Por que a ONU não atua de forma eficaz contra a guerra na Palestina?
Entenda como funciona a principal organização multilateral do mundo, que papeis cumpre e quais são os seus limites
O devastador ataque que o Estado de Israel faz contra a Faixa de Gaza, onde moram mais de 2 milhões de palestinos – iniciado como resposta ao ataque do grupo Hamas ao território israelense, em 7 de outubro de 2023 –, é alvo de intensos debates na ONU (Organização das Nações Unidas). Após o número de palestinos mortos passar de 30 mil, o Conselho de Segurança da ONU aprovou, em 25 de março último, uma resolução determinando o imediato cessar-fogo. Ainda assim, o governo de Israel, mesmo associado à entidade, ignorou a resolução e manteve a ofensiva militar.
+ Por que israelenses e palestinos vivem em conflito?
A falta de ação eficaz da ONU diante do morticídio repete o que acontece com outro conflito de impacto mundial, a guerra que atinge a Ucrânia, no leste da Europa, iniciada com o ataque ao país pelas tropas da Rússia, em 24 de fevereiro de 2022. Em dois anos, morreram centenas de milhares de pessoas, entre militares e civis. O pior é que não há perspectivas concretas de negociações de paz para pôr fim ao sangrento conflito em solo europeu.
Nestas situações de grave crise humanitária, chama atenção a impotência da ONU para tomar medidas efetivas capazes de interromper as guerras, sobretudo considerando que o principal objetivo da organização é garantir “a paz e a segurança internacionais”. A ONU reúne 193 países, incluindo Israel, Ucrânia e Rússia, mas só conseguiu até agora adotar condenações formais aos conflitos – sem consequências diretas – e realizar ações de redução de danos.
O próprio secretário-geral da ONU, o português António Guterres, afirmou ainda no início de seu mandato (2017) que a ONU não tem cumprido seu principal papel, o de evitar guerras e suas terríveis consequências, como as crises humanitárias. Por que isso acontece?
Conselho de Segurança da ONU
As críticas à falta de ação efetiva no caso dos atuais conflitos referem-se principalmente às regras de funcionamento do principal órgão da ONU: o Conselho de Segurança (CS). Esse conselho tem o direito exclusivo, em nome da ONU, de determinar ou não intervenções militares, de enviar forças de paz a algum lugar do mundo e de adotar sanções econômicas a países em nome da organização. No caso dos dois conflitos, isso não tem ocorrido por desentendimentos entre os seus membros.
Para entender melhor o funcionamento do CS é o caso de voltarmos ao momento de criação da ONU, em 1945, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Sua finalidade: manter a paz e a segurança no mundo e articular uma cooperação internacional para resolver problemas econômicos, sociais e humanitários.
+ Segunda Guerra Mundial: o conflito mais sangrento da História
A organização foi arquitetada pelas nações que lutaram contra a Alemanha nazista e venceram a guerra – Estados Unidos (EUA), Reino Unido, França e União Soviética (URSS). Foram esses países que decidiram a distribuição do poder na ONU e, juntamente com a China, são até hoje os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – a Rússia substituiu a antiga URSS.
Além dos cinco membros permanentes, o CS tem outros dez membros. Eleitos pelos 193 países-membros, na Assembleia Geral da ONU, eles são rotativos: a cada ano, são escolhidos cinco países para um mandato de dois anos (em geral, divididos entre continentes). Neste momento, há cinco países com mandato 2023-2024 – Equador, Japão, Malta, Moçambique e Suíça – e mais cinco com mandato 2024-2025 – Argélia, Guiana, Coreia do Sul, Serra Leoa e Eslovênia.
A questão é que os 15 membros do CS participam das discussões, votam e decidem, mas qualquer um dos cinco membros permanentes pode vetar uma decisão com a qual não concorde. Quando algum dos cinco países não aceita alguma deliberação, possui o poder de barrar a medida, mesmo que a decisão tenha sido aprovada pela Assembleia Geral ou por todos os outros 14 membros do CS.
Impasses na ONU
Como a Rússia está diretamente envolvida na Guerra da Ucrânia, tem o poder de impedir que o CS da ONU adote qualquer ação efetiva contra ela. Como os EUA apoia o governo de Israel, também faz um bloqueio no Conselho para defender seu aliado. E só o Conselho de Segurança pode adotar medidas militares. Assim, resta à Assembleia Geral da ONU adotar, por exemplo, resoluções condenando os ataques da Rússia à Ucrânia ou de Israel à Faixa de Gaza, e afirmando que as ações bélicas violam a própria Carta da ONU – como foi o caso da resolução sobre a guerra na Ucrânia aprovada em fevereiro de 2023 pela Assembleia Geral com o voto favorável de 141 países, contra apenas 5. A resolução tem peso diplomático, mas pouca eficácia prática para barrar o movimento da máquina da guerra.
+ Resumo: o contexto histórico da Guerra na Ucrânia
No caso da Palestina, após meses com resoluções vetadas pelos EUA ou por Rússia e China, dependendo do seu teor, o Conselho de Segurança aprovou no final de março a resolução pelo imediato cessar fogo e devolução dos reféns tomados pelo Hamas, com o voto favorável de 14 membros e a abstenção dos EUA. Neste caso, fazendo uso de um artifício diplomático, os norte-americanos não votaram a favor, mas se abstiveram – ou seja, não impuseram seu veto. Assim, aceitaram a aprovação da resolução. Israel ficou um pouco mais isolado no cenário internacional, mas a resolução não teve efeito prático imediato.
O poder de veto dos membros permanentes do CS provoca longos impasses entre as principais potências, e limita a capacidade da organização de cumprir sua missão oficial de garantir a paz. O caso da Síria é um exemplo. Abriu-se uma cruel guerra civil há 13 anos, que engolfou o país e que, até hoje, mesmo estando reduzida, ainda não terminou completamente. Mas o antagonismo entre os Estados Unidos e seus aliados, apoiadores dos rebeldes sírios, e a Rússia e China, aliadas do ditador sírio Bashar al-Assad, impediu a ONU de ter um papel ativo no conflito, pois não conseguia aprovar medidas contra qualquer das partes em luta.
Pressão por reformas na ONU
No cenário da diplomacia internacional, é corrente a crítica de que a divisão de poder interno na ONU atualmente não reflete as transformações pelas quais o mundo passou desde a criação da entidade. O Japão e a Alemanha, derrotados na 2ª Guerra Mundial, tornaram-se duas das economias mais ricas do mundo atual, mas não participam das principais decisões da ONU. Por sua vez, economias emergentes, como o Brasil e a Índia, ganharam peso político no cenário internacional e reivindicam há anos uma vaga permanente no CS.
A ONU enfrenta uma inegável crise estrutural, e existe um debate há vários anos sobre mudanças internas, como a inclusão de novos membros permanentes no Conselho de Segurança, a revisão das relações entre a Assembleia Geral e o CS (já que o CS pode esvaziar qualquer resolução da Assembleia) e a discussão sobre os limites de atuação e as regras de funcionamento do CS (por exemplo, estabelecer limites para o poder de veto dos cinco membros permanentes).
A realização de reformas desse tipo na organização, porém, esbarra justamente na oposição dos cinco membros permanentes, além de muitos outros problemas, como o financiamento da organização (concentrado em poucos países) e a dificuldade de se chegar a consensos entre o conjunto dos países sobre o formato das mudanças (por exemplo, caso houvesse um representante da América Latina a no CS, não há acordo para saber qual país seria).
Abrangência e representatividade da ONU
Mesmo com seus problemas, o fato de reunir 193 nações faz da ONU o principal fórum internacional e dá legitimidade à entidade para realizar múltiplas iniciativas, como formalizar convenções, acordos globais e ações coordenadas. A sede da ONU fica em Nova York (EUA), em prédio que abriga a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, seu Secretariado e seu Conselho Econômico e Social. O local da sede possui extraterritorialidade, ou seja, não está sob a jurisdição dos EUA.
A estrutura da entidade abrange importantes órgãos multilaterais (ou seja, composto por diversos países ou blocos de países), como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), além de programas como o de Meio Ambiente (Pnuma) e o de Desenvolvimento (Pnud), e agências, como a criada para refugiados (Acnur).
Por meio desses braços, a ONU consegue atuar em variadas questões pelo mundo, como o combate à pandemia de Covid-19, a promoção de políticas contra a miséria e a defesa do meio ambiente e da biodiversidade, entre muitas outras questões.
A ONU também age em zonas de conflitos, buscando mediar as condições de acordo e enviando tropas de paz, compostas por forças com a colaboração de vários países. As tropas de paz são enviadas em situações decididas pelo Conselho de Segurança da ONU, com acordo dos cinco membros permanentes.
Atualmente, a ONU tem 11 missões de paz em andamento no mundo, sendo cinco na África, duas na Europa (Kosovo e Chipre), uma no sul da Ásia (Índia-Paquistão) e três no Oriente Médio. Elas envolvem mais de 60 mil homens, enviados por mais de 110 dos países membros da ONU, incluindo o Brasil.
Prepare-se para o Enem sem sair de casa. Assine o Curso GUIA DO ESTUDANTE ENEM e tenha acesso a todas as provas do Enem para fazer online e mais de 180 videoaulas com professores do Poliedro, recordista de aprovação nas universidades mais concorridas do país.