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“Morangos Mofados”: resenha da obra de Caio Fernando Abreu

Livro de contos faz parte das leituras obrigatórias da Unicamp 2025. Veja a relação com Clarice Lispector e a crítica à Ditadura Militar

Por Luccas Diaz
Atualizado em 11 abr 2024, 16h41 - Publicado em 7 abr 2024, 15h00

“Morangos mofados” entrou para a lista de leituras obrigatórias da Unicamp 2025. A célebre obra de Caio Fernando Abreu (1948-1996), publicada em 1982, é um livro de contos, com 18 histórias. Escritas pelo autor em um difícil período social e político da história recente brasileira, promovem, sobretudo, reflexões sobre a condição humana, a solidão, a repressão e o amor – por vezes, proibido pelos valores da tal sociedade tradicional.

Ao lado de “A vida não é útil”, de Ailton Krenak, “Prosas seguidas de odes mínimas”, de José Paulo Paes, “Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá”, de Lima Barreto, a adição mostra mais uma vez a “Unicamp sendo Unicamp”, com uma lista diversa e que busca do candidato uma postura crítica das leituras.

Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE te explica tudo que você precisa saber sobre “Morangos mofados”, de Caio Fernando Abreu, para fazer a prova com tranquilidade.

Quais contos vão cair?

Antes de mergulhar nos detalhes dessa obra, uma observação importante. “Morangos mofados” é composto por 18 contos, mas não serão todos cobrados pela prova. Na seleção publicada pela universidade, são apenas seis os contos escolhidos:

  1. “Diálogo”;
  2. “Além do Ponto”;
  3. “Terça-Feira Gorda”;
  4. “Pêra, uva ou maçã?”;
  5. “O dia em que Júpiter encontrou Saturno”;
  6. “Aqueles dois”.

Para ter a experiência completa e se aprofundar no estilo e temáticas do autor, o recomendado é, sim, ler o livro inteiro – que, por sinal, não é longo, tem em média 200 páginas –, mas é preciso ler os contos selecionados mais de uma vez. Ou, pelo menos, com uma atenção redobrada.

E fique tranquilo: diferentemente da Fuvest, a Unicamp tem um caráter muito mais interpretativo nas questões que englobam as obra obrigatórias. Vai ser difícil, portanto, a prova cobrar detalhes do enredo das seis histórias.

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Sobre o que fala “Morangos mofados”

Vamos começar pelo título do livro. Morango e mofo: dois termos contrastantes entre si. Se por um lado, temos o morango, um fruto suculento, vermelho, em formato de coração, do outro temos o mofo, um fungo, um deteriorante, um invasor que corrói a matéria orgânica. O nome que o autor dá ao livro pode ser interpretado como uma referência à própria maneira como Caio Fernando Abreu enxergava o período vivido pelo Brasil entre as décadas de sessenta e oitenta.

Como bem sabemos, a Ditadura Militar (1964-1985) condenou, isolou e perseguiu todos aqueles que não se encaixavam nas máximas perpetuadas pela política autoritária do período – “direitos humanos para humanos direitos”. Ao lado de outras minorias, o autor, que era abertamente homossexual, viu sua existência se tornar motivo de perseguição, silenciamento e punição simplesmente por ser como era.

A repressão, assim como um bolor que cresce, é fator presente ao longo da obra. As narrativas vão contar histórias contemporâneas, de homens e mulheres que vivem sob essa repressão que invade tudo aquilo que é mais caro à existência humana, criando profundas crises existenciais. “Todos os contos vão tratar, de alguma maneira, da repressão política, da subjetividade, da conjeção de isolamento dos indivíduos, da angústia dos encontros que não se realizam”, explica Cassia Cristina, professora de Literatura do Poliedro Curso.

Assim, o afeto, o sexo, o homoerotismo e a intimidade são figuras frequentes na obra. Em um dos contos selecionados, “Terça-feira gorda”, dois rapazes se conhecem em um salão de carnaval, se envolvem sexualmente até que são brutalmente violentados em um ataque homofóbico. “Então, assim como a repressão, a resistência em relação aos valores sociais também é muito presente na obra”, continua Cassia.

A ânsia por dias melhores e a busca por respostas chega a esbarrar em alguns aspectos esotéricos – sendo o próprio autor um homem notoriamente místico. Em “O dia em que Júpiter encontrou Saturno”, a astrologia desempenha um papel fundamental ao passo que o personagem, inconformado com a realidade, projeta na conjunção dos astros o sonho de uma mudança que traga uma vida melhor.

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“Estamos falando de uma obra sobre personagens com conflitos existenciais, que são sufocados por um contexto capitalista, opressor, conservador e muito preconceituoso.”

Principais características da obra

Ainda que, estruturalmente, “Morangos mofados” seja um tradicional livro de contos, a sintaxe carrega um forte senso de modernidade da literatura contemporânea. Modernidade esta que não deve ser confundida com Modernismo, movimento presente na produção artística do início do século 20. A forma como Caio Fernando escreve as narrativas mistura aspectos da prosa e do lirismo, rompendo com aspectos tradicionais da narrativa convencional.

“O candidato, que está acostumado a ler obras do século 19, que é quando a prosa é consolidada, pode sentir um pouco de dificuldade”, afirma a professora. “Tem conto, por exemplo, que não tem narrador, outro que tem uma pontuação diferenciada, ou outro ainda que são só os personagens ‘A’ e ‘B’ conversando.” Ao longo do texto, vemos frequentemente o uso do discurso indireto livre e, quando há a presença de um narrador, ela se mistura com os pensamentos dos personagens.

Essa linguagem transgressora é o principal ponto que o estudante deve ter em mente acerca das características da obra. Toda essa fuga da normalidade remente ao movimento da contracultura, extremamente presente na produção artística durante as décadas do regime militar brasileiro – uma alternativa ao sufocante pensamento conservador da época.

O chamado “desbunde” seria uma maneira de lutar contra o sistema sem usar armas de fogo, com artistas e intelectuais adotando a irreverência, a ironia e o absurdo como uma forma de debochar e deslegitimar aquilo que os “outros” tanto pregavam. Não é à toa que há diversas referências no livro à artistas que ficaram conhecidos por lutar contra a repressão, como Beatles, Angela Ro Ro e Caetano Veloso.

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+ Conheça “Tropicália”, a canção-manifesto do movimento tropicalista

Diálogo com Clarice Lispector

Clarice Lispector posando para foto
(Wikimedia Commons/Reprodução)

Como já dito, é tradicional da Unicamp adotar uma postura mais interpretativa nas questões acerca das obras obrigatórias. Característica esta que é ainda mais presente quando se trata de uma obra de contos, como “Morangos mofados”. Para a professora Cassia, é esperado que a prova traga alguns aspectos interdisciplinares nas perguntas, sendo o mais óbvio a relação com a Ditadura Militar.

No entanto, acredita que uma outra abordagem provável seja a comparação com uma autora que compartilha da linguagem intimista de Caio Fernando.

“Clarice Lispector é conhecida por essa marca de escrita intimista”, aponta. “No conto de abertura do livro, ‘Diálogo’, há uma ligação direta com ‘A Hora da Estrela‘, de Clarice. Os dois personagens do conto estão conversando em um diálogo sem pé nem cabeça que também acontece no livro de Clarice, entre a protagonista Macabéa e o seu namorado.”

A: Eu quero que você seja meu companheiro, eu disse.
B: O quê?
A: Eu disse que eu quero que você seja meu companheiro.
B: Você disse?
A: Eu disse?
B: Não. Não foi assim: eu disse.
A: O quê?
B: Você é meu companheiro.
A: Hein?
(ad infinitum)

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+ “A hora da estrela” – Resumo da obra de Clarice Lispector

Além disso, em “Diálogo”, há uma relação ao próprio título da obra. Em “A Hora da Estrela”, quando Macabeá, logo no início do livro, sai de uma consulta na cartomante (novamente, o misticismo) e morre atropelada, o narrador da obra afirma ser tempo de colheita de morangos. O conto que encerra o livro de Caio Fernando termina com o personagem se perguntando: “será possível plantar morangos aqui?”

O diálogo com a obra de Clarice se repete ainda na própria epígrafe da obra: “Quanto a escrever, mais vale um cachorro vivo”, outra frase de “A Hora da Estrela”.

“Lá na Clarice, o narrador não acredita que a escrita dê conta da busca existencial, porque ela é falha, porque escrever a vida de alguém não dá conta. Em contrapartida, o livro do Caio Fernando faz parecer que a escrita é um caminho de saída, é um caminho de resistência”, conclui a docente. “Então, a gente vê que há um diálogo, mas também há suas dissonâncias entre ele e a própria escrita da Clarice”.

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