“É liberdade de expressão”, afirmou o então presidente Jair Bolsonaro em 2020 quando questionado sobre o esquema de notícias falsas investigado pela Polícia Federal, que teria sido criado durante as eleições de 2018 para beneficiar sua candidatura. Desde então, o debate sobre as Fake News ganharam muitos novos capítulos – uma CPI, prisões e novas eleições conturbadas. A mais nova disputa envolve um projeto de lei que ficou conhecido como PL das Fake News, que busca a regulamentação das redes sociais e está gerando uma forte reação das Big Techs.
Embora novos atores como as redes sociais tenham entrado em cena e reacendido a discussão, a liberdade de expressão (e o debate sobre seus limites) está longe de ser, em si, um tema novo. A história desse direito de expressão teve seu ápice nas décadas que se seguiram ao Iluminismo. Na época, para além do fim da censura prévia, já se debatia a importância de impedir punições àqueles que expressavam suas opiniões.
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Na primeira metade do século 19, o filósofo inglês John Stuart Mill chegou a defender que o exercício da liberdade de expressão só poderia ser punido caso provocasse dano material ou físico a alguém. Isso porque Mill acreditava que o livre debate de ideias era fundamental, ainda que das mais radicais – segundo ele, elas poderiam tornar-se amplamente aceitas no futuro, como a democracia.
É claro que o avanço dos meios de comunicação, a ascensão de governos fascistas, ditatoriais e outros acontecimentos ao longo da história vieram evidenciar que o debate é bem mais complexo que isso, e fizeram com que muitos países ao redor do mundo passassem a estabelecer alguns limites para esse direito.
Já que temas complexos são um prato cheio para as bancas de vestibulares na hora de escolher os temas de redação, conversamos com Roberta Rinaldi, coordenadora pedagógica da plataforma de ensino de redação Imaginie, e levantamos os principais argumentos e pontos de atenção para quem não quer ser pego de surpresa com esse tema no dia da prova!
Dois lados da moeda?
Em um primeiro momento você pode até pensar “se Stuart Mill foi a favor da liberdade de expressão irrestrita, por que eu não poderia também ser na minha redação?”. Bom, você pode até tentar esse caminho, mas esteja ciente que sua gama de argumentos será bem reduzida e você pode até cair em contradição, especialmente se o tema estiver associado às fake news. Explicamos o porquê.
Para começar, é importante que você se situe a respeito do seu país e da história desse direito por aqui. Embora a Constituição Brasileira de 1988 garanta, no seu artigo 5º, o direito à liberdade de expressão, ela estabelece também alguns limites, como a proibição do anonimato, a asseguração ao direito de resposta e o pagamento de indenização quando violadas “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. Isso, é claro, sem mencionar os limites estabelecidos pelo Código Penal.
Um exemplo claro de que a liberdade de expressão não é tida como absoluta por aqui é a Lei 7.716/89, que dispõe a respeito da discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. No seu parágrafo primeiro, ela prevê pena de dois a cinco anos e multa para quem “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular, símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”.
Além do Brasil, muitos outros países europeus também classificam apologia ao nazismo como crime – especialmente a Alemanha. Não é o caso dos Estados Unidos, onde grupos neonazistas e fascistas podem realizar manifestação sem sofrer consequências penais, a exemplo da marcha de Charlottesville em 2017.
“Conquistamos com dificuldade a liberdade de expressão. Ela é um direito constitucional e um esteio do pacto social. A própria lei já estabelece limites: não posso defender ou incitar crime. Não posso, em nome da liberdade de expressão, defender racismo ou violência contra mulheres ou pedofilia. A liberdade é ampla, mas não absoluta”, esclareceu o historiador e professor da Unicamp Leandro Karnal em uma postagem em suas redes sociais.
Roberta Rinaldi, do Imaginie, reforça que esses limites são estabelecidos de forma a resguardar outros direitos. “Vale a reflexão sobre a tão conhecida frase do filósofo inglês Herbert Spencer: ‘A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro’ “, pondera.
No caso de um tema que pedisse a relação entre liberdade de expressão e fake news, é importante ainda considerar que esses “novos atores” que já mencionamos, como a internet e as redes sociais, agravam ainda mais a situação. Além de facilitar a disseminação rápida de qualquer conteúdo – potencializando assim o alcance de mentiras – grande parte dos sites que disseminam notícias fraudulentas utilizam nomes fictícios ou mesmo não possuem assinatura nos textos, impedindo assim a responsabilização pelo que foi publicado. Driblam, dessa forma, a vedação do anonimato instituída pela Constituição.
Isso tudo sem mencionar que o teor do conteúdo publicado muitas vezes incita o ódio e a intolerância. Por fim, Roberta afirma que “estamos vivendo uma era de ascensão dos discursos de ódio sob a justificativa do direito de se expressar, mas não é bem assim” e, segundo ela, “destacar isso é uma excelente forma de o aluno demonstrar criticidade quanto ao assunto”.
Atenção aos Direitos Humanos
Embora o tema não seja uma aposta tão forte para o Enem, a atenção aos Direitos Humanos vale para qualquer prova. E, nesses casos, ela recomenda ir direto à fonte: “a maioria dos candidatos se deixa levar pelos achismos, quando deveriam se debruçar sobre o estudo da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
Para a coordenadora do Imaginie, essa é uma maneira não só de evitar o desrespeito aos direitos humanos, como também uma chance de adquirir repertório. “Além de ser fundamental para sua formação como cidadão consciente de direitos e deveres, esse conhecimento é enriquecedor para o aprimoramento do repertório sociocultural do estudante”, explica.