Covid-19: os ‘fura-filas’ da vacina podem ser presos?
Entenda o que pode acontecer com quem burla a fila da vacina contra o coronavírus e a discussão sobre atitude individual à frente da proteção coletiva
Desde que a imunização contra a covid-19 iniciou no Brasil, há diversos casos de pessoas que foram vacinadas, mas não faziam parte do grupo prioritário neste momento. Com apenas 6 milhões de doses da CoronaVac disponíveis inicialmente, os relatos de “fura-filas” vêm de todas as partes do país e envolvem prefeitos, secretários, médicos, jovens sem comorbidade e até negacionistas.
Os casos se tornaram alvos de investigações. Levantamento da Agência Brasil aponta que, em ao menos 10 estados, além do Distrito Federal, denúncias de irregularidades na fila da vacina já motivaram os ministérios públicos federais e estaduais a cobrar explicações dos governos locais.
Um dos casos de “fura-filas” é o de duas irmãs recém-formadas em Medicina que foram vacinadas no primeiro dia de imunização, na terça-feira (19), em Manaus (AM), cidade que passa por um surto de infectados pelo coronavírus e recentemente teve uma crise pela falta de oxigênio para pacientes com a doença. As jovens de 24 anos são filhas de um empresário do ramo da educação na região.
Segundo o Estadão, uma delas foi nomeada um dia antes da vacinação e a outra, no dia seguinte. Desse modo, não haveria tempo para as médicas terem trabalhado na linha de frente contra a covid. Ainda conforme a publicação, as duas não ocupam cargos de médicos, mas de gerentes de projetos.
Após o caso das médicas e denúncias de outras pessoas que foram imunizadas indevidamente em Manaus, a vacinação na cidade foi suspensa por 24 horas na quinta-feira (21) para que as listas de vacinados fossem disponibilizadas ao Ministério Público do Estado, Defensoria Pública e Tribunal de Contas do Amazonas para investigação.
Outro exemplo de quem burlou o plano de vacinação envolve o prefeito de Candiba (BA), Reginaldo Prado (PSD), que recebeu a primeira dose do imunizante sem ser parte do grupo prioritário. Após a repercussão, ele publicou um vídeo nas redes sociais da prefeitura se desculpando e justificando que foi vacinado para incentivar a população a se imunizar.
Na última sexta-feira (22), o vice-presidente, general Hamilton Mourão, se manifestou sobre o assunto e criticou os brasileiros que estão furando fila. “É necessário também que as pessoas se conscientizem de que tem que comparecer de acordo com o seu grupo para ser vacinado e não atropelar o processo. Isso aí denota uma falta de solidariedade e uma falta até, digamos assim, de caráter da pessoa que faz isso”, afirmou. Segundo ele, se as pessoas respeitassem as regras, o país chegaria ao final do ano com 150 milhões de imunizados.
Mas, afinal, o que pode acontecer com quem fura a fila da vacina?
De acordo com o médico e advogado do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP, Daniel Dourado, em entrevista ao podcast O Assunto, furar a fila da vacinação primeiramente é eticamente errado. Mas, em seu entendimento, também é uma ação que configura crime previsto no Código Penal, art. 268, que é quando alguém descumpre uma determinação de uma autoridade pública – no caso os planos de vacinação federal e estaduais – destinada a impedir a propagação de uma doença.
A punição por burlar esse tipo de determinação das autoridades em plena pandemia pode variar de um mês a um ano de detenção, mais multa.
À Veja, o presidente da Associação Nacional de Desembargadores (Andes), Marcelo Buhatem, ainda alertou que quem for denunciado por furar a fila da vacina pode responder por crimes de corrupção ativa ou passiva, além de peculato – crime que consiste no desvio de dinheiro público ou coisa móvel para proveito próprio ou alheio –, com penas que vão de 2 a 12 anos. Conforme o presidente da Andes, políticos que forem coniventes com essas irregularidades podem também ser processados por improbidade administrativa e até perderem os seus direitos políticos.
Em meio a esse mar de denúncias de “fura-filas” no Brasil, de acordo com a Agência Senado, senadores apresentaram nesta semana três projetos de lei que determinam a prisão de quem furar a fila para tomar a vacina contra a covid-19. As penas sugeridas variam de três meses a seis anos.
Atitude individual X proteção coletiva
O Plano Nacional de Imunização, elaborado pelo Ministério da Saúde, definiu como grupos prioritários para vacinação contra a covid os idosos e pessoas com deficiência residentes em institutos de longa permanência, profissionais de saúde e indígenas aldeados. No entanto, estados e municípios podem, dentro dessas categorias, “adequar a priorização conforme a realidade local”.
Em entrevista ao podcast O Assunto, Daniel Dourado explicou também que a lógica de definição desse grupo prioritário segue uma lógica epidemiológica, avaliando o que se conhece da doença e quais são as pessoas mais vulneráveis a ser contaminada e adoecer. E adoecendo quem serão os casos mais graves.
Por envolver uma atitude individual, em que cada pessoa vai sozinha até o posto de saúde, à primeira vista a imunização pode parecer algo exclusivamente pessoal. Mas o especialista defende que a vacinação é um ato de proteção coletiva.
“O benefício coletivo é ainda maior [que o individual]. A imunidade coletiva só pode ser formada de duas maneiras: as pessoas se contaminando ou sendo vacinadas. Como já vimos, se contaminando é impossível. E pela vacinação é o que desejamos para que o vírus diminua a sua circulação em padrão epidêmico. Quando se estabelece uma lógica de vacinação em grupos prioritários, esses grupos têm uma razão de ser”, afirma Dourado ao G1.
Ele ainda complementa que “o sujeito que fura-fila achando que está se protegendo, uma visão do indivíduo antes da coletividade, ele está simplesmente recebendo a vacinação, mas não está contribuindo para essa formação coletiva. E o mais importante, ele não contribui para o necessário nesse momento, que é impedir a saturação da rede existencial”.
Portanto, como a pessoa que se vacinou indevidamente está tirando a vaga de alguém, se ela precisar da rede de saúde por um outro motivo, pode não encontrar vagas, porque estará ocupada com pacientes com covid que não foram vacinados.
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