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Resumo: o contexto histórico da Guerra na Ucrânia

Rússia e Ucrânia têm um passado em comum. Mais recentemente, a Ucrânia se tornou palco de disputas entre o Ocidente e a antiga União Soviética

Por Paulo Zocchi
Atualizado em 5 out 2023, 11h38 - Publicado em 5 out 2023, 11h30
Winston Churchill, Franklin Roosevelt e Joseph Stalin na Conferência de Yalta, na Crimeia, ao fim da Segunda Guerra Mundial
Winston Churchill, Franklin Roosevelt e Joseph Stalin na Conferência de Yalta, na Crimeia, ao fim da Segunda Guerra Mundial  (De Agostini Editorial/Getty Images)
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Engana-se que pensa que a guerra na Ucrânia, iniciada com o ataque das forças armadas da Rússia contra o território ucraniano em 24 de fevereiro de 2022, seja uma apenas uma desavença local. O conflito, o mais grave e importante em território europeu nas últimas décadas, provoca consequências em todo o mundo – que incluem a alta na inflação e os cortes em orçamentos sociais de diversos países.

Uma história em comum

Para entender melhor as relações entre russos e ucranianos, é preciso voltar alguns séculos. Os dois povos compartilham a mesma origem, e a atual capital ucraniana, Kiev, é considerada o berço da civilização russa. Entre os séculos 9 e 12, formavam um só povo, vivendo em cidades-estado sob a autoridade de Kiev.

Apenas a partir do século 13, quando a invasão mongol fragmentou o Estado Kievano, os dois povos se separaram. Enquanto o Império Russo se consolidou a partir do século 15, o território ucraniano foi seguidamente dominado por mongóis, lituanos, poloneses e otomanos. A partir de 1667, a porção da Ucrânia a leste do rio Dnieper tornou-se parte do Império Russo, enquanto a região a oeste foi anexada pela Polônia. No século seguinte, a maior parte do território ucraniano a oeste do Dnieper foi compartilhada pela Áustria e a Prússia, mas o Império Russo avançou para oeste. Nesse período, os russos também incorporaram a península da Crimeia, área histórica de um reino tártaro.

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Em 1917, durante a 1ª Guerra Mundial, eclode a Revolução Russa (veja matéria sobre o tema). O movimento revolucionário se expande em meio à guerra civil (1918-1921). No front ocidental, abarca boa parte do território ucraniano, e se forma a República Socialista Soviética da Ucrânia, que, em 1922, integra-se como tal à União Soviética (formada então por 12 repúblicas). Na 2ª Guerra Mundial (1939-1945), o território volta a ser invadido; com a derrota do nazismo, passa a incorporar o conjunto de sua área histórica a oeste.

Em 1954, uma decisão interna da URSS entrega a península da Crimeia à Ucrânia, que integra a área pela primeira vez na história.

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Pós-Segunda Guerra Mundial

Os acordos de Yalta e Potsdam, em 1945, ao final da 2ª Guerra Mundial, tiveram a proposta de dividir responsabilidades entre as potências vencedoras do conflito para assegurar a pacificação global. Na prática, iniciou-se em seguida o período da Guerra Fria (1945-1990) – tensão política entre o bloco ocidental, liderado pelos Estados Unidos (EUA), e o bloco dos países comunistas, sob liderança da União Soviética. Na Europa, não houve guerra entre nações neste período; no restante do mundo, boa parte dos conflitos armados eram enquadrados pelos blocos da Guerra Fria.

+ Rússia e Ucrânia: 4 pontos centrais para entender a crise atual

Essa ordem desabou em novembro de 1989, com a Queda do Muro de Berlim – que levou à unificação da Alemanha, em 1990 (desde 1945, haviam existido as Alemanhas Ocidental e Oriental) – e o fim da União Soviética, em 1991, que deu origem a 15 países, sendo a Rússia o principal. Foi também o momento do fim dos regimes comunistas no leste europeu: a desagregação da Iugoslávia deu-se em meio a um sangrento conflito entre grupos de diversas nacionalidades (sérvios, croatas, bósnios, albaneses), o primeiro em solo europeu em 50 anos.

Com o fim da União Soviética, 12 de suas repúblicas mantiveram-se ligadas na Comunidade de Estados Independentes (CEI), liderada pela Rússia. Mas a dissolução da URSS deixou uma herança pesada, e a eclosão da atual guerra mostra a dificuldade de superar os problemas do passado.

+ 5 livros para entender o fim da União Soviética e a guerra na Ucrânia

Herdeira geopolítica

No cenário mundial, a Rússia é a herdeira geopolítica da União Soviética: manteve as posições de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e de país detentor de arsenal nuclear (são só cinco no âmbito do Tratado de Não Proliferação Nuclear, incluindo ainda Estados Unidos, Reino Unido, França e China). É o maior país do mundo em território. Com a CEI, manteve o grosso das repúblicas soviéticas em sua órbita. Mas, além dos três países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia), que sequer aderiram à CEI, a Geórgia desligou-se dela em 2008, e a Ucrânia, em 2014.

A Ucrânia, durante todo o século 20, respondeu por parcela importante da produção agrícola da URSS, e depois de seu fim, da CEI. Mesmo sendo a Crimeia parte formal do território da Ucrânia depois da independência, a região abriga o porto de Sebastopol, sede da frota naval russa no mar Negro, via de acesso ao mar Mediterrâneo.

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As tensões entre Rússia e Ucrânia vieram crescendo a partir da aproximação entre os ucranianos e a União Europeia (UE) e a Otan (aliança militar ocidental).

A questão da Otan exige um detalhamento. A Organização do Tratado do Atlântico Norte foi criada em 1949, no contexto da Guerra Fria, como um acordo militar contra a “ameaça” soviética. Em 1991, nas negociações entre as potências sobre o cenário a seguir, os Estados Unidos disseram em conversas bilaterais que a Otan não avançaria para o Leste Europeu (onde os países, até aquela época, estavam sob influência direta de Moscou). Para os russos, é particularmente preocupante o fato de que, o artigo 5º do Tratado da Otan, estipula que, se houver um ataque militar a um de seus membros, todos se consideram atacados (são 31 países hoje, incluindo EUA, Reino Unido, Alemanha e França).

+ O que é a Otan e o seu papel, da Guerra Fria à Guerra na Ucrânia

O que se viu, a partir de 1999, porém, foi um avanço progressivo da Otan ao oriente, obtendo a adesão de 15 países do Leste Europeu, incluindo três fronteiriços com a Rússia – que se vê cada vez mais sob ameaça.

Tensões internas

Crimeia
A crise na Crimeia envolve Rússia, Ucrânia, União Europeia e os Estados Unidos. O mapa mostra a Ucrânia (verde claro) e a Crimeia (verde escuro). (Foto:Wikimedia Commons) (Reprodução/Wikimedia Commons)

A aproximação com o Ocidente foi recebida de forma diferenciada dentro da Ucrânia por causa de outro fator histórico importante: a composição de sua população. No período stalinista (1924-1953), a URSS teve uma política ativa de “russificação” de partes de seu território. Isso consistia em estimular a população russa a povoar diferentes lugares da URSS, como a Crimeia (neste caso, também com a “deportação” da população local, de tártaros e outros, para a Ásia Central) e o leste da Ucrânia.

Hoje, cerca de 30% da população da Ucrânia é de fala russa, concentrada na porção centro-leste do país, e possui laços familiares e culturais com a Rússia. A população do oeste é mais aberta à aproximação com a Europa ocidental.

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Em novembro de 2013, a Ucrânia desistiu de assinar um Acordo de Associação e Livre-Comércio com a União Europeia, e o então presidente, Viktor Yanukovich, admite a influência russa na decisão. Nas semanas seguintes, multiplicam-se os protestos de rua contra o governo. Yanukovich sofre impeachment em fevereiro de 2014.

Uma grave consequência, um mês depois, é a decisão do Parlamento da Crimeia de se separar da Ucrânia. A Rússia decide então anexar a península a seu território, situação não reconhecida pelos EUA e pela União Europeia. Ocorre também um levante em regiões do leste da Ucrânia, e começam choques armados entre o governo central e grupos pró-Rússia, que assumem o controle de partes do território. O conflito armado no leste não cessou mais.

Desde então, a situação entre os países é de tensão extrema. Uma questão econômica relevante é que a Rússia, naquele momento, respondia por cerca de 1/3 do fornecimento de gás natural para a Europa (segunda fonte de energia da região), e a principal via eram gasodutos que atravessam a Ucrânia. Os ucranianos passaram a ver nisso um poder de barganha.

Em 2019, a eleição para presidente de Volodimir Zelenski, um comediante profissional sem atuação política, abertamente pró-Europa, acirrou ainda mais a tensão bilateral. Zelenski passou a buscar ativamente o ingresso da Ucrânia na Otan. Em 14 de fevereiro de 2022, por exemplo, declarou ao final de uma reunião com o chanceler alemão, Olaf Scholz, que “a entrada (na Otan) garantiria a nossa segurança”.

Ao mesmo tempo, agravou-se o conflito armado no leste da Ucrânia, com grupos armados enfrentando as tropas de Kiev para separar as regiões de Donetsk e Lugansk do país e juntá-lo à Rússia. Nessas regiões, a grande maioria da população é de fala russa.

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Nesse cenário, em 24 de fevereiro de 2022, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, decidiu atacar o território da Ucrânia. Seu principal pretexto é defender as populações russas do leste da Ucrânia, mas o ataque visa também impedir a adesão do país vizinho à Otan, bem como assegurar o controle do sistema de fornecimento de gás natural à Europa. Putin, assim, inicia a guerra!

 

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