Quem foi Duque de Caxias?
O patrono do Exército é uma figura importante da história do Brasil, mas há controvérsias sobre a sua trajetória
Considerado um dos grandes heróis nacionais, o patrono do exército brasileiro Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias (1803-1880) teve a memória de sua trajetória desafiada no desfile de carnaval da Mangueira, que foi campeã no Rio de Janeiro, em 2019. Em um dos carros alegóricos, a escola trazia a página de um livro de história estampando uma crítica ao patrono do Exército, sob ela, diversos corpos.
O samba-enredo da escola, que problematizou a versão oficial dos diversos momentos da história do Brasil, fazia referência às mortes de negros, pobres e indígenas provocadas por tropas lideradas por Caxias contra diversas revoltas do período regencial e imperial, como a Balaiada. Tal demonstração de sanguinolência chocou alguns e deixou outros tantos confusos, já que ele é conhecido pelo título de “pacificador”, por ter defendido e trabalhado em defesa de valores como a ordem e união nacional.
O debate não é recente. A biografia de Caxias é complexa e já foi disputada em diversos outros momentos — sua figura chegou a ser deixada de lado especialmente com a queda da monarquia, mas foi recuperada em outros momentos, como na Era Vargas, por um conjunto de valores principalmente ligados ao nacionalismo.
Para entender quem foi esse grande personagem da nossa história, é preciso cruzar as diferentes versões de sua vida e compreender os interesses que as atravessaram. O padre Joaquim Pinto de Campos, um de seus mais antigos biógrafos, optou por quase apagar sua vida pessoal e trajetória política, construindo a imagem do militar disciplinado e apolítico. Por outro lado, textos escritos à época do Golpe de 1964 acabaram prejudicados por uma análise anacrônica, focada em diminuir a figura do patrono do Exército.
Conhecer as nuances da trajetória de Caxias pode te ajudar não só a compreender melhor as revoltas e guerras do período imperial, como também as relações sociais e políticas que o marcaram. De quebra, você reúne repertório para discutir a memória e a importância da história, que foi inclusive tema da redação da Fuvest em 2018. Vamos lá?
Antes do militar
Luís Alves de Lima e Silva nasceu em 25 de agosto de 1803 em Porto da Estrela, no Rio de Janeiro. Filho de um oficial militar português (sem títulos de nobreza), e de Mariana Cândido de Oliveira Belo (de família influente na região), sua família gradualmente ascendeu militar e politicamente durante o período imperial. A vinda da família real para o Brasil e as empreitadas expansionistas de D. João foram o início desse processo, já que os parentes de Luís Alves conseguiram os títulos de nobreza servindo na guerra de anexação da Cisplatina e da Guiana Francesa. Em duas gerações, a família subiu à nobreza.
Sendo assim, é importante lembrar que a herança militar já vinha de longa data na família Lima e Silva, e que isso foi determinante também para a trajetória de Luís Alves. Aos 5 anos, ele se alistou no Exército com um título “honorífico”, por ser filho de militar. Ingressou depois na Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho.
A historiadora Adriana Barreto de Souza, autora da tese que virou livro Duque de Caxias: o Homem por Trás do Monumento, afirma que “o modo como Luiz Alves dialogou com essa herança familiar e seus limites produziu uma forma específica de ação militar e política”.
O pacificador
Duque de Caxias recebeu o apelido de “pacificador” pelo papel que exerceu, principalmente, nas batalhas contra as rebeliões regenciais e as revoltas liberais de 1842. Sua imagem foi associada à defesa da união nacional e da paz, mas vale a ressalva de que tudo isso era em prol de ordem política, como defendeu o historiador Marcos Napolitano em entrevista ao site Nexo. “É uma paz que não foi pactuada, foi imposta pelo núcleo da monarquia”, ressaltou.
Caxias foi responsável por comandar as tropas que reprimiram a Balaiada, no Maranhão, em 1840. A revolta popular, promovida por camponeses pobres, indígenas e até escravos, foi uma resposta às arbitrariedades cometidas pelas oligarquias regionais.
No ano de 1842, suas tropas derrotaram as revoltas liberais em São Paulo e Minas Gerais, que aconteceram em função do Golpe da Maioridade (que impôs a maioridade prematura de Dom Pedro 2º). No mesmo ano, Caxias foi designado pelo imperador Dom Pedro II para reprimir a Revolução Farroupilha, de ordem republicana, que acontecia no sul do país. Apesar de a revolta contar com escravos negros em seu contingente, ela não era abolicionista e, ao final da negociação de paz, uma emboscada foi montada para matar esses escravos.
Por fim, sua outra grande atuação militar foi como comandante geral na Guerra do Paraguai, que, segundo estimativas, matou cerca de 300 mil paraguaios e 100 mil brasileiros. Depois de diversos avanços e de declarar a guerra ganha, Caxias resolveu nomear um comandante interino para seu cargo e voltou ao Brasil sem autorização do imperador, com o ditador paraguaio Francisco Solano López ainda vivo e escondido no interior do Paraguai. Mesmo assim, por seus serviços prestados na guerra e em diversas outras ocasiões, Dom Pedro II propôs uma reconciliação e o nomeou duque, o título mais alto da nobreza brasileira.
Apesar de ser o patrono do Exército Brasileiro e do dia do soldado ser comemorado na data de seu aniversário, é importante lembrar que, à época da formação militar de Caxias, a ideia do militarismo em si era muito diferente da de hoje. Adriana Barreto fala também no seu livro que uma das características do senso comum ao analisar o duque é essa visão anacrônica do que é “ser militar”, ressaltando que as tradições militares da época estavam muito ligadas a interesses conjunturais e, especialmente, ao império. Eram exércitos aristocráticos, o que refletiu muito na sua atuação.
O político
A questão conjuntural e a ligação de Duque de Caxias com o império não se restringiu, no entanto, ao campo militar. Embora raramente esteja descrito nas biografias, ele teve uma longa trajetória política no Partido Conservador (conhecido durante o período regencial como Partido Regressista). Da biografia escrita pelo padre Joaquim Pinto de Campos, apenas 54 das 510 páginas falam sobre a vida política. O silêncio sobre sua atuação nesse campo contribuiu para a formação da falsa imagem de que Duque de Caxias teria sido “apolítico”. O Partido Conservador era formado principalmente por grandes proprietários rurais, comerciantes ricos e funcionários de alto cargo no império. O partido defendia uma maior centralização do poder.
Os cargos ocupados por Duque de Caxias nesse período foram:
- Deputado pelo Maranhão (eleito em 1841)
- Presidente das províncias do Maranhão (1839-1841)
- Presidente das províncias do Rio Grande do Sul (1842-1846 e 1851-1852);
- Vice-presidente de São Paulo (1842)
- Senador pelo Rio Grande do Sul em 1845 (cargo vitalício)
- Ministro da guerra nos gabinetes de 1853 (tendo ingressado em 1855), de 1861 e 1875 e, por fim, presidente do conselho de ministros desses mesmos três gabinetes.
Membros de sua família, como seus pais e tios, também atuaram na política — muitas vezes em campos opostos ao duque, em favor de revoltas como a Farroupilha.
Como o Duque de Caxias pode aparecer na sua prova
De acordo com Thomas Wisiak, coordenador de História do Grupo Etapa, não é comum nos grandes vestibulares perguntas especificamente sobre personagens históricos. O recorrente é que se cobre o contexto em que aquele personagem atuou. Nesse caso, fique de olho nas rebeliões regenciais, como a Balaiada, e nas empreitadas brasileiras na Bacia da Prata (em especial a Guerra do Paraguai).
O professor ressalta que também não é comum perguntas sobre a atuação política de Duque de Caxias, mas que conhecê-la pode ajudar a entender melhor a política interna do Segundo Reinado, em especial as chamadas questões militares. Ou seja, a melhor forma de estudar essa figura histórica é relacionando a sua trajetória com o contexto, com a situação política mais geral.