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Por que a saída da cúpula militar gera tanto debate e preocupação

Crise gerada pela pressão de Bolsonaro sobre as Forças Armadas só pode ser entendida à luz da presença constante dos militares na política brasileira

Por Danilo Thomaz
Atualizado em 1 abr 2021, 13h48 - Publicado em 31 mar 2021, 13h53
Os ex-comandantes do Exército (Edson Leal Pujol), da Marinha (Ilques Barbosa Junior) e da Aeronáutica (Antonio Carlos Moretti Bermudez)
 (Marcos Corrêa/Presidência da República/Divulgação)
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Na semana em que o golpe militar de 1964 completa 57 anos, o Brasil vive um momento inédito e tenso na relação entre o governo e as Forças Armadas. Após a saída do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica deixaram seus cargos.

O general Azevedo e Silva saiu dizendo que preservou as Forças Armadas como instituições de Estado e deixou mais clara a suspeita que pairava sobre sua saída: o então ministro não concordava com o uso político das forças militares e isso desagradou a Jair Bolsonaro.

Segundo informações de bastidores, o presidente buscava apoio das Forças Armadas contra medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios. Apesar do recorde de mortes causadas pelo novo coronavírus e do colapso do sistema de saúde, Bolsonaro mantém sua posição contrária a restrições na circulação de pessoas e no funcionamento da economia.

O presidente até tentou derrubar as medidas contra a covid-19 recorrendo ao Supremo Tribunal Federal. Mas, derrotado na Corte, estaria buscando apoio das Forças Armadas contra as decisões de prefeitos e governadores. Uma pressão que foi interpretada como indevida pelo alto comando militar.

Não é à toa que a saída conjunta do general Edson Pujol, do Exército, do almirante de esquadra Ilques Barbosa Junior, da Marinha, e do tenente-brigadeiro do ar Antonio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica, gera tanta preocupação e debate. Apesar de mais distantes desde a redemocratização, os militares sempre foram muito presentes na política brasileira. E o período mais traumático dessa presença foi a ditadura militar, que, em 21 anos, implementou repressão, inclusive com tortura e mortes, a militantes e políticos e censura à imprensa. 

Nesta reportagem, contamos para você os principais eventos envolvendo os militares e a política brasileira de 15 de novembro de 1889, quando é implantada a República, até 2 de abril de 1964, quando é consumado o golpe iniciado no dia 31 de março que dá início à ditadura civil-militar (1964-85).

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Fica de olho no GUIA que, na segunda parte, a gente resgata para você o período da ditadura civil-militar (1964-85) e a Nova República, inaugurada em 1985.

A Proclamação da República

Com a vitória da Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai, o Exército brasileiro consolidou-se como a primeira instituição nacional com popularidade no país. Essa aprovação popular, porém, não encontrava correspondência, na década de 1880, em prestígio junto ao Império. Os militares se queixavam tanto dos salários recebidos quanto da posição que ocupavam na sociedade. Os descontentes eram sobretudo os militares formados pela Escola Militar da Praia Vermelha, no bairro da Urca, no Rio de Janeiro. Apesar da boa formação científica, esses oficiais não ocupavam o mesmo espaço que os bacharéis em Direito, símbolo da elite ilustrada do Império.

A insatisfação dos militares era também a de outros setores da sociedade, como os cafeicultores, que se sentiam lesados com o fim da escravidão, em 13 de maio de 1888. O republicanismo – que teve sua pedra-fundamental lançada em 1873 na Convenção de Itu, que fundou o Partido Republicano Paulista – ganhava força no país.

Até a Questão Militar (1887), os membros das Forças Armadas – Exército, sobretudo, já que a Marinha (então chamada Armada) não tinha a mesma influência – acreditavam que a República deveria ser instaurada somente após a morte do imperador D. Pedro II (1825-91). Mas a situação mudou quando o Império puniu com prisão os coronéis Cunha Matos e Sena Madureira atacaram o ministro da Guerra, Alfredo Chaves. Em reação, foi fundado o Clube Militar – presidido pelo Marechal Deodoro da Fonseca (1827-92).

O Visconde de Ouro Preto (1836-1912), presidente do Conselho de Ministros, buscou fortalecer outras forças armadas e enfraquecer o Exército, que reagiu. A sua queda, ocorrida durante a ausência do imperador D. Pedro II da Corte, foi a oportunidade para a instauração da República pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro e de um governo provisório presidido por Deodoro da Fonseca, que havia abandonado a lealdade ao imperador, de quem era amigo pessoal.

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O Governo Deodoro

Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 – que alguns consideram um golpe contra o Império – tem início o governo provisório de Deodoro da Fonseca, que se encerra com a Constituição de 1891, inspirada na Constituição dos Estados Unidos. Eleito de maneira indireta, como previsto, e tendo o Marechal Floriano Peixoto como vice, Deodoro tentou radicalizar, chegando mesmo a fechar o Congresso, e acabou deposto. No seu lugar, assumiu o vice, apoiado pelas oligarquias paulistas.

O Marechal de Ferro

Floriano Peixoto sucedeu a Deodoro da Fonseca num clima de conflagração que se estendeu por todo seu mandato (1891-94). Apoiado nos oligarcas paulistas, Floriano debelou “deodoristas” – militares que apoiavam o ex-presidente –, monarquistas e federalistas, que defendiam um modelo de República semelhante ao dos Estados Unidos (como, aliás, previa a Constituição de 1891). Candidato à reeleição em 1894 – embora um segundo mandato não fosse permitido – foi derrotado por Prudente de Morais, primeiro civil eleito do país.

O período de 1889-94 entraria para a história como “A República da Espada”, em referência ao fato de o país ter sido governado por dois militares em um período de fortes conflitos civis e armados.

As revoltas tenentistas e a Revolução de 1930

Com a consolidação da República, os oligarcas – sobretudo de São Paulo e Minas Gerais – assumem o protagonismo político do país, na chamada República do Café com Leite. No entanto, as insatisfações com a carestia da população, a falta de investimento nas forças militares e o desejo por industrialização trouxeram as Forças Armadas de volta à cena.

Desta vez, representadas pelo movimento tenentista, que empunhou essas bandeiras, opondo-se, sobretudo, ao governo de Arthur Bernardes (1922-26), eleito com o apoio das elites paulista e mineira, em oposição a Nilo Peçanha (1867-1924), preferido das classes médias urbanas e apoiado por oligarquias do Rio Grande do Sul, da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro. A derrota do candidato que simbolizava a Reação Republicana – ou seja, os ideais republicanos – levou à eclosão do movimento tenentista. Os dois principais eventos são o Levante dos 18 do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922, e a Revolução de 1924, a chamada “revolução esquecida”, em São Paulo. Até hoje o maior banho de sangue da capital paulista.

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As ideias tenentistas se encontrariam com a Aliança Liberal, movimento formado em agosto de 1929 para se opor à candidatura de Júlio Prestes , o candidato governista, à presidência da República. A Aliança Liberal reunia lideranças de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, além de partidos políticos de oposição de diversos estados, incluindo São Paulo. O movimento, derrotado nas urnas, não aceitou a vitória da oposição – representada por Júlio Prestes, candidato eleito para suceder a Washington Luís, o último presidente da República do Café com Leite. O assassinato de João Pessoa, presidente (governador) da Paraíba e candidato a vice na chapa de Getúlio Vargas, foi o estopim para a tomada do poder em 24 de outubro de 1930.

O Estado Novo e o Governo Dutra

Os militares estiveram presentes durante toda Era Vargas (1930-45), mas sua principal influência se deu durante o Estado Novo, a ditadura de inspiração fascista implantada a partir de 1937. É nesse período que medidas socioeconômicas importantes são implementadas – como a Consolidação das Leis de Trabalho (1943) –, no rastro do processo de industrialização e criação do Estado brasileiro iniciado em 1930.

O regime, no entanto, cai por suas próprias contradições, uma vez que se tratava de uma ditadura de inspiração fascista que, no plano externo, apoiou os Aliados, que derrotaram o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial. Vargas, sem conseguir sustentar suas contradições e manter um regime fechado, é deposto por militares em 1945. E sucedido por um militar de seu governo: o general Eurico Gaspar Dutra, que, impopular, devolveria o poder pelo voto a… Vargas, em 1950.

Os militares e o Período Democrático

Os anos de 1946 até 1964 (precisamente 2 de abril de 1964) são marcados pela volta das liberdades públicas, a redação de uma nova carta constitucional e o protagonismo das forças civis na política, num período de forte desenvolvimento econômico e urbano e ascensão das forças trabalhistas no país.

No entanto, os militares estiveram à espreita durante todo esse tempo. Foram os protagonistas da República do Galeão, que reuniu representantes das Forças Armadas para apurar a morte do Major Vaz, perpetrado por Gregório Fortunato, da segurança pessoal de Getúlio. O segurança queria, na verdade, assassinar o principal opositor do presidente, o jornalista Carlos Lacerda. A crise desencadeada em 5 de agosto de 1954 foi encerrada em 24 de agosto com o suicídio de Vargas.

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Os militares também foram um agente de desestabilização da posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, eleitos, respectivamente, presidente e vice presidente – naquele período os eleitores votaram nos dois cargos separadamente. Insatisfeitos com o resultado nas urnas, uma vez que JK e Jango eram sucessores do getulismo, os militares tentaram impedir a posse, mas foram impedidos por… um militar, o general Henrique Lott (1894-1984), ministro da Guerra.

Lott, por sua vez, seria candidato em 1960, mas acabaria derrotado por Jânio Quadros – que teve como vice João Goulart. Com a renúncia de Jânio em agosto de 1961, abre-se uma crise sucessória. Parte das forças militares apoiavam Jânio e sua cruzada moralista e não aceitava dar o poder a Jango, herdeiro do getulismo. A crise foi encerrada com a instauração do regime parlamentarista, em setembro daquele ano.

O parlamentarismo seria revogado em janeiro de 1963 e Jango se manteria no cargo, mas enfrentando uma oposição feroz a medidas como as Reformas de Base (a agrária entre elas) e a lei para limitar a remessa de lucro das multinacionais para fora do país. O levante militar se forma num quadro de crescente polarização entre as forças trabalhistas e as forças de direita.

Os marcos dos chamados idos de março são o Comício da Central, em que Jango, incentivado por Leonel Brizola, defende seu programa nacionalista e reformista a 150 mil pessoas; a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu setores civis conservadores e anticomunistas; e a revolta dos marinheiros, que incomodou o alto escalão militar por causa do perdão concedido pelo governo aos rebelados. As Forças Armadas temiam, ali, uma quebra na hierarquia.

A sucessão de eventos antecipou a ruptura institucional com a queda do governo, planejada para o dia 10 de abril. Em 31 de março, o general Olímpio Mourão, de Juiz de Fora (MG), ordenou o levante das tropas. O golpe foi concluído em 2 de abril, com a declaração de vacância do cargo de presidente e a posse do presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, do PSD.

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