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“Ilíada”: resumo da obra de Homero

Épico fundador da tradição literária ocidental, obra ancora-se em um universo mítico que influenciou diversos campos das artes e do conhecimento

Por Luccas Diaz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
13 mar 2023, 17h09
Estátua de Homero
Por mais que sua identidade, ou até mesmo existência, seja questionada por historiadores, Homero é considerado o maior autor do Ocidente  (Wikimedia Commons/Reprodução)
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“Aira, Deusa, celebra do Peleio Aquiles o irado desvario, que aos Aqueus tantas penas trouxe, e incontáveis almas arrojou no Hades.”

Com esses versos inicia-se a “Ilíada“, que, junto com a “Odisséia“, ambas atribuídas a Homero, lançou as bases da literatura ocidental. Ao discorrer sobre uma realidade vasta e profunda, esses dois poemas épicos não só contribuíram para moldar uma nação e uma cultura mas também causaram impacto duradouro no que veio depois.

Como atesta a crítica literária Leyla Perrone-Moisés, Homero “é o autor mais referido por oito dos principais escritores-críticos modernos”. Para outro crítico, Otto Maria Carpeaux, “Homero compreende tudo: sol e noite, tragédia e humor […] o universo grego inteiro do qual é a bíblia e cânone estético, religioso, pedagógico e político, uma realidade completa.”

Composta de 24 cantos e quase 16 mil versos hexâmetros (versos constituídos de seis pés métricos), a “Ilíada” exibe uma precisão, uma beleza e uma unidade temática incomparáveis. Não é à toa que principie com a menção à ira sofrida pelo grego Aquiles, filho da deusa Tétis e do rei Peleu: a cólera do herói durante a Guerra de Tróia é o fator que desencadeia toda a ação.

Embora a batalha travada entre os gregos (aqueus) e os troianos (dárdanos) no século 12 a.C. tenha durado dez anos e remonte ao rapto de Helena pelo príncipe troiano Paris, o poema trata somente dos eventos que giram em torno de um único episódio ocorrido no penúltimo ano do embate: a rixa entre Agamêmnon, chefe militar dos aqueus, e Aquiles. Como afirma o professor Trajano Vieira, a guerra entre gregos e troianos é, no poema, “um aspecto de outra luta mais intensa, travada no interior dos próprios personagens”.

A ação, assim, começa em meio aos eventos. Aquiles zanga-se porque lhe privaram de sua escrava. Em um dos muitos saques praticados pelos aqueus em pequenas cidades da costa asiática, capturam-se duas jovens: Criseida e Briseida. Ambas se tornam escravas e são entregues, respectivamente, a Agamêmnon e a Aquiles.

Sacerdote de Apolo, o pai de Criseida implora pela libertação aos gregos. Agamêmnon não só não atende ao pedido do homem como o humilha. Desonrado, o sacerdote pede a Apolo que interceda em seu favor, e o deus manda uma peste ao acampamento grego. Desesperados, eles recorrem a um vidente, que diz que Apolo só retrocederá se Criseida for devolvida ao pai. Sem opção, Agamêmnon restitui a escrava, mas exige que Aquiles lhe ceda Briseida. Furioso por ter de abrir mão da jovem, Aquiles abandona a guerra e pede que sua mãe Tétis interceda por ele. A deusa consegue de Zeus a promessa de que os gregos não triunfarão enquanto a injustiça contra o herói não for reparada.

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Sem o apoio dos deuses e sem seu principal guerreiro, os gregos sofrem sucessivas derrotas no campo de batalha. Agamêmnon roga a Ulisses que vá à tenda de Aquiles e peça para que o herói retorne à guerra. Mesmo com a promessa da restituição de Briseida, Aquiles permanece impassível. O acontecimento que determina a volta de Aquiles à batalha é a morte de Pátroclo. Amigo de Aquiles, ele se engaja na guerra no comando dos mirmidões. O herói lhe empresta as próprias armas, mas pede a Patróclo que não se afaste dos limites do acampamento. Imprudente, o jovem descumpre a recomendação e avança até os muros de Tróia, onde enfrenta Heitor, príncipe e herói da cidade, que o mata.

Tomado mais uma vez pela ira, Aquiles dirige-se para Tróia, perseguindo e por fim trucidando Heitor. Com o coração pesado de dor, ele amarra os pés do troiano a seu carro e arrasta repetidas vezes o cadáver diante da cidade. Diante do horrendo espetáculo, Príamo, rei de Tróia, suplica que Aquiles lhe restitua o corpo do filho. Sensibilizado, o herói permite que o rei parta com o corpo de Heitor. Enfim, a ira de Aquiles é aplacada, resolvendo-se o motivo que deu origem à narrativa. Por isso é que se costuma dizer, desde Aristóteles, que a “Ilíada” se erige em torno de uma unidade de ação. O poema se fecha com os funerais de Heitor.

Origens a influências

Os mitos e lendas narrados por Homero na “Ilíada” decorrem de cantos surgidos por volta do século 10 a.C., na Jônia, atual Turquia. Essa tradição se moldou e difundiu em recitações promovidas durante eventos patrióticos, festividades religiosas e banquetes. A sociedade de tradição oral desse período venerava deuses e mitos, que explicavam o surgimento da vida, do mundo e dos elementos naturais. Era por meio deles que se construía a verdade sobre as instituições, os processos de trabalho e os padrões de comportamento. Todas as ações humanas significativas figuravam segundo o paradigma de algum mito.

Os deuses desses primórdios eram semelhantes aos homens, e estavam sujeitos às mesmas contingências. Sua única vantagem residia na imortalidade, mas mesmo eles se curvavam aos desígnios do destino. Na concepção desse mundo arcaico, deuses e homens faziam parte de um todo ordenado, um cosmo. O terreno natural e o humano se confundiam, não havendo limites distintos entre sociedade e natureza.

Essa sociedade simbolicamente rica é o território de Homero. O historiador e filósofo Richard Tarnas disse a propósito da “Ilíada” e da “Odisséia“: “Aqui, na luminosa aurora da tradição literária ocidental, foi captada a sensibilidade mitológica primordial, onde os eventos da existência humana eram percebidos como intimamente relacionados ao reino eterno dos deuses e deusas e, dessa forma, por ele influenciados”.

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Segundo Tarnas, Homero “independentemente da polêmica sobre sua existência histórica” foi “uma personificação coletiva de toda a memória grega antiga”. A condensação em suas epopéias desse universo mítico e desse prisma existencial influenciaria de forma definitiva o pensamento grego posterior. O poeta Hesíodo (século 8 a.C) e os dramaturgos Ésquilo e Sófocles (século 6 a.C.) foram profundamente marcados por esses princípios.

A filosofia surgiria, de certa maneira, como oposição aos esquemas míticos representados por Homero. A necessidade de explicar os fenômenos naturais por um ponto de vista que fosse além da crença nos mitos e nos deuses se fazia premente. Os filósofos pré-socráticos Tales de Mileto, no século 6 a.C., e seus sucessores Anaximandro e Anaxímenes foram alguns dos primeiros a procurar estabelecer conceitos e explicações a partir da observação de fenômenos naturais. Contudo, seguiam acreditando no entrelaçamento de divindades com a natureza.

Entre os séculos 5 a.C. e 4 a.C., os componentes mitológicos perderam sua posição central no pensamento grego, com a “teoria atômica” de Demócrito e a explicação da natureza segundo formas matemáticas de Pitágoras. Os filósofos sofistas defendiam a instrução e o conhecimento como caminhos primordiais na busca pela felicidade e autonomia humanas ” e condição para a plena participação do homem como cidadão da pólis, a cidade-estado grega. Avessos à aceitação acrítica da religião, acreditavam que a única verdade estava no próprio homem e no modo como este interpretava e julgava a existência.

A negação da tradição homérica expressa pelos sofistas teria o contraponto em Sócrates e Platão. Os dois filósofos, mestre e aluno, representaram a criação de uma complexa dicotomia entre a esfera divina e a experiência empírica, tornada científica. Na filosofia platônica não havia mais exclusão do divino diante do racional: à existência humana se impunha um propósito transcendental, e os grandes personagens mitológicos voltavam a ser valorizados como símbolos das ações humanas.

Atravessando os tempos, a poesia de Homero “que remonta a um tempo alheio a racionalizações, mas prenhe de significados” chegou a nossos dias mantendo intacta sua prerrogativa de obra fundadora tanto da poesia quanto da ficção.

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Afinal, quem foi Homero?

Estudiosos divergem sobre a origem do poeta e colocam em dúvida a autoria das obras a ele atribuídas. São muitas as hipóteses e poucas as conclusões que a história apresenta sobre a existência da figura de Homero. Teria nascido em Esmirna, atual Turquia, ou em alguma ilha do mar Egeu e vivido no século 8 a.C.

Mas sua origem é tão controversa que oito cidades disputam a honra de terem sido a terra natal do poeta.

Homero viveu numa era em que a tradição oral suplantava a literatura escrita. Mitos, lendas e feitos heróicos eram narrados por aedos ou rapsodos, os cantores das epopéias. Por isso, levantou-se a hipótese de as obras de Homero terem sido escritas por um conjunto de aedos e não por um único autor. Como argumento, os defensores dessa tese observam as constantes repetições e contradições que existem nos textos e o fato de estes virem vazados em diversos dialetos, com predomínio do jônio.

Criadas por um único autor ou vários, o fato é que na “Ilíada” e na “Odisséia” há características vivas da oralidade. Elas são encontradas na retomada de expressões fixas ao longo do texto, na repetição de cenas típicas e no predomínio da sintaxe por justaposição.

A semelhança com os relatos orais não traz demérito à elaboração estética dessas obras, que apresentam brilhantes jogos onomásticos, lingüísticos e metafóricos. De acordo com Trajano Vieira, “diversos estudos antropológicos sobre culturas orais registram que a grande poesia oral é trabalhada muitíssimo antes de ser apresentada ao público, não sendo, pois, composta de improviso”.

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Versões brasileiras

O Brasil tem boas versões da obra. Com características diferentes, três traduções feitas no país mostram os desafios do texto original. Das traduções ao português da obra de Homero, a mais antiga é a do maranhense Manuel Odorico Mendes, que se ocupou de verter as duas epopéias do poeta grego “além dos poemas de Virgílio” para a língua de Camões. Sua versão da “Ilíada” foi lançada em 1874.

Odorico Mendes preocupou-se em manter aspectos estilísticos do texto grego, usando, por exemplo, aglutinações e longas expressões hifenizadas para converter os epítetos e termos compostos de Homero. Mas impôs uma redução significativa das repetições características da obra. Nos 12 primeiros cantos da “Ilíada” de Odorico Mendes há 1,5 mil versos a menos que o original.

Em meados do século 20, Carlos Alberto Nunes teve o cuidado de manter as repetições e descrições pormenorizadas do poema. Mas acabou deformando o estilo homérico com uma transliteração baseada em um verso pesado de 16 sílabas.

Uma das traduções mais recente é a do poeta Haroldo de Campos. Resultado de mais de uma década de trabalho, ela procurou manter a dicção homérica, com seus efeitos sonoros e repetições. “O apuradíssimo labor verbal de Homero encontra, na tradução de Haroldo de Campos, correspondências surpreendentes”, enfatizou Trajano Vieira no ensaio ao primeiro volume.

Título: Ilíada
Autor: Homero

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Esse texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Mundial”, publicado em 2009 pela revista Bravo!

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