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Conheça “Tropicália”, a canção-manifesto do movimento tropicalista

Conjugando o velho e o novo, o nacional e o global, a música de Caetano Veloso sintetiza a revolução antropofágica do tropicalismo

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 7 ago 2023, 14h28 - Publicado em 13 jan 2023, 16h48
Da esquerda para a direita, Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee e Gal Costa; à frente, abaixados, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista.
Da esquerda para a direita, Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee e Gal Costa; à frente, abaixados, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. Eles são os principais nomes do movimento tropicalista.  (Arquivo/Reprodução)
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Canção-manifesto do movimento de mesmo nome, capitaneado por Caetano Veloso e Gilberto Gil, Tropicália sintetiza as contradições culturais do fim da década de 1960. Naquele momento, acirrava-se o embate entre a persistência das tradições regionais vinculadas ao universo rural “contra” um processo acelerado de urbanização e modernização que expunha parcelas crescentes da população à cultura de massas e a fenômenos globais como a contracultura e a revolução sexual. O resultado dessa mistura, ora pacífica, ora conflituosa, quase sempre caótica, era, na linguagem dos tropicalistas, a grande “geléia geral” brasileira, expressão que mais tarde daria título à canção de Gilberto Gil e Torquato Neto.

Adotando o “recorte” e a fusão de elementos retirados de contextos diversos, característica da época, os autores da Tropicália consagraram a bricolagem como método de criação. Estabelecido no cenário musical brasileiro no simbólico ano de 1968 “marco de agitação dentro e fora do Brasil, que culminou, no país, com a decretação do AI-5 e o endurecimento da repressão política “, com o lançamento do álbum-manifesto “Tropicália ou Panis et Circensis”, o movimento teve sua origem disparada pouco antes, na canção “Tropicália”, de Caetano (dê o play abaixo).

Contexto político e social

No final da década de 1960, o mundo todo borbulhava com conflitos políticos e sociais. Nos Estado Unidos, a população civil questionava a Guerra do Vietnã e sofria as consequências do embate com a União Soviética na busca pela hegemonia global. Em 1967, Martin Luther King Jr. era assassinado pelo seu ativismo em nome dos direitos civis dos negros. Na Europa, movimentos como o Maio de 68, na França, e a Primavera de Praga, na Tchecoslováquia, demandavam reformas políticas, econômicas, sociais e culturais.

Já no Brasil, em 1964, um golpe de Estado instaurava uma violenta ditadura no país. Com militares no poder, o sistema democrático foi rendido e normas cada vez mais restritivas freavam movimentos progressistas. A censura barrava qualquer voz que tecesse críticas às instituições. Os que se mostravam contra as normas instituídas eram presos, torturados ou assassinados.

De forma geral, o mundo vivia uma onda de insatisfação e revolta – principalmente entre as camadas mais jovens. A expansão do movimento hippie, da liberdade sexual e dos movimentos sociais batia de frente com governos totalitários. Além disso, a recente popularização do Ensino Superior incentivava uma maior consciência política entre os jovens. Eles ansiavam por modernidade e queriam romper com as normas de uma sociedade que não respondia ao seus ideais de prosperidade, justiça e liberdade.

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Poucos meses antes da composição da canção “Tropicalia”, em 1967, Caetano assistiu a “Terra em Transe” (1967) filme do também baiano Glauber Rocha, considerado por Caetano o deflagrador da Tropicália. Inspirada na obra de Glauber, a música integrou o álbum “Caetano Veloso”, lançado no mesmo ano. O título foi sugestão de Luís Carlos Barreto, diretor de fotografia do filme de Glauber.

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Não foi apenas na música que o movimento fez seus expoentes. “Tropicália” é o nome do “penetrável” que Hélio Oiticica expôs no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro: a instalação, em formato de labirinto ambientada com plantas, areia e uma TV ligada, além dos seus “parangolés” – obra de arte feita com pedaços de pano para ser vestida no corpo.

Caetano não conhecia Oiticica e só aceitou o título como provisório. Mais tarde, o nome firmou-se na canção e no movimento e passou a definir tanto a arte visual de Oiticica quanto a música de Caetano, Gil e companhia.

Exposição Tropicália
Reprodução para a XXIVª Bienal Internacional de São Paulo, de 1998, da exposição “Tropicália” de 1967. (César Oiticica Filho/Reprodução)

 

A Tropicália de Hélio Oiticica

O movimento tropicalista não foi exclusividade da música ou do cinema. Nas artes plásticas, o seu principal representante é o carioca Hélio Oiticica – tidos por muitos, inclusive, como o fundador do movimento. Com inspirações do cubismo de Pablo Picasso e Piet Mondrian, e do Neoconcretismo de Lygia Clark e Wassily Kandinsky, Oiticica revolucionou a arte brasileira a partir do princípio de que o artista deve ser um motivador para a criação e não um criador para a contemplação.

Este espírito, que contrariava as vanguardas mais tradicionais, é o que ele chamava de “antiarte” – termo que se traduz nas suas peças mais célebres. “Penetrável” e “Parangolé” são exemplos de criações em que se entra dentro e o próprio corpo se torna parte da exposição, construindo uma relação social entre a arte e o espectador. É algo semelhante ao que chamamos hoje de instalação.

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O inconformismo social, tão presente na década de 1960, permeia a obra de Oiticica através das referências que o artista traz para suas criações. Frequentador da Mangueira, o ritmo da dança, sobretudo, do samba, é o que desperta o “Parangolé”: uma capa que deve ser vestida e dançada para revelar movimentos de cores, fotos e textos. Já em “Penetrável”, Oiticica se inspira na arquitetura das favelas cariocas para trazer um labirinto de cores e estampas em que o visitante adentra, com os pés descalços na areia, para experienciar uma arte multi-sensorial. O espírito das obras de Oiticica pode ser conferido na exposição permanente que está no museu Inhotim, em Brumadinho (MG), que dedicou um pavilhão inteiro ao artista.

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O movimento tropicalista foi definido pelo poeta Waly Salomão como “topos de conciliação dos contrários, da inconciliação dos mesmos”. A canção “Tropicália” segue essa trilha, com sua colagem cubista de elementos que conviviam no país nos anos 60, e passou a disputar espaço nas rádios, TVs e vitrolas domésticas com a bossa nova, a jovem guarda e as canções de protesto contra a ditadura.

Em Tropicália, a utilização de elementos distintos, por vezes contraditórios, também está presente no arranjo do maestro Júlio Medaglia, que aproxima instrumentos clássicos de populares e incorpora recursos de música de vanguarda como sons eletrônicos, dissonâncias e elementos aleatórios.

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Também se combina a tensão provocada por sons violentos e marcados dos metais com o ritmo de carnaval que pontua os refrões. Estes, por sua vez, concentram as imagens opostas da letra, como “bossa/palhoça”, “Ipanema/Iracema” e “Carmen Miranda/banda”, em referência à música “A Banda”, de Chico Buarque, que em 1966 havia vencido o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record.

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Chico Buarque se apresentando em festival de 1967.
Chico Buarque foi o vencedor do “Festival de Música Popular Brasileira” no ano de 1967. (Uma noite em 67/Divulgação)

Carmen Miranda, por sua vez, representa, nas palavras de Caetano, “um emblema tropicalista, um signo sobrecarregado de afetos contraditórios”, os mesmos que ele reuniu, à moda quase surrealista, na imagem de país composta em “Tropicália”.

Carmen Miranda: tropical americanizado

A figura de Carmen Miranda, artista luso-brasileira, é frequentemente citada no ideário da Tropicália. Suas vestes extravagantes com pernas e barriga de fora, e seu turbante colorido, com frutas na cabeça, foi durante um bom tempo a imagem que o resto do mundo tinha do Brasil. Sua figura ficou registrada no imaginário popular, principalmente americano, como uma representante da vida nos trópicos. Quando se mudou para os Estados Unidos, poucos anos depois de consolidar sua carreira no Brasil, a artista se transformou em um dos principais nomes do show business. Músicas, filmes e apresentações ao vivo lotavam a agenda da artista. Carmen foi, em certo momento, a mulher mais bem paga da mídia americana. Seu nome durante um bom tempo foi o único de uma mulher latina na calçada da fama, em Los Angeles.

Mas é importante salientar que a artista não é contemporânea ao movimento tropicalista. Carmen nasceu em 1908, em Portugal, e se mudou com a família para o Rio de Janeiro quando tinha apenas um ano de idade. Morreu em 1955, na Califórnia, vítima de um ataque cardíaco. O movimento tropicalista tomou forma no final da década de 60, em 1968, tendo assim quase 15 anos de distância da artista.

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Ainda assim, a influência de Carmen Miranda no movimento é inegável. Por representar uma versão “americanizada” do que seria a cultura brasileira, os artistas tropicalistas evocavam a sua imagem como uma forma de questionamento, e até de mesmo de crítica, acerca de qual seria o papel desses clichês e estereótipos que a artista levava para o resto do mundo. Afinal, Carmen Miranda era uma mulher europeia e branca, se vestindo e cantando sobre elementos da cultura popular brasileira – como o samba, estilo tipicamente negro e periférico. Na canção “Tropicália”, Caetano Veloso a cita como uma imagem oposta à música “A Banda”, de Chico Buarque. Nessa parte da letra, Caetano enumera algumas imagens contrastantes do Brasil, como “Ipanema” e “Iracema” (a obra indianista de José de Alencar).

Dessa forma, Carmen Miranda se tornou um ícone imagético e cheio de simbolismos usado pelo movimento tropicalista. Não é à toa que os artistas por vezes se vestiam como ela, ou imitavam seus trejeitos, movendo os braços e girando as mãos tal qual a “baiana” fazia.

O melhor álbum

O movimento que a música Tropicália batizaria teve seu grande momento em 1968, com o lançamento de “Tropicália ou Panis et Circensis”. O álbum, considerado por muitos o melhor disco brasileiro de todos os tempos, reunia Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Capinan, Rogério Duprat, Os Mutantes, Tom Zé, Gal Costa e Nara Leão. Em comum tinham o desejo de beber nas fontes da cultura brasileira, incluir novas tendências que se deflagravam pelo país e incorporar vanguardas estrangeiras, na linha da antropofagia do modernista Oswald de Andrade.

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O disco, com 12 faixas, traduzia todas as bandeiras do movimento: a releitura do brega (em “Coração Materno”, de Vicente Celestino) e a incorporação do concretismo (em “Bat Macumba”) e dos elementos da cultura pop (“Baby” e “Parque Industrial”), sem contar os arranjos que traziam violino e orquestra ao lado de ruídos urbanos. A foto de capa, reunindo todos os participantes, tem uma origem evidente em “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles, o disco que criou o conceito de álbum temático.

Ainda em 1968, Caetano Veloso e Gilberto Gil passaram a dirigir o programa Divino Maravilhoso, na TV Tupi. O programa, que misturava happenings, apresentação de convidados e canções da Tropicália, durou apenas três meses. Após o AI-5, em dezembro, Caetano e Gil foram presos, considerados perigosos por influenciar a juventude com idéias e comportamentos “subversivos”. Partiram para o exílio, mas a revolução estava feita.

Tropicalismo no vestibular

Em 2023, candidatos que fizeram a segunda fase da Fuvest não tiveram escapatória: era preciso conhecer a tropicália na ponta da língua. A banca pediu que os candidatos citassem o nome de um artista ou música pertencente ao movimento e traçasse paralelos com outros dois movimentos artísticos.

Confira a questão e a resolução comentada pelo Curso Anglo:

tropicalismo
(Fuvest/Reprodução)
tropicalismo na fuvest
(Anglo Resolve/Reprodução)

Para saber mais

Separamos cinco livros para quem quer se aprofundar na história do Movimento Tropicalista e de alguns dos seus protagonistas. Confira:

Esse texto faz parte do especial “100 Canções Essenciais da Música Popular Brasileira”, publicado em 2008 pela revista Bravo!

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