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Há 70 anos, o suicídio de Getúlio Vargas chocava o Brasil

Após governar o Brasil como ditador, Vargas voltou à Presidência pelo voto direto, mas não resistiu à pressão dos opositores

Por Redação
6 ago 2024, 15h00
Civis observam caixão de Getúlio Vargas, com tapa de vidro. Uma mulher está debruçada sobre o tampão.
Velório de Getúlio Vargas levou multidões às ruas do Rio de Janeiro, em 26 de agosto  (Museu da Democracia/Reprodução)
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Revolucionário, ditador, populista, nacionalista e “pai dos pobres” são qualificativos usados para o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, principal estadista brasileiro do século 20. Ele chefiou a República em três governos. O último deles, o único em que foi eleito pelo voto popular, terminou tragicamente com seu suicídio, na madrugada de 24 de agosto de 1954, com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

Ao todo, Getúlio Vargas comandou o país durante mais de 18 anos, em dois períodos históricos marcados por profundas transformações políticas e econômicas, nos cenários nacional e internacional, que deram a forma ao mundo de hoje.

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Revolução de 1930

Vargas era líder do governo gaúcho quando comandou a Revolução de 1930, que pôs fim ao período chamado de República Velha (1889-1930), dominado por oligarquias rurais e regionais. Em seu primeiro ano à frente do Governo Provisório (1930-1934), suspendeu o pagamento da dívida externa e anunciou a intenção de criar as indústrias de base, formas de tentar superar no Brasil as consequências da crise mundial deflagrada em 1929 – com a Quebra da Bolsa de Nova York e a Crise do Café –, além de acelerar a industrialização do país e diminuir a dependência de importações.

Seu governo modernizador instituiu em 1932 o voto secreto e o direito das mulheres a votar e serem votadas, e decretou as primeiras leis trabalhistas. No mesmo ano, enfrentou e derrotou a Revolução Constitucionalista de São Paulo. Após convocar uma Assembleia Constituinte e promulgar a Constituição em 1934, Vargas preside o Governo Constitucional (1934-1937).

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Estado Novo (1937-1945)

Em 1937, sob o pretexto de impedir uma suposta conspiração golpista feita por comunistas, em nome da segurança nacional, Vargas dá um golpe e implanta o Estado Novo: suspende as eleições previstas, fecha o Congresso, proíbe os partidos políticos, outorga uma nova Constituição e implanta uma ditadura.

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Nesse período, Vargas se aproxima do fascismo, do ditador italiano Benito Mussolini: instaura a censura nas artes, imprensa e rádio, persegue e prende opositores sem julgamento.

Inspirado no fascismo, cria uma legislação sindical que atrela e subordina os sindicatos ao Estado. Nesse contexto, cria a Justiça do Trabalho (1939), mas incorpora à legislação vários direitos trabalhistas, como o salário mínimo, a carteira profissional e as férias remuneradas. Para acelerar a industrialização, funda as companhias Vale do Rio Doce (mineração) e Siderúrgica Nacional (ferro e aço), a Fábrica Nacional de Motores (aviação e transporte) e constrói a hidrelétrica do rio São Francisco (Chesf). Cria também o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Durante o Estado Novo, ocorre a 2ª Guerra Mundial (1939-1945). Após uma aproximação com os Países do Eixo (a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini e o Japão de Hiroito), Vargas recua e acaba se curvando à pressão crescente dos Estados Unidos, a grande potência do continente. Em 1942, o Brasil entra na 2ª Guerra Mundial junto aos Países Aliados (Reino Unido, Estados Unidos, França e União Soviética). Pouco depois do fim da guerra, Vargas renuncia. Os partidos são legalizados e há eleições para presidente e para uma Assembleia Nacional Constituinte.

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O último governo (1951-1954)

Capa do jornal
Capa do jornal “Última hora”, de 24 de agosto de 1954 (Museu da Democracia/Reprodução)

Ao final do Estado Novo, duas grandes tendências políticas sobressaem no país: a tendência mais nacionalista, apoiada por empresários e dirigentes favorecidos na ditadura, apoia Getúlio e defende certa autonomia frente ao capital externo; uma tendência oposicionista, mais conservadora e ligada aos representantes de oligarquias regionais da República Velha e caciques políticos preteridos no Estado Novo. Estes defendem maior abertura a empresas estrangeiras e menos políticas trabalhistas e assistencialistas.

São criados 12 partidos, três dos quais dominarão a política brasileira até o golpe militar de 1964. Do lado nacionalista, Vargas conta com o partido que nasce com seu apoio, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e com o Partido Social Democrático (PSD). Do lado oposto, a União Democrática Nacional (UDN) será a grande força de oposição. Na eleição de 1945, o PSD getulista elege presidente o general Eurico Gaspar Dutra (ex-ministro da Guerra de Vargas). Na eleição de 1950, Getúlio é eleito presidente numa coligação liderada por PTB e PSD.

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O mandato final de Vargas é marcado pela continuidade de seu projeto nacionalista. No período, há o crescimento do movimento sindical, com a convocação de duas greves nacionais, o aumento de 100% no salário mínimo, a restrição à remessa de lucros das multinacionais, a estatização do petróleo e a criação da Petrobras e da Eletrobras.

Em meio à forte campanha da oposição, o chefe da segurança de Vargas é apontado como mentor de um atentado contra o oposicionista Carlos Lacerda, no qual morre um major. Os militares exigem a renúncia de Vargas, que, sob extrema pressão, se suicida com um tiro no palácio presidencial em 24 de agosto de 1954. Meses depois, Juscelino Kubitschek (PSD) é eleito presidente, e adota uma política econômica mais aberta ao capital externo.

Carta de Getúlio Vargas

Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

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Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

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