter uma quantidade obrigatória de parágrafos. O candidato pode fazer quatro, cinco, seis parágrafos contanto que respeite o máximo de linhas estabelecidas. Enquanto professores, quando a gente ensina que se construa uma estrutura mais ou menos fixa de quatro parágrafos, estamos pensando no que é possível fazer caber em 30 linhas. Porém, sempre procuro deixar claro que não é uma questão rígida na correção da redação. Textos com menos de sete linhas também não são corrigidos, pois a banca entende que não há material suficiente para que o candidato desenvolva um ponto de vista.

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GUIA – O estudante precisa citar algum filósofo famoso?

Corretora – Não precisa ser somente uma citação de um filósofo, literato ou algo assim. Mas é desejável que os candidatos tragam uma novidade para a sua argumentação. Na verdade, chamamos isso agora de repertório sociocultural. Quando o candidato traz esse repertório, ele extrapola as informações presentes nos textos motivadores. Não é uma obrigação propriamente dita, mas é desejável apresentá-las caso o estudante tenha interesse em alcançar notas mais altas.

O candidato pode trazer essa novidade de diferentes formas, não apenas com citação de filósofos como se pensava até alguns anos atrás. Pode ser, por exemplo, uma série, música, pesquisa, enfim, todo dado que representar uma informação nova e tiver devidamente amarrado com a argumentação.

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GUIA – Os corretores verificam a veracidade das citações ou dos dados apresentados pelo candidato?

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Corretora – Para ser considerada uma citação é necessário que seja de amplo conhecimento. Posso citar uma série de TV desde que seja algo fácil de ser encontrado, normalmente algo atual. Ou, por exemplo, uma música conhecida. Há também aqueles espertinhos que inventam repertórios. Isso a gente vai verificar. Já me deparei com uma situação em que havia uma citação de uma literata norte-americana ”muito famosa”. No texto, o candidato dizia que ela havido sido indicada ao Prêmio Nobel de Literatura. Como nunca tinha ouvido falar nessa mulher? Logo eu que sou da área. Fiz minhas pesquisas e verifiquei que ela não existia mesmo. Mas enviei o texto para a coordenação analisar a veracidade da citação. No fim, eu estava certa.

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GUIA – Os argumentos presentes no texto precisam respeitar os direitos humanos?

Corretora – Existe essa necessidade. Antes, quando o candidato feria os direitos humanos em qualquer parte do texto, a redação era zerada como um todo. De alguns anos para cá isso foi alterado. Quando o candidato coloca uma proposta de intervenção que vai desrespeitar qualquer direito humano na conclusão, somente será zerada a competência cinco [respeito aos direitos humanos]. Agora, se isso acontece em outras partes do texto, a orientação que nós temos é não corrigir essa redação e devolvê-la para a coordenação avaliar.

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GUIA – Já aconteceu alguma situação engraçada durante as correções?

Corretora – Como eu disse para você, os candidatos andam muito criativos. Todos os anos nós temos situações inusitadas. Por exemplo, quando o participante se deixa vencer pelo nervosismo, costuma colocar um recadinho para a banca. Infelizmente, isso resulta em zero, mesmo que o candidato peça a minha compreensão com mensagens do tipo: “Caro avaliador, sou péssimo em redação, favor compreender!” ou “Caro, avaliador, não zere o meu texto pois vou orar pela sua família”. Mas acontecem situações opostas também. Às vezes, os candidatos nos xingam. Qualquer recado para o avaliador, seja elogiando ou xingando, o zero é o mesmo.

GUIA –  O que te faz ficar impressionada com uma redação?

Corretora – Quando percebo que o candidato foi honesto com ele mesmo. O que eu quero dizer com isso? Muitas vezes o candidato não alcança aquela nota (mil) excelente, mas ele faz o melhor dentro do possível. Aproveita o que extraiu dos textos motivadores e apresenta contribuições em relação ao tema. Então, consigo me surpreender com diferentes perfis desde que eu perceba a honestidade do participante.

GUIA – Você já chegou a dar nota mil em uma redação?

Corretora – Já, mas infelizmente são raras. Dependendo do tema, as notas mil vêm em maior ou menor quantidade. Confesso para você que dá uma certa insegurança, justamente por serem difíceis de acontecer. É o tipo de texto que me exige umas três ou quatro leituras. Não pela questão do desconforto, mas sim para verificar se estou sendo realmente justa.

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GUIA – Ao longo dos anos, o desempenho dos candidatos na redação está melhorando?

Corretora – Tenho uma visão otimista de que, a cada ano, o Enem vem cumprindo de forma mais eficaz o seu papel de democratizar o acesso ao Ensino Superior. Então, as escolas de um modo em geral, tanto as públicas quanto as privadas, vêm direcionando sobretudo a área de língua portuguesa para o ensino do texto dissertativo-argumentativo. De forma sensível percebo essa melhora, pelo menos o básico os candidatos trazem para a redação

GUIA – Você tem alguma dica para os estudantes que vão fazer Enem e estão com medo da redação?

Corretora – Priorizem a leitura. Não precisa ser aquela com um livro físico. Muitas vezes o aluno pensa que é preciso andar com um calhamaço de quinhentas páginas debaixo do braço. Porém, não é isso. Insira a leitura dentro da sua rotina. Se você está no transporte público, abra um jornal de notícias, veja o que está acontecendo no mundo ou no país. Isso é enriquecer o próprio repertório.

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