Estudante vítima de transfobia na escola conta como venceu o preconceito
O caso de Dandara foi importante para a aprovação de uma lei que garante o uso do nome social em registros escolares
Aos 17 anos de idade, Dandara Pedrita sofreu transfobia dentro da sala de aula quando estudava no último ano do ensino médio, em São Luís no Maranhão. Os episódios recorrentes eram cometidos por um professor de matemática que, durante a verificação de presença dos alunos, insistia em chamá-la pelo nome de registro. Após a repercussão do caso e mobilizações do movimento estudantil, foi criada uma portaria estadual que tornou obrigatório o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares.
Do interior do Maranhão, Dandara se mudou sozinha para a capital do estado na expectativa de ter oportunidades melhores de ensino. Logo após a sua chegada em março de 2018, descobriu-se mulher trans e iniciou o processo de transição. Ao se matricular em uma instituição da rede estadual, a jovem solicitou, com a ajuda de um advogado que era o seu responsável legal, o uso do nome social garantido pelo Decreto Federal Nº 8.727. Tudo caminhava bem. Até então ela não havia sofrido nenhum tipo de constrangimento ou recusa no atendimento dos seus direitos.
Quando as aulas começaram, a maioria dos colegas e professores da adolescente respeitavam o uso do seu nome social. Porém, em determinado período um docente da disciplina de matemática passou a tratá-la pelo nome de registro em todas as chamadas de presença. “Isso começou a mexer muito comigo, principalmente com o meu emocional dentro do espaço escolar”, afirma Dandara.
Os outros alunos, inclusive a jovem, sempre tentavam corrigi-lo, mas de nada adiantava. Incomodada com a situação, Dandara deixou de atender aos chamados do professor, que se irritou com a atitude. “Ele simplesmente veio com agressividade direcionada a mim. Disse que eu deveria responder, porque eu tinha que agir da forma como eu nasci, da forma como eu era biologicamente”, comenta.
Durante a discussão, Dandara tentou explicar a importância das pessoas respeitarem o uso do nome escolhido por ela. Mas a agressividade do professor, disfarçada de transfobia, só aumentava. “Ele me chamou para sair da sala e resolver as coisas de homem para homem”, comenta. “As pessoas precisam respeitar o uso do nome social, é algo básico. Isso é uma questão de autoafirmação e reconhecimento do que você é. Hoje, me olho no espelho e vejo a Dandara”, completa.
Dandara procurou a direção da escola para reportar o caso, mas para a sua surpresa os funcionários trataram o professor a todo o momento como uma pessoa inocente, que não sabia das consequências do próprio ato. “Não podemos mais aceitar como justificativa que um professor foi transfóbico porque ele é de outra geração”, afirma a jovem.
Diferente de outros casos, Dandara não se calou diante da transfobia sofrida durante a sala de aula. Devido à falta de apoio por parte da gestão da escola, ela decidiu tornar o caso público nas redes sociais. “Gravei um vídeo com apoio da Ames, uma entidade estudantil do Maranhão, e da Ubes, que já defendia essa campanha do uso do nome social dentro das escolas”, comenta.
A luta da estudante levou as Secretarias de Estado da Educação (Seduc) e de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop) a assinarem uma portaria que tornou obrigatório o uso do nome social nas escolas. Um ano depois, em votação na Assembleia Legislativa do Maranhão, a ação tornou-se uma lei aplicada não apenas em espaços de ensino. Um dos pontos importantes aprovados foram as punições para pessoas ou instituições que descumprirem a determinação.
O Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo, segundo a ONG Trangeder Europe (TGEU), que monitora 71 países.
Em 2020, foram 175 assassinatos, o que equivale a uma morte a cada 2 dias, aponta o relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra)
Apesar de lamentar ter sido vítima de transfobia, Dandara explica que o ocorrido foi muito importante para a luta trans. “No fim das contas, o professor não foi demitido. Tive que trocar de escola. Mas acabamos aprovando uma lei que garante que pessoas como ele não passem batido em casos de preconceito”, argumenta.
Atualmente, Dandara está com 21 anos, mora em São Paulo e estuda para o vestibular. Ela pretende cursar Direito. “A vida me ensinou a importância da informação. Por isso, quero ajudar outras pessoas em situações de vulnerabilidade com o meu conhecimento”, completa.
Para saber mais:
Cidadania Trans: o Acesso à Cidadania por Travestis e Transexuais no Brasil, de Caio Benevides Pedra
Devassos no paraíso: A homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade, de João Silvério Trevisan
Prepare-se para o Enem sem sair de casa. Assine o Curso Enem do GUIA DO ESTUDANTE e tenha acesso a centenas de videoaulas com professores do Poliedro, que é recordista em aprovações na Medicina da USP Pinheiros.