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Por que é tão fácil ficar endividado no Brasil?

Muitos nem imaginam, mas já fazem parte da estatística dos endividados no país. Entenda as causas, dos cartões de crédito à economia brasileira

Por Julia Di Spagna
6 dez 2023, 12h44
mulher sendo derrubada por cartões de crédito
 (C.J. Burton/Getty Images)
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O Brasil é uma das dez nações com a população mais endividada do mundo. Para se ter uma ideia, no início de 2023, quase 80% dos brasileiros estavam com dívidas – acredite, você pode fazer parte dessa estatística e nem sabe disso. Para completar, quatro em cada cinco pessoas por aqui estão em situação econômica preocupante, de acordo com dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). 

Mas como o país atingiu esses números? Por que, além de endividadas, tantas pessoas estão inadimplentes? Segundo especialistas, as causas são multifatoriais. Nessa matéria, o GUIA DO ESTUDANTE destrincha as razões, o atual cenário do país, o perfil dos brasileiros endividados e como muitos estudantes também são prejudicados por essa realidade.

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A diferença entre endividamento e inadimplência

Existem duas palavras centrais quando o debate são as dívidas, e é importante entendê-las bem antes de se aprofundar no tema. Endividamento e inadimplência são conceitos que, apesar de semelhantes, possuem suas diferenças.

O endividamento ocorre quando a pessoa deve um valor que precisa ser pago em algum momento futuro pré-determinado. Um exemplo seria quando alguém compra um produto parcelado: a compra foi efetuada com uma quantia inicial (primeira parcela), mas ainda existe o compromisso de pagar o restante do valor ao longo dos meses.  

Já a inadimplência significa que a pessoa tinha um período determinado para pagar uma dívida e o prazo não foi cumprido. Se o indivíduo, por exemplo, deixa de pagar um boleto na data estipulada no documento ou não quita a fatura do cartão a tempo se torna inadimplente. 

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De acordo com a pesquisa da CNC, cerca de 11% das famílias brasileiras afirmaram que não teriam condições de pagar contas atrasadas. E, em abril do ano passado, o nível de inadimplência das famílias brasileiras ultrapassou 28% – o maior patamar desde 2010, quando o levantamento foi realizado pela primeira vez.

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Causas do endividamento

Engana-se quem pensa que, no Brasil, as pessoas endividam-se apenas para comprar itens tido como supérfluos. A principal causa de endividamento do brasileiro é a compra de alimentos. De acordo com a pesquisa “Perfil e Comportamento do Endividamento Brasileiro 2023”, das dívidas contraídas por conta do cartão de crédito, 59% correspondem a gastos de alimentos em supermercados.

Em segundo lugar, destaca-se a compra de produtos como roupas, calçados, eletrodomésticos, dentre outros, sendo responsável por 46% dos endividamentos por cartão dos consumidores no Brasil. Inclusive, segundo a pesquisa, a maior fonte das dívidas é o cartão de crédito. 

O endividamento, no entanto, não ocorre no vácuo. O desemprego, os juros mais altos, a queda na renda e todos os fatores associados aos índices econômicos do país acabam pesando individualmente no bolso de cada cidadão – ou na fatura do cartão de crédito.

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Como a economia do país pode gerar mais endividados

Os recordes de endividamento recentes ocorreram em momentos de baixa tração econômica e inflação alta no Brasil. Além disso, a renda média dos trabalhadores atingiu o menor nível desde 2012, o primeiro ano da série histórica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

É a receita perfeita para o endividamento: com a inflação alta e a renda caindo, muita gente não consegue pagar as contas mais básicas. “Tanto que o endividamento hoje não está em gastos muito grandes como financiamento de casa ou de carro. Está em cartão de crédito, em gastos básicos que as famílias não estão conseguindo suprir. E o desemprego é um agravante disso”, afirmou Tainari Taioka, pesquisadora do Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da FEA-USP), em entrevista ao Nexo. Na mesma reportagem, a coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV-Eaesp, Claudia Yoshinaga também culpou a alta da taxa de juros. Os juros mais altos acabam elevando o valor das dívidas e dificultando as renegociações.

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Para completar, o incentivo ao uso de cartão de crédito é crescente no país, com a oferta de cada vez mais produtos e a popularização de fintechs como os bancos digitais, segundo afirma a economista da CNC, Izis Ferreira, à BBC Brasil. Para os mais ricos, destaca-se os serviços pagos em cartão de crédito, como viagens e passagens aéreas.

Qual é o perfil dos endividados?

O brasileiro, de uma maneira geral, é habituado a contrair dívidas. Mas existe um perfil mais específico daqueles que acabam imersos em parcelas a pagar: são, em sua maioria, mulheres de baixa escolaridade. Dê só uma olhada nos dados CNC de 2022:

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  • 79,5% das mulheres se endividaram naquele ano;
  • Em sua maioria, com menos de 35 anos;
  • Em termos de escolaridade, tinham Ensino Médio incompleto; 
  • Residiam nas regiões Sul ou Sudeste.
  • No mesmo período, o número de homens que se endividaram foi de 76,7%. 

Além disso, entre as famílias lideradas por pessoas sem Ensino Médio completo, 31,2% tinham dívidas em atraso, comparado a 25,8% das famílias de pessoas com segundo grau completo.

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Para além do perfil socioeconômico, também é possível mapear o contexto em que essas pessoas se endividaram e eventualmente se tornaram inadimplentes.

Um dos exemplos ocorre quando a pessoa se endivida por conta de uma situação pontual. Pode ser uma emergência médica, a perda do emprego ou qualquer outro imprevisto que exija que o indivíduo desembolse altas quantias, deixando-o em uma situação de endividamento a curto prazo. 

Mas os prejuízos financeiros também podem ser ocasionados por situações comportamentais. A pessoa pode gastar por impulsos, não se organizar com as contas que precisam ser quitadas, confundir datas, esquecer gastos ou não ter um planejamento a longo prazo e economias. 

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Outro exemplo comum é o do superendividado. Esse perfil vai acumulando dívidas e acaba perdendo a capacidade de acertá-las, pois os compromissos financeiros ultrapassam a renda que a pessoa tem. As contas não são pagas nas datas estipuladas, os juros e multas começam a crescer, e as consequências da inadimplência dificultam ainda mais uma solução, pois a pessoa fica com restrições de crédito e pode até ser acionada juridicamente pelos credores. 

Os impactos das dívidas na saúde mental 

O aumento da inadimplência no Brasil não traz apenas danos financeiros, como o nome sujo e, consequentemente, dificuldade para a conquista de novos créditos e financiamentos. Ele também afeta o lado socioemocional. 

A pesquisa Perfil e Comportamento do Endividamento Brasileiro, encomendada pela Serasa, apontou que: 

  • 83% dos endividados têm dificuldade para dormir por conta das dívidas;
  • 78% têm surtos de pensamentos negativos devido aos débitos vencidos;
  • 62% sentem impactos no relacionamento conjugal;
  • 61% vivem sensação de “crise e ansiedade” ao pensar na dívida;
  • 53% revelam sentir “muita tristeza” e “medo do futuro”;
  • 51% têm vergonha da condição de endividado.

Inadimplência entre jovens 

Não são apenas os mais velhos que encaram problemas financeiros. Segundo dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), 19% dos brasileiros entre 18 e 24 anos estão endividados. Além disso, 46% dos brasileiros com idade entre 25 e 29 anos estão inadimplentes – ou seja, não estão pagando suas dívidas. Juntos, esses dados somam um total de 12,5 milhões de pessoas.

E o que eles têm em comum? Mais da metade dessa população não faz um controle de seus gastos. Um levantamento do Banco Central e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), indica que 70% das pessoas gastam todo ou até mais dinheiro do que ganham. Isso representa 150 milhões de brasileiros que não têm controle sobre a própria vida financeira.

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Por isso, o especialista em finanças Guilherme Grillo afirmou, em entrevista ao G1, que uma das soluções para mudar essa realidade seria o investimento em educação financeira nas escolas. Sem os conhecimentos básicos sobre finanças ou sobre planejamento financeiro, as chances de uma pessoa se endividar ao longo da vida aumentam.

+ O ensino da educação financeira e o impacto na vida das pessoas

Dívidas no financiamento estudantil

No ano passado, cerca de 1,2 milhão de estudantes que entraram no Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) até o 2º semestre de 2017 estavam com dívidas atrasadas.

Ou seja, mesmo com o diploma em mãos, muitos jovens viram o sonho de concluir um curso universitário se tornar um pesadelo: dívidas chegando a R$ 100 mil, juros, nome sujo e problemas psicológicos já citados anteriormente, como ansiedade e depressão. 

Afinal, quem opta por essa modalidade de financiamento dos estudos costuma traçar um plano: fazer um curso superior, formar-se na área, conseguir um emprego assim que concluir a graduação e já iniciar o pagamento do Fies. Mas o problema começa quando, ao se formar, o jovem não consegue vaga na área. Assim, as parcelas se acumulam e a dívida só cresce. Lembrando que se houver atraso de 30 dias no pagamento de uma parcela, o nome da pessoa já é negativado.

E a situação se agrava ainda mais quando a economia do país passa por dificuldades (como ocorreu durante a pandemia de covid-19) que, consequentemente, afetam o mercado de trabalho, reduzindo a quantidade de vagas disponíveis e até os salários.

“É necessário um plano para que o aluno possa ter condições de quitar o seu débito. Não é possível fazer uma proposta que não se enquadre na atual situação dos devedores. Se eles estão inadimplentes é porque não tiveram condições financeiras para honrar o compromisso”, afirmou Sólon Caldas, diretor executivo da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior), em entrevista à BBC.

Programa Desenrola

Para reduzir a quantidade de brasileiros endividados, o governo federal criou o Programa Desenrola. A medida, que entrou em vigor em julho, tem como premissa a renegociação de dívidas bancárias de pessoas com renda entre R$ 2,6 mil e R$ 20 mil. 

Desde então, houve uma queda da proporção de famílias endividadas de 78,5% em junho para 78,1% em julho – a primeira redução desde novembro de 2022 – e o volume total de endividados caiu ao menor nível desde janeiro de 2023. O levantamento foi feito na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, divulgado pela CNC.

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