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Como a retomada das escolas particulares prejudica os alunos das públicas

Retorno da rede particular antes da pública tende a agravar desigualdades – e ferir o princípio da isonomia

Por Taís Ilhéu
25 set 2020, 11h04
Três cadeiras enfileiradas no fundo de uma sala de aula
 (mygueart/iStock)
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Escolas particulares estão medindo forças com governos (municipais e estaduais) de norte a sul do país pela retomada das aulas presenciais. Um dos casos mais emblemáticos é o do Rio de Janeiro. Uma confusão jurídica envolvendo a prefeitura do município, que autorizou por meio de decreto a volta às aulas nas escolas particulares, e o Ministério Público do Rio, que contestou a medida e obteve respaldo no Tribunal de Justiça do Rio, está deixando escolas, pais e alunos sem saber como proceder. Algumas instituições de ensino particulares da cidade, como o Instituto Miraflores, buscaram uma brecha no meio da querela e abriram mesmo com a proibição da Justiça.

Em outros estados do Brasil, como no Mato Grosso do Sul e no Maranhão, o governo local acabou cedendo à pressão de associações e representantes das escolas privadas e autorizou a abertura delas mesmo sem um prazo no horizonte para retomada na rede pública. É o caso da capital Campo Grande (MS), onde enquanto 54 escolas particulares reabriram para o Ensino Infantil na última segunda (21), Lá, a previsão é que os alunos das públicas retornem só em 8 de outubro.

Não é de se estranhar que a rede privada de ensino esteja preocupada com a incerteza do cenário educacional em meio à pandemia. Uma pesquisa intitulada Megatendências – As Escolas Brasileiras no Contexto do Coronavírus, encomendada pelo grupo União pelas Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte, mostrou que de 30% a 50% das escolas privadas menores do Brasil estão sob risco de falência por causa de cancelamentos de matrícula, atraso e inadimplência das mensalidades durante esse período em que permanecem fechadas.

Para os empresários do ramo, assim como para alguns especialistas (já que o assunto está longe de gerar consenso), a saída é reabrir as escolas, evitando um colapso econômico do setor e também problemas educacionais a longo prazo, como evasão escolar e até defasagens de aprendizado muito graves e difíceis de serem contornadas.

Do outro lado, estudos apontam o risco sanitário de retorno nas condições ainda incertas e outros especialistas em educação alertam que a reabertura apenas de escolas particulares tende a aumentar o abismo – já imenso – que separa estudantes das redes pública e privada de ensino.

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“Enquanto não tivemos condições de saúde pública e de infraestrutura nas escolas reabrir só nos custará mais vidas”

No final de agosto, um estudo elaborado pela Fiocruz já alertava para o risco do aumento de contaminações e mortes em um cenário de reabertura das escolas – estima-se que nove milhões de brasileiros do grupo de risco poderiam se contaminar. Na mesma época, o Amazonas (AM), que estava em queda no número de mortes e contaminação, decidiu reabrir parte das escolas públicas da capital Manaus – as privadas já tinham autorização para abrir um desde o meio de julho.

O saldo, três semanas depois, foi de 1.770 profissionais da rede pública educação com resultado positivo para o novo coronavírus, sendo que 305 deles ainda estavam na fase de transmissão ativa. Entre a comunidade escolar da rede particular, não foi registrado nenhum novo caso em dois meses, segundo o Sindicato das Escolas Particulares de Manaus.

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Na última terça (22), o consórcio de veículos de imprensa que acompanha a evolução do coronavírus em todo o país divulgou que o Amazonas, que em agosto apresentou queda no número de mortes por coronavírus, voltou a apresentar alta em setembro. Junto dele, outros seis estados também apresentaram crescimento na média móvel de mortes nos últimos trinta dias – RJ, AP, BA, MA, PE e RN.

O governador da Bahia, Rui Costa, é um dos que defendem que as escolas permaneçam fechadas até que as mortes diárias por coronavírus baixem significativamente. “Um patamar de 44 mortes, 40 mortes por dia é alto. Se formos falar a linguagem de escola, é uma sala de aula morrendo todo dia. Hoje, morre uma sala de aula todos os dias”, afirmou em entrevista ao G1.

Andressa Pelanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, partilha da opinião do governador, e acrescenta que, além das condições de saúde pública, é necessário pensar na infraestrutura das escolas antes de cogitar a reabertura: “Enquanto não tivermos os dois elementos, reabrir só nos custará mais vidas”.

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Ela destaca ainda alguns dados importantes sobre a estrutura da rede pública de ensino no Brasil. “São dois milhões de estudantes que vão para escolas sem acesso a água potável, 800 mil em escolas sem rede de esgoto, 614 mil sem banheiro no local onde estudam”, exemplifica. “Ou seja, não há condições básicas de higiene e saneamento para milhares”.

Entre isonomia ou aumento da desigualdade

Mas a realidade dos colégios particulares em termos de infraestrutura é, claro, muito distante da que Andressa relatou. Instituições como a Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar) afirmam que essas escolas já estão preparadas receber os alunos obedecendo a todos os protocolos de segurança – e não é de se duvidar que de fato estejam ao menos próximas disso, considerando os resultados das escolas particulares de Manaus. Qual seria, então, o problema em apenas os alunos das escolas privadas voltarem ao ensino presencial?

De acordo com o desembargador Peterson Barroso Simão, do Tribunal de Justiça (TJ-RJ), que determinou que as escolas da rede privada do Rio de Janeiro permanecessem fechadas, trata-se de uma questão de isonomia (ou seja, garantia de igualdade): reabri-las apenas quando os alunos da rede pública também puderem voltar às suas escolas.

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Andressa Pelanda reforça a ideia, afirmando que, “se um grupo de estudantes tem acesso à educação e o outro não, isso gera disparidades, discriminações e aprofundamento das desigualdades”. É por isso que, segundo ela, “as políticas públicas e deliberações dos tomadores de decisão não podem levar em conta um grupo em detrimento do outro”.

Ou seja, os alunos de escolas públicas, que já estão em desvantagem no modelo de ensino remoto por diversos fatores (que vão de falta de conectividade a espaços inadequados para o aprendizado em suas casas e despreparo dos professores), se veriam ainda mais atrasados em relação aos dos colégios privados, que retornariam às salas de aula. Para os que cursam o Ensino Médio, o descompasso é ainda mais preocupante, já que em janeiro de 2021, todos sentam-se lado a lado para fazer o Enem e pleitear vagas no Ensino Superior.

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