Candidato viraliza ao citar grupo de K-Pop em redação do Enem 2024; ele pode zerar?
No X, muitos questionaram a validade e a pertinência do repertório em relação ao tema deste ano, os "Desafios para a valorização da herança africana"
Um candidato do Enem 2024 viralizou nas redes sociais ao compartilhar uma postagem no X (antigo Twitter) dizendo que citou um grupo de K-Pop como repertório em sua redação. O usuário, identificado apenas como “G”, postou uma foto do rascunho do texto em que é possível ler: “Na obra musical ‘Welcome to My World’ do grupo feminino sul coreano aespa é retratado um mundo perfeito e distópico, onde nenhuma delas passa por algum desafio ou algo do gênero, algo que não acontece nos dias atuais”. Nos comentários, o repertório do estudante chamou a atenção de outros candidatos, que questionaram o que o grupo musical teria a ver com o tema proposto este ano, “Desafios para a valorização da herança africana“.
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Ainda que o jovem não tenha compartilhado uma foto do rascunho por inteiro – e possa ter mudado o texto ao passar para a folha oficial –, a escolha de repertório repercutiu, com usuários afirmando que o estudante já pode dizer adeus à vaga na universidade, já que vai zerar a redação.
Será que zera mesmo?
O GUIA DO ESTUDANTE foi atrás da resposta e conversou com professores de redação para tirar essa dúvida.
Repertório pode ser variado
Ao contrário do que alguns posts estão sugerindo, o candidato que está viralizando não zera a redação. Não em relação à escolha do repertório, pelo menos. E a justificativa é simples: tudo pode ser considerado repertório, desde que explicado e vinculado ao tema. Quem afirma é Tanay Gonçalves, professora de redação da Plataforma Professor Ferretto. “Se o grupo citado tenha alguma letra que trabalhe com a questão cultural, e esse candidato tenha conseguido vincular ao assunto, não há porque o repertório ser desconsiderado”, explica.
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Mateus Leme, professor de redação do Colégio Oficina do Estudante, relembra que, há alguns anos, a prova até fazia uma diferenciação entre repertórios considerados ‘eruditos’ e aqueles provenientes da ‘cultura popular’. Isto é, para a correção da época, citar um filósofo era mais valorizado do que mencionar uma série de TV, por exemplo. “Hoje em dia não existe mais essa divisão”, esclarece. “Qualquer informação que configure uma área do conhecimento legitimada e articulada ao tema será considerada repertório. Logo, não há diferença entre citar Beethoven ou um grupo de K-Pop”.
A prova de que citar repertórios distintos não zera a redação são as dezenas de textos nota 1000 que referenciam séries, filmes ou músicas nos últimos anos. O GUIA DO ESTUDANTE já mostrou redações nota máxima com as séries “Grey’s Anatomy“, “Anne with an E“, “Cidade Invisível“, os filmes “Encanto“, “Coringa“, “Orgulho e Preconceito“, e até mesmo uma música do cantor Péricles.
Ou seja, não é proibido citar um repertório diferente… O verdadeiro X da questão é saber justificar o seu uso.
Dificuldade está na justificativa do uso
“Desde que não seja um repertório inválido, um repertório falso, como, por exemplo, uma estatística inventada, o repertório é sempre considerado. Mas é claro que quando é citado um tão distinto assim, ele chama a atenção da banca de correção”, diz André Barbosa, professor de Redação do Colégio Oficina do Estudante. Ele explica que o foco do estudante não deve ser, obrigatoriamente, no “o quê”, mas sim no “como”. “Precisamos levar em consideração que o repertório não é considerado de maneira isolada: ele é considerado dentro do contexto da redação”, complementa. “Se foi cabível aquele repertório naquela redação, tudo bem. Ele deve compor com o contexto da redação como um todo.”
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Assim, por mais que citar um grupo de K-Pop em uma redação sobre herança africana no Brasil possa causar estranhamento, é possível, sim, garantir uma boa nota caso a argumentação do candidato saiba amarrar a referência ao tema. “A única coisa que ele tem o dever de fazer é conseguir vincular esse grupo de K-Pop ao assunto que está sendo debatido”, explica Tanay Gonçalvez. “Ele poderia mencionar o grupo, falar da música da qual está se referindo e na sequência fazer uma análise do tema a partir do debate trazido pela música ou pelo grupo.”
O que diz a banca
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável pela prova, classifica repertório sociocultural como “toda e qualquer informação, fato, citação ou experiência vivida que, de alguma forma, contribui como argumento para a discussão proposta pelo participante”. Ele é avaliado na competência 2, que analisa a habilidade do candidato em “compreender a proposta de redação e aplicar conceitos de várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa”.
Na Manual de Correção da Competência 2 do exame, há uma lista que exemplifica repertórios:
- Fatos ou períodos históricos reconhecidos;
- Referência a nomes de autores, filósofos, poetas, livros, obras, peças, filmes, esculturas, músicas etc.;
- Referência a Áreas do Conhecimento e/ou seus profissionais, como Sociologia/sociólogos, Filosofia/filósofos, Literatura/escritores/poetas/autores, Educação/educadores, Medicina/médicos, Linguística/linguistas etc.;
- Referência a estudos e/ou pesquisas;
- Referência a personalidades, celebridades, figuras, personagens etc., desde que conhecidos;
- Referência aos meios de comunicação conhecidos, como redes sociais, mídia, jornais (O Globo, Revista Veja, Rede Globo, Folha de S. Paulo etc.)
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Ainda no documento, há a definição de um bom uso de repertório: “Ocorre o uso produtivo de repertório legitimado e pertinente ao tema quando o participante vincula esse repertório à discussão proposta, ainda que de forma pontual.” A avaliação do repertório ocorrerá na seguinte ordem:
1. Primeiramente, é preciso identificar se a origem do repertório está ligada aos textos motivadores ou não;
2. Se está ligada aos textos motivadores, é preciso diferenciar textos cujos argumentos são limitados a muitos trechos de cópias dos textos motivadores daqueles apenas baseados nos textos motivadores;
3. Se a origem do repertório não está ligada aos textos motivadores, analisamos se informações, fatos, citações ou experiências vividas são ou não legitimados pelas Áreas do Conhecimento;
4. Quando o repertório apresenta legitimação, é preciso verificar sua pertinência ao tema, isto é, se o repertório é associado ao menos a um dos seus elementos. Na proposta de redação do Enem 2018, por exemplo, os elementos do tema foram: internet, manipulação do comportamento do usuário e controle de dados. Nesse sentido, o repertório legitimado e pertinente deve estar associado por sinônimos, hiperônimos ou hipônimos a pelo menos um desses elementos do tema. Deve-se destacar que a pertinência ao tema pode ser encontrada tanto na referência direta que o participante apresenta, por meio de conceitos, informações, fatos ou citações, quanto na existência de um uso produtivo que ele faz do repertório legitimado;
4. Se o repertório apresenta legitimação e pertinência ao tema, devemos atentar para a existência de um uso produtivo, ou seja, se ele está vinculado à discussão proposta pelo participante. Assim, será considerado sem uso produtivo o repertório em que não for possível perceber essa vinculação.
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