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Por que a ONU não atua de forma eficaz contra a guerra na Palestina?

Entenda como funciona a principal organização multilateral do mundo, que papeis cumpre e quais são os seus limites

Por Paulo Zocchi
8 abr 2024, 15h00
Vista de reunião da Assembleia Geral da ONU, em 26 de fevereiro de 2024, para debates sobre os Objetivos do Milênio
Vista de reunião da Assembleia Geral da ONU, em 26 de fevereiro de 2024, para debates sobre os Objetivos do Milênio (Eskinder Debebe / ONU/Divulgação)
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O devastador ataque que o Estado de Israel faz contra a Faixa de Gaza, onde moram mais de 2 milhões de palestinos – iniciado como resposta ao ataque do grupo Hamas ao território israelense, em 7 de outubro de 2023 –, é alvo de intensos debates na ONU (Organização das Nações Unidas). Após o número de palestinos mortos passar de 30 mil, o Conselho de Segurança da ONU aprovou, em 25 de março último, uma resolução determinando o imediato cessar-fogo. Ainda assim, o governo de Israel, mesmo associado à entidade, ignorou a resolução e manteve a ofensiva militar.

+ Por que israelenses e palestinos vivem em conflito?

A falta de ação eficaz da ONU diante do morticídio repete o que acontece com outro conflito de impacto mundial, a guerra que atinge a Ucrânia, no leste da Europa, iniciada com o ataque ao país pelas tropas da Rússia, em 24 de fevereiro de 2022. Em dois anos, morreram centenas de milhares de pessoas, entre militares e civis. O pior é que não há perspectivas concretas de negociações de paz para pôr fim ao sangrento conflito em solo europeu.

Nestas situações de grave crise humanitária, chama atenção a impotência da ONU para tomar medidas efetivas capazes de interromper as guerras, sobretudo considerando que o principal objetivo da organização é garantir “a paz e a segurança internacionais”. A ONU reúne 193 países, incluindo Israel, Ucrânia e Rússia, mas só conseguiu até agora adotar condenações formais aos conflitos – sem consequências diretas – e realizar ações de redução de danos.

O próprio secretário-geral da ONU, o português António Guterres, afirmou ainda no início de seu mandato (2017) que a ONU não tem cumprido seu principal papel, o de evitar guerras e suas terríveis consequências, como as crises humanitárias. Por que isso acontece?

Conselho de Segurança da ONU em reunião, em 18 de maio de 2023: divergências impedem ação efetiva na Ucrânia
Conselho de Segurança da ONU em reunião, em 18 de maio de 2023: divergências impedem ação efetiva na Ucrânia (Eskinder Debebe / ONU/Divulgação)

Conselho de Segurança da ONU

As críticas à falta de ação efetiva no caso dos atuais conflitos referem-se principalmente às regras de funcionamento do principal órgão da ONU: o Conselho de Segurança (CS). Esse conselho tem o direito exclusivo, em nome da ONU, de determinar ou não intervenções militares, de enviar forças de paz a algum lugar do mundo e de adotar sanções econômicas a países em nome da organização. No caso dos dois conflitos, isso não tem ocorrido por desentendimentos entre os seus membros.

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Para entender melhor o funcionamento do CS é o caso de voltarmos ao momento de criação da ONU, em 1945, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Sua finalidade: manter a paz e a segurança no mundo e articular uma cooperação internacional para resolver problemas econômicos, sociais e humanitários.

+ Segunda Guerra Mundial: o conflito mais sangrento da História

A organização foi arquitetada pelas nações que lutaram contra a Alemanha nazista e venceram a guerra – Estados Unidos (EUA), Reino Unido, França e União Soviética (URSS). Foram esses países que decidiram a distribuição do poder na ONU e, juntamente com a China, são até hoje os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – a Rússia substituiu a antiga URSS.

Além dos cinco membros permanentes, o CS tem outros dez membros. Eleitos pelos 193 países-membros, na Assembleia Geral da ONU, eles são rotativos: a cada ano, são escolhidos cinco países para um mandato de dois anos (em geral, divididos entre continentes). Neste momento, há cinco países com mandato 2023-2024 – Equador, Japão, Malta, Moçambique e Suíça – e mais cinco com mandato 2024-2025 – Argélia, Guiana, Coreia do Sul, Serra Leoa e Eslovênia.

A questão é que os 15 membros do CS participam das discussões, votam e decidem, mas qualquer um dos cinco membros permanentes pode vetar uma decisão com a qual não concorde. Quando algum dos cinco países não aceita alguma deliberação, possui o poder de barrar a medida, mesmo que a decisão tenha sido aprovada pela Assembleia Geral ou por todos os outros 14 membros do CS.

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Impasses na ONU

Como a Rússia está diretamente envolvida na Guerra da Ucrânia, tem o poder de impedir que o CS da ONU adote qualquer ação efetiva contra ela. Como os EUA apoia o governo de Israel, também faz um bloqueio no Conselho para defender seu aliado. E só o Conselho de Segurança pode adotar medidas militares. Assim, resta à Assembleia Geral da ONU adotar, por exemplo, resoluções condenando os ataques da Rússia à Ucrânia ou de Israel à Faixa de Gaza, e afirmando que as ações bélicas violam a própria Carta da ONU – como foi o caso da resolução sobre a guerra na Ucrânia aprovada em fevereiro de 2023 pela Assembleia Geral com o voto favorável de 141 países, contra apenas 5. A resolução tem peso diplomático, mas pouca eficácia prática para barrar o movimento da máquina da guerra.

+ Resumo: o contexto histórico da Guerra na Ucrânia

No caso da Palestina, após meses com resoluções vetadas pelos EUA ou por Rússia e China, dependendo do seu teor, o Conselho de Segurança aprovou no final de março a resolução pelo imediato cessar fogo e devolução dos reféns tomados pelo Hamas, com o voto favorável de 14 membros e a abstenção dos EUA. Neste caso, fazendo uso de um artifício diplomático, os norte-americanos não votaram a favor, mas se abstiveram – ou seja, não impuseram seu veto. Assim, aceitaram a aprovação da resolução. Israel ficou um pouco mais isolado no cenário internacional, mas a resolução não teve efeito prático imediato.

O poder de veto dos membros permanentes do CS provoca longos impasses entre as principais potências, e limita a capacidade da organização de cumprir sua missão oficial de garantir a paz. O caso da Síria é um exemplo. Abriu-se uma cruel guerra civil há 13 anos, que engolfou o país e que, até hoje, mesmo estando reduzida, ainda não terminou completamente. Mas o antagonismo entre os Estados Unidos e seus aliados, apoiadores dos rebeldes sírios, e a Rússia e China, aliadas do ditador sírio Bashar al-Assad, impediu a ONU de ter um papel ativo no conflito, pois não conseguia aprovar medidas contra qualquer das partes em luta.

Pressão por reformas na ONU

No cenário da diplomacia internacional, é corrente a crítica de que a divisão de poder interno na ONU atualmente não reflete as transformações pelas quais o mundo passou desde a criação da entidade. O Japão e a Alemanha, derrotados na 2ª Guerra Mundial, tornaram-se duas das economias mais ricas do mundo atual, mas não participam das principais decisões da ONU. Por sua vez, economias emergentes, como o Brasil e a Índia, ganharam peso político no cenário internacional e reivindicam há anos uma vaga permanente no CS.

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A ONU enfrenta uma inegável crise estrutural, e existe um debate há vários anos sobre mudanças internas, como a inclusão de novos membros permanentes no Conselho de Segurança, a revisão das relações entre a Assembleia Geral e o CS (já que o CS pode esvaziar qualquer resolução da Assembleia) e a discussão sobre os limites de atuação e as regras de funcionamento do CS (por exemplo, estabelecer limites para o poder de veto dos cinco membros permanentes).

A realização de reformas desse tipo na organização, porém, esbarra justamente na oposição dos cinco membros permanentes, além de muitos outros problemas, como o financiamento da organização (concentrado em poucos países) e a dificuldade de se chegar a consensos entre o conjunto dos países sobre o formato das mudanças (por exemplo, caso houvesse um representante da América Latina a no CS, não há acordo para saber qual país seria).

Sede da ONU em Nova York: principal organização internacional criada no cenário do pós-guerra, em 1945
Sede da ONU em Nova York: principal organização internacional criada no cenário do pós-guerra, em 1945 (UN Photo/1968/Divulgação)

Abrangência e representatividade da ONU

Mesmo com seus problemas, o fato de reunir 193 nações faz da ONU o principal fórum internacional e dá legitimidade à entidade para realizar múltiplas iniciativas, como formalizar convenções, acordos globais e ações coordenadas. A sede da ONU fica em Nova York (EUA), em prédio que abriga a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, seu Secretariado e seu Conselho Econômico e Social. O local da sede possui extraterritorialidade, ou seja, não está sob a jurisdição dos EUA.

A estrutura da entidade abrange importantes órgãos multilaterais (ou seja, composto por diversos países ou blocos de países), como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), além de programas como o de Meio Ambiente (Pnuma) e o de Desenvolvimento (Pnud), e agências, como a criada para refugiados (Acnur).

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Por meio desses braços, a ONU consegue atuar em variadas questões pelo mundo, como o combate à pandemia de Covid-19, a promoção de políticas contra a miséria e a defesa do meio ambiente e da biodiversidade, entre muitas outras questões.

A ONU também age em zonas de conflitos, buscando mediar as condições de acordo e enviando tropas de paz, compostas por forças com a colaboração de vários países. As tropas de paz são enviadas em situações decididas pelo Conselho de Segurança da ONU, com acordo dos cinco membros permanentes.

Atualmente, a ONU tem 11 missões de paz em andamento no mundo, sendo cinco na África, duas na Europa (Kosovo e Chipre), uma no sul da Ásia (Índia-Paquistão) e três no Oriente Médio. Elas envolvem mais de 60 mil homens, enviados por mais de 110 dos países membros da ONU, incluindo o Brasil.

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