Enem 2020: os desafios da acessibilidade na prova e depois
Estudantes com deficiência visual contam suas experiências nas provas e o que pensam sobre o assunto
Para Julia dos Anjos, 18, a pandemia não era a única preocupação em relação ao Enem 2020. Assim como seus outros amigos que também têm baixa visão, o medo da falta de acessibilidade é mais um desafio, que, segundo a garota, precisa ser enfrentado: “É na base do foco, força e fé”, fala com bom humor, depois de “um ano de estudo turbulento com tudo remoto”.
Julia, que tem o sonho de vestibulanda dividido entre um vaga em Biomedicina e em Matemática, solicitou a prova com letra superampliada (fonte de tamanho 24 e com figuras ampliadas) e o auxílio para leitura e transcrição. No primeiro dia do exame, ela conta que ficou sozinha, junto com o ledor e um fiscal – “o que é ótimo em tempos de pandemia”, observa.
As questões vieram em um papel muito grande, “a prova dá mais ou menos duas carteiras para conseguir manusear bem”, segundo as descrições de Julia. Ela continua: “não sei se teria uma forma de fazer ela super ampliada, mas de uma forma mais compacta, que facilitasse na hora de mexer nas folhas”.
A grande surpresa para Julia, que diz que em geral não teve problemas, foi o tamanho do espaço para o rascunho da redação, que não era ampliado como o restante da prova. Ela ditou o texto para a profissional que transcreveu na folha de resposta. “Não faz sentido nenhum as linhas serem tão pequenas”, afirma a estudante.
No Enem 2019, dos 50 mil atendimentos especializados efetuados pelo Inep, mais de 10 mil foram solicitados por pessoas com deficiência visual. Além da prova ampliada e superampliada, é possível solicitar prova em braille, auxílio para leitura e para transcrição, tempo adicional. Em 2020, o Inep disponibilizou também o leitor de tela, um software que possibilita a leitura de textos que estão na tela do computador, ao converter, por meio de voz sintetizada.
O estudante de Direito Lucas de Castro, que conseguiu uma bolsa por meio do Prouni com a nota do Enem 2015, defende que apenas as medidas e ferramentas disponíveis não garantem que o exame seja totalmente inclusivo: “a acessibilidade não é simplesmente você entender a prova”.
Ele conta que no ano em que prestou o exame o profissional que estava transcrevendo a redação para a folha de respostas acabou errando e isso não foi levado em consideração: “ele escreveu com letras muito grandes, acabou o espaço e a redação ficou incompleta”. “E ele pode errar, ele é humano”, completa.
Depois do vestibular
Lucas também aponta que o problema de inclusão não está só na prova. “Por que existem as cotas? Porque as pessoas não só com deficiência, como as outras minorias, sofrem uma defasagem desde o começo”. Ele diz que é importante que aqueles que, assim como ele conseguiram uma vaga, tenham a consciência de que “não nascemos todos no mesmo lugar, com a mesma educação e as mesmas oportunidades”.
Janaina Camargo, assessora de desenvolvimento profissional na Fundação Dorina Nowill, por meio de suas experiências na sala de aula, conta que os desafios não acabam depois do vestibular. “Já escutei diversos relatos de alunos que entraram na faculdade e que, infelizmente, tiveram que trancar porque não tinha uma equipe de apoio para auxiliar nas questões de acessibilidade”. Essa é uma preocupação que a jovem Julia também compartilha. Ela sonha em se aprofundar no campo da genética, mas sabe que precisará enfrentar a falta de acessibilidade para pessoas com baixa visão em laboratórios das universidades.
Segundo Janaina, existe a discussão da acessibilidade física, prevista na lei, e que é muito importante, mas que também é preciso pensar na questão atitudinal: “a sociedade e as instituições precisam entender que as pessoas com deficiência têm, além do direito, a capacidade de ter um ensino de qualidade, como todos”.
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